CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA
PRIMEIRA PARTE
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA
PRÓLOGO
"PAI, ... a vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o Deus único verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo" (Jo 17,3). "Deus, nosso Salvador ... quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade" (1 Tm 2,3-4). "Não há, debaixo do céu, outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos" (At 4,12), afora o nome de JESUS.
I - A VIDA DO HOMEM CONHECER E AMAR A DEUS
1) Deus, infinitamente Perfeito e Bem-aventurado em si mesmo, em um desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para fazê-lo participar de sua vida bem-aventurada. Eis por que, desde sempre e em todo lugar, está perto do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-lo, a conhecê-lo e a amá-lo com todas as suas forças. Convoca todos os homens, dispersos pelo pecado, para a unidade de sua família, a Igreja. Faz isto por meio do Filho, que enviou como Redentor e Salvador quando os tempos se cumpriram. Nele e por Ele, chama os homens a se tornarem, no Espírito Santo, seus filhos adotivos, e portanto os herdeiros de sua vida bem-aventurada.
2) A fim de que este chamado ressoe pela terra inteira, Cristo enviou os apóstolos que escolhera, dando-lhes o mandato de anunciar o Evangelho: "Ide, fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos" (Mt 28,19-20). Fortalecidos com esta missão, os apóstolos “saíram a pregar por toda parte, agindo com eles o Senhor, e confirmando a Palavra por meio dos sinais que a acompanhavam" (Mc 16,20).
3) Os que com a ajuda de Deus acolheram o chamado de Cristo e lhe responderam livremente foram por sua vez impulsionados pelo amor de Cristo a anunciar por todas as partes do mundo a Boa Notícia. Este tesouro recebido dos apóstolos foi guardado fielmente por seus sucessores. Todos os fiéis de Cristo são chamados a transmiti-lo de geração em geração, anunciando a fé, vivendo-a na partilha fraterna e
celebrando-a na liturgia e na oração .
II. Transmitir a fé - a catequese
4) Bem cedo passou-se a chamar de catequese o conjunto de esforços empreendidos na Igreja para fazer discípulos, para ajudar os homens a crerem que Jesus é o Filho de Deus, a fim de que, por meio da fé, tenham a vida em nome dele, para educá-los e instruí-los nesta vida, e assim construir o Corpo de Cristo. .
5) "A catequese é uma educação da fé das crianças, dos jovens e dos adultos, a qual compreende especialmente um ensino da doutrina cristã, dado em geral de maneira orgânica e sistemática, com o fim de os iniciar na plenitude da vida cristã."
6) Sem confundir-se com eles, a catequese se articula em torno de determinado número de elementos da missão pastoral da Igreja que têm um aspecto catequético e que preparam a catequese ou dela derivam: primeiro anúncio do Evangelho ou pregação missionária para suscitar a fé; busca das razões de crer; experiência de vida cristã; celebração dos sacramentos; integração na comunidade eclesial; testemunho apostólico e missionário.
7) "A catequese anda intimamente ligada com toda a vida da Igreja. Não é somente a extensão geográfica e o aumento numérico, mas também e mais ainda o crescimento interior da Igreja, sua correspondência ao desígnio de Deus que dependem da catequese mesma."
8) Os períodos de renovação da Igreja são também tempos fortes da catequese. Eis por que, na grande época dos Padres da Igreja, vemos Santos Bispos dedicarem uma parte importante de seu ministério à catequese. É a época de São Cirilo de Jerusalém e de São João Crisóstomo, de Santo Ambrósio e de Santo Agostinho, e de muitos outros Padres cujas obras catequéticas permanecem como modelos.
9) O ministério da catequese haure energias sempre novas nos Concílios. O Concílio de Trento constitui neste ponto um exemplo a ser sublinhado: deu à catequese prioridade em suas constituições e em seus decretos; está ele na origem do Catecismo Romano, que também leva seu nome e constitui uma obra de primeira grandeza como resumo da doutrina cristã. Este concílio suscitou na Igreja uma organização notável da catequese. Graças a santos bispos e teólogos, tais como São Pedro Canísio, São Carlos Borromeu, São Turíbio de Mogrovejo, São Roberto Belarmino, levou à publicação de numerosos catecismos.
10) Diante disto, não estranha que, no dinamismo que seguiu o Concílio Vaticano II (que o papa Paulo VI considerava como grande catecismo dos tempos modernos), a catequese da Igreja tenha novamente despertado a atenção. Dão testemunho deste fato o Diretório geral da Catequese, de 1971, as sessões do Sínodo dos Bispos dedicadas à evangelização (1974) e à catequese (1977), as exortações apostólicas correspondentes, Evangelii nuntiandi (1975) e Catechesi tradendae (1979). A sessão extraordinária do Sínodo dos Bispos de 1985 pediu: "Seja redigido um catecismo ou compêndio de toda a doutrina católica seja sobre a fé seja sobre a moral". O Santo Padre João Paulo II endossou este desideratum expresso pelo Sínodo dos Bispos, reconhecendo que "este desejo responde plenamente a uma verdadeira necessidade da Igreja universal e das Igrejas particulares". Ele envidou todos os esforços em prol da realização deste desideratum dos Padres do Sínodo.
III. O OBJETIVO E OS DESTINATÁRIOS DESTE CATECISMO
11) O presente Catecismo tem por objetivo apresentar uma exposição orgânica e sintética dos conteúdos essenciais e fundamentais da doutrina católica tanto sobre a fé como sobre a moral, à luz do Concílio Vaticano II e do conjunto da Tradição da Igreja. Suas fontes principais são a Sagrada Escritura, os Santos Padres, a Liturgia e o Magistério da Igreja. Destina-se ele a servir "como um ponto de referência para os catecismos ou compêndios que são elaborados nos diversos países".
12) O presente Catecismo é destinado principalmente aos responsáveis pela catequese: em primeiro lugar aos Bispos, como doutores da fé e pastores da Igreja. É oferecido a eles como instrumento no cumprimento de seu ofício de ensinar o Povo de Deus. Por meio dos Bispos, ele se destina aos redatores de catecismos, aos presbíteros e aos catequistas. Será também útil para a leitura de todos os demais fiéis cristãos.
IV. A ESTRUTURA DESTE CATECISMO
13) O projeto deste Catecismo inspira-se na grande tradição dos catecismos que articulam a catequese em tomo de quatro "pilares": a profissão da fé batismal (o Símbolo), os sacramentos da fé, a vida de fé (os Mandamentos), a oração do crente (o "Pai-Nosso").
PARTE 1: A PROFISSÃO DA FÉ
14) Os que pela fé e pelo Batismo pertencem a Cristo devem confessar sua fé batismal diante dos homens. Por isso, o Catecismo começa por expor em que consiste a Revelação, pela qual Deus se dirige e se doa ao homem, bem como a fé, pela qual o homem responde a Deus (Seção 1). O Símbolo da fé resume os dons que Deus outorga ao homem como Autor de todo bem, como Redentor, como Santificador, e os articula em tomo dos "três capítulos" de nosso Batismo a fé em um só Deus: o Pai Todo-Poderoso, o Criador, Jesus Cristo, seu Filho, nosso Senhor e Salvador, e o Espírito Santo, na Santa Igreja (Seção II).
PARTE II: OS SACRAMENTOS DE FÉ
15) A segunda parte do Catecismo expõe como a salvação de Deus, realizada uma vez por todas por Cristo Jesus e pelo Espírito Santo, se toma presente nas ações sagradas da liturgia da Igreja (Seção 1), particularmente nos sete sacramentos (Seção II).
PARTE III: A VIDA DA FÉ
16) A terceira parte do Catecismo apresenta o fim último do homem, criado à imagem de Deus: a bem-aventurança e os caminhos para chegar a ela: mediante um agir reto e livre, com a ajuda da fé e da graça de Deus (Seção I), por meio de um agir que realiza o duplo mandamento da caridade, desdobrado nos dez Mandamentos de Deus (Seção II).
PARTE IV: A ORAÇÃO NA VIDA DA FÉ
17) A última parte do Catecismo trata do sentido e da importância da oração na vida dos crentes (Seção 1). Ela termina com um breve comentário sobre os setes pedidos da oração (Seção II), Com efeito, nesses sete pedidos encontramos o conjunto dos bens que devemos esperar e que nosso Pai celeste quer conceder-nos.
V. INDICAÇÕES PRÁTICAS PARA O USO DESTE CATECISMO
18) Este Catecismo foi pensado como uma exposição orgânica de toda a fé católica. Por isso é preciso lê-lo como uma unidade. Numerosas referências dentro do próprio texto, bem como o índice analítico no fim do volume permitem ver a ligação de cada tema com o conjunto da fé.
19) Muitas vezes os textos da Sagrada Escritura não são citados literalmente, mas são feitas apenas referências (mediante a indicação "cf."). Para uma compreensão mais aprofundada de tais passagens, é preciso consultar os próprios textos. Essas referências bíblicas constituem um instrumento de trabalho para a catequese.
20) Quando em certas passagens se usa corpo menor, graficamente isto indica que se trata de observações de tipo histórico, apologético, ou de exposições doutrinais complementares.
21) As citações, em corpo menor, de fontes patrísticas, litúrgicas, magisteriais ou hagiográficas são destinadas a enriquecer a exposição doutrinal. Com freqüência esses textos foram escolhidos para uso diretamente catequético.
22) No final de cada unidade temática, uma série de textos sucintos resumem em fórmulas condensadas o essencial do ensinam do ensinamento. Esses "resumindo" têm por objetivo oferecer sugestões a catequese local para fórmulas sintéticas e memorizáveis.
VI. AS ADAPTAÇÕES NECESSÁRIAS
23) Neste Catecismo a ênfase é posta na exposição doutrinal. Quer ele ajudar a aprofundar o conhecimento da fé. Por isso mesmo está orientado para o amadurecimento desta fé, para seu enraizamento na vida e sua irradiação no testemunho.
24) Por sua própria finalidade, este Catecismo não se propõe realizar as adaptações da exposição e dos métodos catequéticos exigidas pelas diferenças de culturas, de idades, de maturidade espiritual, de situações sociais e eclesiais daqueles a quem a catequese é dirigida. Tais adaptações indispensáveis cabem aos catecismos apropriados e mais ainda aos que ministram instrução aos fiéis:
Aquele que ensina deve "fazer-se tudo para todos" (1 Cor 9,22), a fim de conquistar todos para Jesus Cristo... Particularmente, não imagine ele que lhe é confiado um único tipo de almas, e que conseqüentemente lhe é permitido ensinar e formar de modo igual todos os fiéis à verdadeira piedade, com um só e mesmo método, sempre igual! Saiba ele bem que uns são em Jesus Cristo como que criancinhas recém-nascidas, outros, como que adolescentes, e finalmente alguns estão como que na posse de todas as suas forças... Os que são chamados ao ministério da pregação devem, na transmissão dos mistérios da fé e das regras dos costumes, adaptar suas palavras ao espírito e à inteligência de seus ouvintes.
ACIMA DE TUDO A CARIDADE
25) Para concluir este Prólogo, é oportuno lembrar este princípio pastoral enunciado pelo Catecismo Romano:
Toda a finalidade da doutrina e do ensinamento deve ser posta no amor que não acaba. Com efeito, pode-se facilmente expor o que é preciso crer, esperar ou fazer; mas sobretudo é preciso fazer sempre com que apareça o Amor de Nosso Senhor, para que cada um compreenda que cada ato de virtude perfeitamente cristão não tem outra origem senão o Amor, e outro fim senão o Amor.
PRIMEIRA PARTE - A PROFISSÃO DE FÉ
PRIMEIRA SEÇÃO
"EU CREIO" - "NÓS CREMOS"
26 Quando professamos nossa fé, começamos dizendo: "Eu creio" ou "Nós cremos". Por isso, antes de expor a fé da Igreja tal como é confessada no Credo, celebrada na Liturgia, vivida na prática dos Mandamentos e na oração, perguntamo-nos o que significa "crer". A fé é a resposta do homem a Deus que se revela e a ele se doa, trazendo ao mesmo tempo uma luz superabundante ao homem em busca do sentido último de sua vida. Por isso vamos considerar primeiro esta busca do homem (capitulo 1), em seguida a Revelação divina, pela qual Deus se apresenta ao homem (capítulo II), e finalmente a resposta da fé (capítulo III).
CAPÍTULO I
O HOMEM É "CAPAZ” DE DEUS
I - O DESEJO DE DEUS
27 O desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar:
O aspecto mais sublime da dignidade humana está nesta vocação do homem à comunhão com Deus. Este convite que Deus dirige ao homem, de dialogar com ele, começa com a existência humana. Pois se o homem existe, é porque Deus o criou por amor e, por amor, não cessa de dar-lhe o ser, e o homem só vive plenamente, segundo a verdade, se reconhecer livremente este amor e se entregar ao seu Criador.
28 Em sua história, e até os dias de hoje, os homens têm expressado de múltiplas maneiras sua busca de Deus por meio de suas crenças e de seus comportamentos religiosos (orações, sacrifícios, cultos, meditações etc.). Apesar das ambigüidades que podem comportar, estas formas de expressão são tão universais que o homem pode ser chamado de um ser religioso:
De um só (homem), Deus fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, fixando os tempos anteriormente determinados e os limites de seu hábitat. Tudo isto para que procurassem a divindade e, mesmo se às apalpadelas, se esforçassem por encontrá-la, embora Ele não esteja longe de cada um de nós. Pois nele vivemos, nos movemos e existimos (At 17,23-28).
29 Mas esta "união íntima e vital com Deus" pode ser esquecida, ignorada e até rejeitada explicitamente pelo homem. Tais atitudes podem ter origens muito diversas: a revolta contra o mal no mundo, a ignorância ou a indiferença religiosas, as preocupações com as coisas do mundo e com as riquezas, o mau exemplo dos crentes, as correntes de pensamento hostis à religião, e finalmente essa atitude do homem pecador que, por medo, se esconde diante de Deus e foge diante de seu chamado.
30 "Alegre-se o coração dos que buscam o Senhor!" (Sl 105,3). Se o homem pode esquecer ou rejeitar a Deus, este, de sua parte, não cessa de chamar todo homem a procurá-lo, para que viva e encontre a felicidade. Mas esta busca exige do homem todo o esforço de sua inteligência, a retidão de sua vontade, "um coração reto", e também o testemunho dos outros, que o ensinam a procurar a Deus.
Vós sois grande, Senhor, e altamente digno de louvor: grande é o vosso poder, e a vossa sabedoria não tem medida. E o homem, pequena parcela de vossa criação, pretende louvar-vos, precisamente o homem que, revestido de sua condição mortal, traz em si o testemunho de seu pecado e de que resistis aos soberbos. A despeito de tudo, o homem, pequena parcela de vossa criação, quer louvar-vos. Vós mesmo o incitais a isto, fazendo com que ele encontre suas delícias no vosso louvor, porque nos fizestes para vós e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em vós.
II. AS VIAS DE ACESSO AO CONHECIMENTO DE DEUS
31 Criado à imagem de Deus, chamado a conhecer e a amar a Deus, o homem que procura a Deus descobre certas "vias" para aceder ao conhecimento de Deus. Chamamo-las também de "provas da existência de Deus", não no sentido das provas que as ciências naturais buscam, mas no sentido de "argumentos convergentes e convincentes" que permitem chegar a verdadeiras certezas.
Estas "vias" para chegar a Deus têm como ponto de partida a criação: o mundo material e a pessoa humana.
32 O mundo: a partir do movimento e do devir, da contingência, da ordem e da beleza do mundo, pode-se conhecer a Deus como origem e fim do universo.
São Paulo afirma a respeito dos pagãos: "O que se pode conhecer de Deus é manifesto entre eles, pois Deus lho revelou. Sua realidade invisível - seu eterno poder e sua divindade - tornou-se inteligível desde a criação do mundo através das criaturas" (Rm 1,19-20).
E Santo Agostinho: "Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar, interroga a beleza do ar que se dilata e se difunde, interroga a beleza do céu... interroga todas estas realidades. Todas elas te respondem: olha-nos, somos belas. Sua beleza é um hino de louvor (confessio). Essas belezas sujeitas à mudança, quem as fez senão o Belo (Pulcher, pronuncie "púlquer"), não sujeito à mudança?"
33 O homem: Com sua abertura à verdade e à beleza, com seu senso do bem moral, com sua liberdade e a voz de sua consciência, com sua aspiração ao infinito e à felicidade, o homem se interroga sobre a existência de Deus. Mediante tudo isso percebe sinais de sua alma espiritual. Como "semente de eternidade que leva dentro de si, irredutível à só matéria" sua alma não pode ter origem senão em Deus.
34 O [fca15] mundo e o homem atestam que não têm em si mesmo nem seu princípio primeiro nem seu fim último, mas que participam do Ser em si, que é sem origem e sem fim. Assim por estas diversas "vias", o homem pode aceder ao conhecimento da existência de uma realidade que é a causa primeira e o fim último de tudo, "e que todos chamam Deus"
35 As faculdades do homem o tomam capaz de conhecer a existência de um Deus pessoal. Mas, para que o homem possa entrar em sua intimidade, Deus quis revelar-se ao homem e dar-lhe a graça de poder acolher esta revelação na fé. Contudo, as provas da existência de Deus podem dispor à fé e ajudar a ver que a fé não se opõe à razão humana.
III. O CONHECIMENTO DE DEUS SEGUNDO A IGREJA
36 "A santa Igreja, nossa mãe, sustenta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana a partir das coisas criadas”. Sem esta capacidade, o homem não poderia acolher a revelação de Deus. O homem tem esta capacidade por ser criado "à imagem de Deus[fca20] ”.
37 Todavia, nas condições históricas em que se encontra, o homem enfrenta muitas dificuldades para conhecer a Deus apenas com a luz de sua razão:
"Pois, embora a razão humana, absolutamente falando, possa chegar com suas forças e lume naturais ao conhecimento verdadeiro e certo de um Deus pessoal, que governa e protege o mundo com sua Providência, bem como chegar ao conhecimento da lei natural impressa pelo Criador em nossas almas, de fato, muitos são os obstáculos que impedem a mesma razão de usar eficazmente e com resultado desta sua capacidade natural.
As verdades que se referem a Deus e às relações entre os homens e Deus são verdades que transcendem completamente a ordem das coisas sensíveis e quando estas verdades atingem a vida prática e a regem, requerem sacrifício e abnegação. A inteligência humana, na aquisição destas verdades, encontra dificuldades tanto por parte dos sentidos e da imaginação como por parte das más inclinações, provenientes do pecado original. Donde vemos que os homens em tais questões, facilmente procuram persuadir-se de que seja falso ou ao menos duvidoso aquilo que não desejam que seja verdadeiro"
38 Por isso, O homem tem necessidade de ser iluminado pela revelação de Deus, não somente sobre o que ultrapassa seu entendimento, mas também sobre "as verdades religiosas e morais que, de per si, não são inacessíveis à razão, a fim de que estas no estado atual do gênero humano possam ser conhecidas por todos sem dificuldade, com uma certeza firme e sem mistura de erro”
IV. COMO FALAR DE DEUS?
39 Ao defender a capacidade da razão humana de conhecer a Deus, a Igreja exprime sua confiança na possibilidade de falar de Deus a todos os homens e com todos os homens. Esta convicção esta na base de seu diálogo com as outras religiões, com a filosofia e com as ciências, como também com Os não-crentes e os ateus.
40 Uma vez que nosso conhecimento de Deus é limitado, também limitada é nossa linguagem sobre Deus. Só podemos falar de Deus a partir das criaturas e segundo nosso modo humano limitado de conhecer e de pensar.
41 As criaturas, todas elas, trazem em si certa semelhança com Deus, muito particularmente o homem criado à imagem e a semelhança de Deus. Por isso as múltiplas perfeições das criaturas (sua verdade, bondade e beleza) refletem a perfeição infinita de Deus. Em razão disso podemos falar de Deus a partir das perfeições de suas criaturas, "pois a grandeza e a beleza das criaturas fazem, por analogia,
contemplar seu Autor" (Sb 13,5).
42 Deus transcende a toda criatura. Por isso, é preciso incessantemente purificar nossa linguagem daquilo que possui de limitado, de proveniente de pura imaginação, de imperfeito, para não confundirmos o Deus "inefável, incompreensível, invisível, inatingível” com as nossas representações humanas. Nossas palavras humanas permanecem sempre aquém do Mistério de Deus.
43 Assim falando de Deus, nossa linguagem se exprime, sem dúvida, de maneira humana, mas ela atinge realmente O próprio Deus, ainda que sem poder exprimi-lo em sua infinita simplicidade. Com efeito, é preciso lembrar que "entre o Criador e a criatura não se pode notar uma semelhança, sem que se deva notar entre eles uma ainda maior dessemelhança”, e que "não podemos apreender de Deus o que ele é, mas apenas O que ele não é e de que maneira os outros seres se situam em relação a ele.
RESUMINDO
44 O homem é, por natureza e por vocação, um ser religioso. Porque provém de Deus e para Ele caminha, o homem só vive uma vida plenamente humana se viver livremente sua relação com Deus.
45 O homem é feito para viver em comunhão com Deus, no qual encontra sua felicidade: "Quando eu estiver inteiramente em Vós, nunca mais haverá dor e provação; repleta de Vós por inteiro, minha vida será verdadeira"
46 Quando escuta a mensagem das criaturas e a voz de sua consciência, o homem pode atingir a certeza da existência de Deus, causa e fim de tudo.
47 A Igreja ensina que o Deus único e verdadeiro, nosso Criador e Senhor, pode ser conhecido com certeza por meio de suas obras graças à luz natural da razão humana.
48 Podemos realmente falar de Deus partindo das múltiplas perfeições das criaturas, semelhanças do Deus infinitamente perfeito, ainda que nossa linguagem limitada não esgote seu mistério.
49 "Sem o Criador, a criatura se esvai”. Eis por que os crentes sabem que são impelidos pelo amor de Cristo a levar a luz do Deus vivo àqueles que o desconhecem ou o recusam.
CAPÍTULO II
DEUS VEM AO ENCONTRO DO HOMEM
50 Mediante a razão natural, o homem pode conhecer a Deus com certeza a partir de suas obras. as existe outra ordem de conhecimento que O homem de modo algum pode atingir por suas próprias forças, a da Revelação divina. Por uma decisão totalmente livre, Deus se revela e se doa ao homem. Fá-lo revelando seu mistério, seu projeto benevolente, que concebeu desde toda a eternidade em Cristo em prol de todos os homens. Revela plenamente seu projeto enviando seu Filho bem-amado, nosso Senhor Jesus Cristo, e o Espírito Santo
ARTIGO 1 - A REVELAÇÃO DE DEUS
I. DEUS REVELA SEU "PROJETO BENEVOLENTE"
51 "Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e tomar conhecido o mistério de sua vontade, pelo qual os homens, por intermédio de Cristo, Verbo feito carne, no Espírito Santo, têm acesso ao Pai e se tomam participantes da natureza divina[fca4] ".
52 Deus, que "habita uma luz inacessível" (1 Tm 6,16), quer comunicar sua própria vida divina aos homens, criados livremente por ele, para fazer deles, no seu Filho único, filhos adotivos. Ao revelar-se, Deus quer tornar os homens capazes de responder-lhe, de conhecê-lo e de amá-lo bem além do que seriam capazes por si mesmos.
53 O projeto divino da Revelação realiza-se ao mesmo tempo "por ações e por palavras, intimamente ligadas entre si e que se iluminam mutuamente". Este projeto comporta uma "pedagogia divina" peculiar: Deus comunica-se gradualmente com o homem, prepara-o por etapas a acolher a Revelação sobrenatural que faz de si mesmo e que vai culminar na Pessoa e na missão do Verbo encarnado, Jesus Cristo.
São Irineu de Lião fala repetidas vezes desta pedagogia divina sob a imagem da familiaridade mútua entre Deus e o homem: "O Verbo de Deus habitou no homem e fez-se Filho do homem para acostumar o homem a apreender a Deus e acostumar Deus a habitar no homem, segundo o beneplácito do Pai"
II. AS ETAPAS DA REVELAÇÃO
DESDE A ORIGEM, DEUS SE DÁ A CONHECER
54 "Criando pelo Verbo o universo e conservando-o, Deus proporciona aos homens, nas coisas criadas, um permanente testemunho de si e, além disso, no intuito de abrir o caminho de uma salvação superior, manifestou-se a si mesmo, desde os primórdios, a nossos primeiros pais." Convidou-os a uma comunhão íntima consigo mesmo, revestindo-os de uma graça e de uma justiça resplandecentes.
55 Esta Revelação não foi interrompida pelo pecado de nossos primeiros pais. Deus, com efeito, "após a queda destes, com a prometida redenção, alentou-os a esperar uma salvação e velou permanentemente pelo gênero humano, a fim de dar a vida eterna a todos aqueles que, pela perseverança na prática do bem, procuram a salvação[fca12] ”
E quando pela desobediência perderam vossa amizade, não os abandonastes ao poder da morte. (...) Oferecestes muitas vezes aliança aos homens e às mulheres.
A ALIANÇA COM NOÉ
56 Desfeita a unidade do gênero humano pelo pecado, Deus procura antes de tudo salvar a humanidade passando por cada uma de suas partes. A Aliança com Noé depois do dilúvio exprime o
princípio da Economia divina para com as "nações", isto é, para com os homens agrupados "segundo seus países, cada um segundo sua língua, e segundo seus clãs" (Gn 10.5)
57 Esta ordem ao mesmo tempo cósmica, social e religiosa da pluralidade das nações destina-se a limitar o orgulho de uma humanidade decaída que unânime em sua perversidade, gostaria de construir por si mesma sua unidade à maneira de Babel[fca17] . Contudo, devido ao pecado, o politeísmo, assim como a idolatria da nação e de seu chefe, constitui uma contínua ameaça de perversão pagã para essa Economia provisória.
58 A Aliança com Noé permanece em vigor durante todo o tempo das nações[fca20] , até a proclamação universal do Evangelho. A Bíblia venera algumas grandes figuras das "nações", tais como "Abel, o justo", o rei-sacerdote Melquisedeque, figura de Cristo, ou os justos "Noé, Daniel e Jó[fca23] ". Assim, a Escritura exprime que grau elevado de santidade podem atingir os que vivem segundo a Aliança de Noé, na expectativa de que Cristo "congregue na unidade todos os filhos de Deus dispersos" (Jo 11,52).
DEUS ELEGE ABRAÃO
59 Para [fca24] congregar a humanidade dispersa, Deus elegeu Abrão, chamando-o "para fora de seu país, de sua parentela e de sua casa" (Gn 12,1), para fazer dele "Abraão", isto é, "o pai de uma multidão de nações" (Gn 17,5): "Em ti serão abençoadas todas as nações da terra" (Gn 12,3[fca25] ).
60 O povo originado de Abraão será o depositário da promessa feita aos patriarcas, o povo da eleição, chamado a preparar o congraçamento, um dia, de todos os filhos de Deus na unidade da Igreja; será a raiz sobre a qual serão enxertados os pagãos tornados crentes.
61 Os patriarcas e os profetas, bem como outras personalidades do Antigo Testamento, foram e serão sempre venerados como santos em todas as tradições litúrgicas da Igreja.
DEUS FORMA SEU POVO ISRAEL
62 Depois dos patriarcas, Deus formou Israel como seu povo, salvando-o da escravidão do Egito. Fez com ele a Aliança do Sinal e deu-lhe, por intermédio de Moisés, a sua Lei, para que o reconhecesse e o servisse como o único Deus vivo e verdadeiro, Pai providente e juiz justo, e para que esperasse o Salvador prometido.
63 Israel é o Povo sacerdotal de Deus, aquele que "traz o Nome do Senhor" (Dt 28,10). É o povo daqueles "aos quais Deus falou em primeiro lugar[fca34] ", o povo dos "irmãos mais velhos" da fé de Abraão.
64 Por meio dos profetas, Deus forma seu povo na esperança da salvação, na expectativa de uma Aliança nova e eterna destinada a todos os homens[fca37] , e que será impressa nos corações. Os profetas anunciam uma redenção radical do Povo de Deus, a purificação de todas as suas infidelidades, uma salvação que incluirá todas as nações. Serão sobretudo os pobres e os humildes do Senhor os portadores desta esperança. As mulheres santas como Sara, Rebeca, Raquel, Míriam, Débora, Ana, Judite e Ester mantiveram viva a esperança da salvação de Israel. Delas todas, a figura mais pura é a de Maria.
III. CRISTO JESUS "MEDIADOR E PLENITUDE DE TODA A REVELAÇÃO"
DEUS TUDO DISSE NO SEU VERBO
65 "Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos pais pelos profetas; agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho" (Hb 1,1-2). Cristo, o Filho de Deus feito homem, é a Palavra única, perfeita e insuperável do Pai. Nele o Pai disse tudo, e não há outra palavra senão esta. São João da Cruz, depois de tantos outros, exprime isto de maneira luminosa, comentando Hb 1,1-2:
Porque em dar-nos, como nos deu, seu Filho, que é sua Palavra única (e outra não há), tudo nos falou de uma só vez nessa única Palavra, e nada mais tem a falar, (...) pois o que antes falava por partes aos profetas agora nos revelou inteiramente, dando-nos o Tudo que é seu Filho. Se atualmente, portanto, alguém
quisesse interrogar a Deus, pedindo-lhe alguma visão ou revelação, não só cairia numa insensatez, mas ofenderia muito a Deus por não dirigir os olhares unicamente para Cristo sem querer outra coisa ou novidade alguma.
NÃO HAVERÁ OUTRA REVELAÇÃO
66 "A Economia cristã, portanto, como aliança nova e definitiva, jamais passará, e já não há que esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo". Todavia, embora a Revelação esteja terminada, não está explicitada por completo; caberá à fé cristã captar gradualmente todo o seu alcance ao longo dos séculos.
67 No decurso dos séculos houve revelações denominadas "privadas", e algumas delas têm sido reconhecidas pela autoridade da Igreja. Elas não pertencem, contudo, ao depósito da fé. A função delas não é "melhorar" ou "completar" a Revelação [fca49] definitiva de Cristo, mas ajudar a viver dela com mais plenitude em determinada época da história. Guiado pelo Magistério da Igreja, o senso dos fiéis sabe discernir e acolher o que nessas revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou de seus santos à Igreja.
A fé cristã não pode aceitar "revelações" que pretendam ultrapassar ou corrigir a Revelação da qual Cristo é a perfeição. Este é o caso de certas religiões não-cristãs e também de certas seitas recentes que se fundamentam em tais "revelações”.
RESUMINDO
68 Por amor, Deus revelou-se e doou-se ao homem. Traz assim uma resposta definitiva e superabundante às questões que o homem se faz acerca do sentido e do objetivo de sua vida.
69 Deus revelou-se ao homem, comunicando-lhe gradualmente seu próprio Mistério por meio de ações e de palavras.
70 Para além do testemunho que Deus dá de si mesmo nas coisas criadas, ele manifestou-se pessoalmente aos nossos primeiros pais. Falou-lhes e, depois da queda, prometeu-lhes a salvação e ofereceu-lhes sua aliança.
71 Deus fez com Noé uma aliança eterna entre Ele e todos os seres vivos[fca51] . Esta há de durar enquanto durar o mundo.
72 Deus escolheu Abraão e fez uma aliança com ele e sua descendência. Daí formou seu povo, ao qual revelou sua lei por intermédio de Moisés. Pelos profetas preparou este povo a acolher a salvação destinada à humanidade inteira.
73 Deus revelou-se plenamente enviando seu próprio Filho, no qual estabeleceu sua Aliança para sempre. O Filho é a Palavra definitiva do Pai, de sorte que depois dele não haverá outra Revelação.
ARTIGO 2
A TRANSMISSÃO DA REVELAÇÃO DIVINA
74 Deus "quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade" (1Tm 2,4), isto é, de Jesus Cristo[fca1] . É preciso, pois, que Cristo seja anunciado a todos os povos e a todos os homens, e que desta forma a Revelação chegue até as extremidades do mundo:
Deus dispôs com suma benignidade que aquelas coisas que revelara para a salvação de todos os povos permanecessem sempre íntegras e fossem transmitidas a todas as gerações.
1. A TRADIÇÃO APOSTÓLICA
75 "Cristo Senhor, em quem se consuma a revelação do Sumo Deus, ordenou aos Apóstolos que o Evangelho, prometido antes pelos profetas, completado por ele e por sua própria boca promulgado, fosse
por eles pregado a todos os homens como fonte de toda a verdade salvífica e de toda a disciplina de costumes, comunicando-lhes os dons divinos."
A PREGAÇÃO APOSTÓLICA...
76 A transmissão do Evangelho, segundo a ordem do Senhor, fez-se de duas maneiras:
ü oralmente - "pelos apóstolos, que na pregação oral, por exemplos e instituições, transmitiram aquelas coisas que ou receberam das palavras, da convivência e das obras de Cristo ou aprenderam das sugestões do Espírito Santo";
ü por escrito - "como também por aqueles apóstolos e varões apostólicos que, sob inspiração do mesmo Espírito Santo, puseram por escrito a mensagem da salvação[fca6] "
...CONTINUADA NA SUCESSÃO APOSTÓLICA
77 "Para que o Evangelho sempre se conservasse inalterado e vivo na Igreja, os apóstolos deixaram como sucessores os bispos, a eles 'transmitindo seu próprio encargo de Magistério." Com efeito, "a pregação apostólica, que é expressa de modo especial nos livros inspirados, devia conservar-se por uma sucessão contínua até a consumação dos tempos".
78 Esta transmissão viva, realizada no Espírito Santo, é chamada de Tradição enquanto distinta da Sagrada Escritura, embora intimamente ligada a ela. Por meio da Tradição, "a Igreja, em sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que crê". "O ensinamento dos Santos Padres testemunha a presença vivificante desta Tradição, cujas riquezas se transfundem na praxe e na vida da Igreja crente e orante."
79 Assim, a comunicação que o Pai fez de si mesmo por seu Verbo no Espírito Santo permanece presente e atuante na Igreja: "O Deus que outrora falou mantém um permanente diálogo com a esposa de seu dileto Filho, e o Espírito Santo, pelo qual a voz viva do Evangelho ressoa na Igreja e através dela no mundo, leva os crentes à verdade toda e faz habitar neles abundantemente a palavra de Cristo"
II. A RELAÇÃO ENTRE A TRADIÇÃO E A SAGRADA ESCRITURA
UMA FONTE COMUM...
80 "Elas estão entre si estreitamente unidas e comunicantes. Pois, promanando ambas da mesma fonte divina, formam de certo modo um só todo e tendem para o mesmo fim." Tanto uma como outra tornam presente e fecundo na Igreja o mistério de Cristo, que prometeu permanecer com os seus "todos os dias, até a consumação dos séculos" (Mt 28,20).
DUAS MODALIDADES DISTINTAS DE TRANSMISSÃO
81 "A SAGRADA ESCRITURA É A PALAVRA DE DEUS ENQUANTO REDIGIDA SOB A MOÇÃO DO ESPÍRITO SANTO".
Quanto à Sagrada Tradição, ela "transmite integralmente aos sucessores dos apóstolos a Palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos apóstolos para que, sob a luz do Espírito de verdade, eles, por sua pregação, fielmente a conservem, exponham e difundam".
82 Dai resulta que a Igreja, à qual estão confiadas a transmissão e a interpretação da Revelação, "não deriva a sua certeza a respeito de tudo o que foi revelado somente da Sagrada Escritura. Por isso, ambas devem ser aceitas e veneradas com igual sentimento de piedade e reverência"
TRADIÇÃO APOSTÓLICA E TRADIÇÕES ECLESIAIS
83 A Tradição da qual aqui falamos é a que vem dos apóstolos e transmite o que estes receberam do ensinamento e do exemplo de Jesus e o que receberam por meio do Espírito Santo Com efeito, a primeira geração de cristãos ainda não dispunha de um Novo Testamento escrito, e o próprio Novo Testamento atesta o processo da Tradição viva.
Dela é preciso distinguir as "tradições" teológicas, disciplinares, litúrgicas ou devocionais surgidas ao longo do tempo nas Igrejas locais. Constituem elas formas particulares sob as quais a grande Tradição recebe expressões adaptadas aos diversos lugares e às diversas épocas. É à luz da grande Tradição que estas podem ser mantidas, modificadas ou mesmo abandonadas, sob a guia do Magistério da Igreja.
III. A INTERPRETAÇÃO DO DEPÓSITO DA FÉ
O DEPÓSITO DA FÉ CONFIADO À TOTALIDADE DA IGREJA
84 "O patrimônio sagrado" da fé ("depositum fidei"), contido na Sagrada Tradição e na Sagrada Escritura, foi confiado pelos apóstolos à totalidade da Igreja. "Apegando-se firmemente ao mesmo, o povo santo todo, unido a seus Pastores, persevera continuamente na doutrina dos apóstolos e na comunhão, na fração do pão e nas orações, de sorte que na conservação, no exercício e na profissão da fé transmitida se crie uma singular unidade de espírito entre os bispos e os fiéis."
O MAGISTÉRIO DA IGREJA
85 "O ofício de interpretar autenticamente a Palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiado unicamente ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade se exerce em nome de Jesus Cristo", isto é, foi confiado aos bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma.
86"Todavia, tal Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas a serviço dela, não ensinando senão o que foi transmitido, no sentido de que, por mandato divino, com a assistência do Espírito Santo, piamente ausculta aquela palavra, santamente a guarda e fielmente a expõe, e deste único depósito de fé tira o que nos propõe para ser crido como divinamente revelado."
87 Os fiéis, lembrando-se da palavra de Cristo a seus apóstolos: "Quem vos ouve a mim ouve" (Lc 10,16[fca25] ), recebem com docilidade os ensinamentos e as diretrizes que seus Pastores lhes dão sob diferentes formas.
OS DOGMAS DA FÉ
88 O Magistério da Igreja empenha plenamente a autoridade que recebeu de Cristo quando define dogmas, isto é, quando, utilizando uma forma que obriga o povo cristão a uma adesão irrevogável de fé, propõe verdades contidas na Revelação divina ou verdades que com estas têm uma conexão necessária.
89 Há uma conexão orgânica entre nossa vida espiritual e os dogmas. Os dogmas são luzes no caminho de nossa fé que o iluminam e tornam seguro. Na verdade, se nossa vida for reta, nossa inteligência e nosso coração estarão abertos para acolher a luz dos dogmas da fé.
90 Os laços mútuos e a coerência dos dogmas podem ser encontrados no conjunto da Revelação do Mistério de Cristo. "Existe uma ordem ou 'hierarquia' das verdades da doutrina católica, já que o nexo delas com o fundamento da fé cristã é diferente[fca31] ."
SENSO SOBRENATURAL DA FÉ
91 Todos os fiéis participam da compreensão e da transmissão da verdade revelada. Receberam a unção do Espírito Santo, que os instrui e os conduz à verdade em sua totalidade.
92 "O conjunto dos fiéis... não pode enganar-se no ato de fé. E manifesta esta sua peculiar piedade mediante o senso sobrenatural da fé de todo o povo, quando, 'desde os bispos até o último dos fiéis leigos', apresenta um consenso universal sobre questões de fé e costumes."
93 "Por este senso da fé, excitado e sustentado pelo Espírito da verdade, o Povo de Deus, sob a direção do sagrado Magistério, (...) adere indefectivelmente à fé 'uma vez para sempre transmitida aos santos'; e, com reto juízo, penetra-a mais profundamente e na sua vida a coloca mais perfeitamente em obra."
O CRESCIMENTO NA COMPREENSÃO DA FÉ
94 Graças à assistência do Espírito Santo, a compreensão tanto das realidades como das palavras do depósito da fé pode crescer na vida da Igreja:
"Pela contemplação e estudo dos que crêem, os quais as meditam em seu coração", é em especial "a pesquisa teológica que aprofunda o conhecimento da verdade revelada".
"Pela íntima compreensão que os fiéis desfrutam das coisas espirituais[fca43] "; "Divina eloquia cum legente crescunt as palavras divinas crescem com o leitor[fca44] ".
"Pela pregação daqueles que, com a sucessão episcopal, receberam o carisma seguro da verdade."
95 "Fica, portanto, claro que segundo o sapientíssimo plano divino, a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja estão de tal modo entrelaçados e unidos que um não tem consistência sem os outros, e que juntos, cada qual a seu modo, sob a ação do mesmo Espírito Santo, contribuem eficazmente para a salvação das almas."
RESUMINDO
96 O que Cristo confiou aos apóstolos, estes o transmitiram por sua pregação e por escrito, sob a inspiração do Espírito Santo, a todas as gerações, até a volta gloriosa de Cristo.
97 "A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só sagrado depósito da Palavra de Deus”, no qual, como em um espelho, a Igreja peregrinante contempla a Deus, fonte de todas as suas riquezas.
98 "Em sua doutrina, vida e culto, a Igreja perpetua e transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que crê.
99 Graças a seu senso sobrenatural da fé, o Povo de Deus inteiro não cessa de acolher o dom da Revelação divina, de penetrá-lo mais profundamente e viver dele com mais plenitude.
100 O encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus foi confiado exclusivamente ao Magistério da Igreja, ao Papa e aos bispos em comunhão com ele.
ARTIGO 3 - A SAGRADA ESCRITURA
I. CRISTO - PALAVRA ÚNICA DA SAGRADA ESCRITURA
101 Na condescendência de sua bondade, Deus, para revelar-se aos homens, fala-lhes em palavras humanas: Com efeito, as palavras de Deus, expressas por línguas humanas, fizeram-se semelhantes à linguagem humana, tal como outrora o Verbo do Pai Eterno, havendo assumido a carne da fraqueza humana, se fez semelhante aos homens".
102 Por meio de todas as palavras da Sagrada Escritura, Deus pronuncia uma só Palavra, seu Verbo único, no qual se expressa por inteiro:
"Lembrai-vos que é uma mesma a Palavra de Deus que está presente em todas as Escrituras, que é um mesmo Verbo que ressoa na boca de todos os escritores sagrados; ele que, sendo no início Deus junto de Deus, não tem necessidade de sílabas, por não estar submetido ao tempo.”
103 Por este motivo, a Igreja sempre venerou as divinas Escrituras, como venera também o Corpo do Senhor. Ela não cessa de apresentar aos fiéis o Pão da vida tomado da Mesa da Palavra de Deus e do Corpo de Cristo.
104 Na Sagrada Escritura, a Igreja encontra incessantemente seu alimento e sua força[fca8] , pois nela não acolhe somente uma palavra humana, mas o que ela é realmente: a Palavra de Deus “Com efeito, nos Livros Sagrados o Pai que está nos céus vem carinhosamente ao encontro de seus filhos e com eles fala”.
II. INSPIRAÇÃO E VERDADE DA SAGRADA ESCRITURA
105 Deus é o autor da Sagrada Escritura. "As coisas divinamente reveladas, que se encerram por escrito e se manifestam na Sagrada Escritura, foram consignadas sob inspiração do Espírito Santo"
"A santa Mãe Igreja, segundo a fé apostólica, tem como sagrados e canônicos os livros completos tanto do Antigo como do Novo Testamento, com todas as suas partes, porque, escritos sob a inspiração do Espírito Santo, eles têm Deus como autor e nesta sua qualidade foram confiados à própria Igreja."
106 Deus inspirou os autores humanos dos livros sagrados.. "Na redação dos livros sagrados, Deus escolheu homens, dos quais se serviu fazendo-os usar suas próprias faculdades e capacidades, a fim de que, agindo ele próprio neles e por meio deles, escrevessem, como verdadeiros autores, tudo e só aquilo que ele próprio queria."
107 Os livros inspirados ensinam a verdade. "Portanto, já que tudo o que os autores inspirados (ou hagiógrafos) afirmam deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, deve-se professar que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro a verdade que Deus em vista de nossa salvação quis fosse consignada nas Sagradas Escrituras."
108 Todavia, a fé cristã não é uma "religião do Livro". O Cristianismo é a religião da "Palavra" de Deus, "não de uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo". Para que as Escrituras não permaneçam letra morta, é preciso que Cristo, Palavra eterna de Deus vivo, pelo Espírito Santo nos "abra o espírito à compreensão das Escrituras".
III. O ESPÍRITO SANTO, INTÉRPRETE DA ESCRITURA
109 Na Sagrada Escritura, Deus fala ao homem à maneira dos homens. Para bem interpretar a Escritura é preciso, portanto, estar atento àquilo que os autores humanos quiseram realmente afirmar e àquilo que Deus quis manifestar-nos pelas palavras deles.
110 Para descobrir a intenção dos autores sagrados, há que levar em conta as condições da época e da cultura deles, os "gêneros literários" em uso naquele tempo, os modos, então correntes, de sentir, falar e narrar. “Pois a verdade é apresentada e expressa de maneiras diferentes nos textos que são de vários modos históricos ou proféticos ou poéticos, ou nos demais gêneros de expressão."
111 Mas, já que a Sagrada Escritura é inspirada, há outro princípio da interpretação correta, não menos importante que o anterior, e sem o qual a Escritura permaneceria letra morta: "A Sagrada Escritura deve também ser lida e interpretada com a ajuda daquele mesmo Espírito em que foi escrita". O Concílio Vaticano II indica três critérios para uma interpretação da Escritura conforme o Espírito que a inspirou
112 1. Prestar muita atenção "ao conteúdo e à unidade da Escritura inteira". Pois, por mais diferentes que sejam os livros que a compõem, a Escritura é una em razão da unidade do projeto de Deus, do qual Cristo Jesus é o centro e o coração, aberto depois de sua Páscoa.
O coração de Cristo designa a Sagrada Escritura, que dá a conhecer o coração de Cristo. O coração estava fechado antes da Paixão, pois a Escritura era obscura. Mas a Escritura foi aberta após a Paixão, pois os que a partir daí têm a compreensão dela consideram e discernem de que maneira as profecias devem ser interpretadas.
113 2. Ler a Escritura dentro "da Tradição viva da Igreja inteira". Consoante um adágio dos Padres, "Sacra Scriptura principalius est in corde Ecclesiae quam in materialibus instrumentis scripta a sagrada Escritura está escrita mais no coração da Igreja do que nos instrumentos materiais. Com efeito, a Igreja leva
em sua Tradição a memória viva da Palavra de Deus, e é o Espírito Santo que lhe dá a interpretação espiritual da Escritura ("...segundo o sentido espiritual que o Espírito dá à Igreja.
114 3. Estar atento "a anagogia da fé " Por "anagogia da fé" entendemos a coesão das verdades da fé entre si e no projeto total da Revelação.
Os SENTIDOS DA ESCRITURA
115 Segundo uma antiga tradição, podemos distinguir dois sentidos da Escritura: o sentido literal e o sentido espiritual, sendo este último subdividido em sentido alegórico, moral e analógico. A concordância profunda entre os quatro sentidos garante toda a sua riqueza à leitura viva da Escritura na Igreja.
116 O sentido literal. É o sentido significado pelas palavras da Escritura e descoberto pela exegese que segue as regras da correta interpretação. "Omnes sensus fundantur super litteralem - Todos os sentidos (da Sagrada Escritura) devem estar fundados no literal”.
117 O sentido espiritual. Graças à unidade do projeto de Deus, não somente o texto da Escritura, mas também as realidades e os acontecimentos de que ele fala, podem ser sinais.
1. O sentido alegórico. Podemos adquirir uma compreensão mais profunda dos acontecimentos reconhecendo a significação deles em Cristo; assim, a travessia do Mar Vermelho é um sinal da vitória de Cristo, e também do Batismo.
2. O sentido moral. Os acontecimentos relatados na Escritura devem conduzir-nos a um justo agir. Eles foram escritos "para nossa instrução" (1Cor 10,11)
3. O sentido anagógico. Podemos ver realidades e acontecimentos em sua significação eterna, conduzindo-nos (em grego: "anagogé"; pronuncie "anagogué") à nossa Pátria. Assim, a Igreja na terra é sinal da Jerusalém celeste.
118 Um dístico medieval resume a significação dos quatro sentidos:
Littera gesta docei, quid credas allegoria, moralis quid agas, quo tendas anagogia.
A letra ensina o que aconteceu; a alegoria, o que deves crer; a moral, o que deves fazer; a anagogia, para onde deves caminhar.
119 "É dever dos exegetas esforçar-se, dentro dessas diretrizes, por entender e expor com maior aprofundamento o sentido da Sagrada Escritura, a fim de que, por seu trabalho como que preparatório, amadureça o julgamento da Igreja. Pois todas estas coisas que concernem à maneira de interpretar a Escritura estão sujeitas, em última instância, ao juízo da Igreja, que exerce o divino ministério e mandato do guardar e interpretar a Palavra de Deus"
Ego vero Evangelio non crederem, nisi me catholicae Ecclesiae commoveret auctoritas. Eu não creria no Evangelho, se a isto não me levasse a autoridade da Igreja católica"
IV O CÂNON DAS ESCRITURAS
120 Foi a Tradição apostólica que fez a Igreja discernir que escritos deviam ser enumerados lista dos Livros Sagrados". Esta lista completa é denominada "Cânon" das Escrituras. Ela comporta 46 (45, se contarmos Jr e Lm juntos) escritos para o Antigo Testamento e 27 para o Novo Testamento.
Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juizes, Rute, os dois livros de Samuel, os dois livros dos Reis, os dois livros das Crônicas, Esdras e Neemias, Tobias, Judite, Ester, os dois livros dos Macabeus, Jó, os Salmos, os Provérbios, o Eclesiastes (ou Coélet), o Cântico dos Cânticos, a Sabedoria, o Eclesiástico (ou Sirácida), Isaías, Jeremias, as Lamentações, Baruc, Ezequie l, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias, para o Antigo Testamento; os Evangelhos de Mateus, de Marcos, de Lucas e de João, os Atos dos Apóstolos, as Epístolas de São Paulo aos Romanos, a primeira e a segunda aos Corintios, aos Gálatas, aos Efésios, aos Filipenses, aos Colossenses, a primeira e a segunda aos Tessalonicenses, a primeira e a segunda a Timóteo, a Tito, a Filêmon, a Epístola aos Hebreus, a Epístola de Tiago, a primeira e a segunda de Pedro, as três Epístolas de João, a Epístola de Judas e o Apocalipse, para o Novo Testamento.
O ANTIGO TESTAMENTO
121 Antigo Testamento é uma parte indispensável da Sagrada Escritura. Seus livros são divinamente inspirados e conservam um valor permanente, pois a Antiga Aliança nunca foi revogada.
122 Com efeito, "a Economia do Antigo Testamento estava ordenada principalmente para preparar a vinda de Cristo, redentor de todos". "Embora contenham também coisas imperfeitas e transitórias", os livros do Antigo Testamento dão testemunho de toda a divina pedagogia do amor salvífico de Deus: "Neles encontram-se sublimes ensinamentos acerca de Deus e uma salutar sabedoria concernente à vida do homem, bem como admiráveis tesouros de preces; nestes livros, enfim está latente o mistério de nossa salvação"
123 Os cristãos veneram o Antigo Testamento como verdadeira Palavra de Deus. A Igreja sempre rechaçou vigorosamente a idéia de rejeitar o Antigo Testamento sob o pretexto de que o Novo o teria feito caducar (marcionismo).
O NOVO TESTAMENTO
124 "A Palavra de Deus, que é força de Deus para a salvação de todo crente, é apresentada e manifesta seu vigor de modo eminente nos escritos do Novo Testamento." Estes escritos fornecem-nos a verdade definitiva da Revelação divina. Seu objeto central é Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, seus atos, ensinamentos, paixão e glorificação, assim como os inícios de sua Igreja sob a ação do Espírito Santo.
125 Os Evangelhos são o coração de todas as Escrituras, "uma vez que constituem o principal testemunho da vida e da doutrina do Verbo encarnado, nosso Salvador".
126 Na formação dos Evangelhos podemos distinguir três etapas:
1. A vida e o ensinamento de Jesus. A Igreja defende firmemente que os quatro Evangelhos, "cuja historicidade afirma sem hesitação, transmitem fielmente aquilo que Jesus, Filho de Deus, ao viver entre os homens, realmente fez e ensinou para a eterna salvação deles, até o dia em que foi elevado".
2. A tradição oral. "O que o Senhor dissera e fizera, os apóstolos, após a ascensão do Senhor, transmitiram aos ouvintes, com aquela compreensão mais plena de que gozavam, instruídos que foram pelos gloriosos acontecimentos de Cristo e esclarecidos pela luz do Espírito de verdade."
3. Os Evangelhos escritos. "Os autores sagrados escreveram os quatro Evangelhos, escolhendo certas coisas das muitas transmitidas ou oralmente ou já por escrito, fazendo síntese de outras ou explanando-as com vistas à situação das igrejas, conservando, enfim, a forma de pregação, sempre de maneira a transmitir nos, a respeito de Jesus, coisas verdadeiras e sincera. "
127 O Evangelho quadriforme ocupa a Igreja um lugar único, como atestam a veneração que lhe tributa a liturgia e o atrativo incomparável que desde sempre tem exercido sobre os santos: Não existe nenhuma doutrina que seja melhor, mais preciosa e mais esplêndida que o texto do Evangelho. Vede e retende o que nosso Senhor e Mestre, Cristo, ensinou com suas palavras e realizou com seus atos. É acima de tudo o Evangelho que me ocupa durante as minhas orações; nele encontro tudo o que é necessário para minha pobre alma. Descubro nele sempre novas luzes, sentidos escondidos e misteriosos.
A UNIDADE ENTRE O ANTIGO E O NOVO TESTAMENTO
128 A Igreja, já nos tempos apostólicos, e depois constantemente em sua Tradição, iluminou a unidade do plano divino nos dois Testamentos graças à tipologia. Esta discerne, nas obras de Deus contidas na Antiga Aliança, prefigurações daquilo que Deus realizou na plenitude dos tempos, na pessoa de seu Filho encarnado.
129 Por isso os cristãos lêem o Antigo Testamento à luz de Cristo morto e ressuscitado. Esta leitura tipológica manifesta o conteúdo inesgotável do Antigo Testamento. Ela não deve levar a esquecer que este conserva seu valor próprio de Revelação, que o próprio Nosso Senhor reafirmou. De resto também o Novo Testamento exige ser lido à luz do Antigo. A catequese cristã primitiva recorre constantemente a ele.
Segundo um adágio antigo, o Novo Testamento está escondido no Antigo, ao passo que o Antigo é desvendado no Novo "Novum in Vetere latet et in Novo Vetus patet".
130 A tipologia exprime o dinamismo em direção ao cumprimento do plano divino, quando "Deus será tudo em todos" (1 Cor 15,28), Também a vocação dos patriarcas e o Êxodo do Egito, por exemplo, não perdem seu valor próprio no plano de Deus, pelo fato de serem ao mesmo tempo etapas intermediárias deste plano.
V. A SAGRADA ESCRITURA NA VIDA DA IGREJA
131 "É tão grande o poder e a eficácia encerrados na Palavra de Deus, que ela constitui sustentáculo e vigor para a Igreja, e, para seus filhos, firmeza da fé, alimento da alma, pura e perene fonte da vida espiritual." "É preciso que o acesso à Sagrada Escritura seja amplamente aberto aos fiéis."
132 "Que o estudo das Sagradas Páginas seja, portanto, como que a alma da Sagrada Teologia. Da mesma palavra da Sagrada Escritura também se nutre salutarmente e santamente floresce o ministério da palavra, a saber, a pregação pastoral, a catequese e toda a instrução cristã, na qual deve ocupar lugar de destaque a homilia litúrgica."
133 A Igreja "exorta com veemência e de modo peculiar todos os fiéis cristãos... a que, pela freqüente leitura das divinas Escrituras, aprendam 'a eminente ciência de Jesus Cristo”(Fl 3,8). “Com efeito, ignorar as Escrituras é ignorar Cristo”.
RESUMINDO
134 Omnis Scriptura divina unus liber est, et hic unus liber est Christus, "quia omnis Scriptura divina de Christo loquitur, et omn is Scriptura divina in Christo impletur" - Toda a Escritura divina é um único livro, e este livro único é Cristo, já que toda Escritura divina fala de Cristo, e toda Escritura divina se cumpre em Cristo.
135 "As Sagradas Escrituras contêm a Palavra de Deus e, por serem inspiradas, são verdadeiramente Palavra de Deus. "
136 Deus e o autor da Sagrada Escritura inspirar seus autores humanos; age neles e por meio dele. Fornece assim a garantia de que seus escritos ensinem sem erro a verdade salvífica.
137 A interpretação das Escrituras inspiradas deve antes de tudo estar atenta àquilo que Deus quer revelar por intermédio dos autores sagrados para nossa salvação. O que vem do Espírito só é plenamente entendido pela ação do Espírito.
138 A Igreja recebe e venera como inspirados os 46 livros do Antigo e os 27 livros do Novo Testamento.
139 Os quatro Evangelhos ocupam um lugar central, já que Cristo Jesus é o centro deles.
140 A unidade dos dois Testamentos decorre da unidade do projeto de Deus e de sua Revelação. O Antigo Testamento prepara o Novo, ao passo que este último cumpre o Antigo; os dois se iluminam reciprocamente; os dois são verdadeira Palavra de Deus.
141 "A Igreja sempre venerou as divinas Escrituras da mesma forma como o próprio Corpo do Senhor": ambos alimentam e dirigem toda a vida cristã. "Tua Palavra é a lâmpada para meus pés, e luz para meu caminho" (Sl 119,105[fca70] ).
CAPÍTULO III - A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS
142 Por sua Revelação, "o Deus invisível, levado por seu grande amor, fala aos homens como a amigos, e com eles se entretém para os convidar à comunhão consigo e nela os receber". A resposta adequada a este convite é a fé.
143 Pela fé, o homem submete completamente sua inteligência e sua vontade a Deus. Com todo o seu ser, o homem dá seu assentimento a Deus revelador. A Sagrada Escritura denomina "obediência da fé" esta resposta do homem ao Deus que revela.
ARTIGO 1 - EU CREIO [a6]
144 i. A OBEDIÊNCIA DA FÉ
Obedecer ("ob-audire") na fé significa submeter-se livremente à palavra ouvida, visto que sua verdade é garantida por Deus, a própria Verdade. Desta obediência, Abraão é o modelo que a Sagrada Escritura nos propõe, e a Virgem Maria, sua mais perfeita realização.
ABRAÃO "O PAI DE TODOS OS CRENTES"
145 A Epístola aos Hebreus, no grande elogio à fé dos antepassados, insiste particularmente na fé de Abraão: "Foi pela fé que Abraão, respondendo ao chamado, obedeceu e partiu para uma terra que devia receber como herança, e partiu sem saber para onde ia" (Hb 11,8). Pela fé, viveu como estrangeiro e como peregrino na Terra Prometida[fca8] . Pela fé, Sara recebeu a graça de conceber o filho da promessa. Pela fé, finalmente, Abraão ofereceu seu filho único em sacrifício.
146 Abraão realiza, assim, a definição da fé dada pela Epístola aos Hebreus: "A fé é uma posse antecipada do que se espera, um meio de demonstrar as realidades que não se vêem" (Hb 11,1). "Abraão creu em Deus, e isto lhe foi levado em conta de justiça" (Rm 4,3). Graças a esta "fé poderosa" (Rm 4,20), Abraão tornou-se "o pai de todos os que haveriam de crer" (Rm 4,1 1.18)
147 O Antigo Testamento é rico em testemunhos desta fé. A Epístola aos Hebreus proclama o elogio da fé exemplar dos antigos, "que deram o seu testemunho" (Hb 11,2.39). No entanto, "Deus previa para nós algo melhor": a graça de crer em seu Filho Jesus, "o autor e realizador da fé, que a leva à perfeição" (Hb11,40; 12,2).
MARIA "BEM-AVENTURADA A QUE ACREDITOU"
148 A Virgem Maria realiza da maneira mais perfeita a obediência da fé. Na fé, Maria acolheu o anúncio e a promessa trazida pelo anjo Gabriel, acreditando que "nada é impossível a Deus" (Lc 1,37[fca15] ) e dando seu assentimento: "Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,38). Isabel a saudou: "Bem-aventurada a que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido" (Lc 1,45). É em virtude desta fé que todas as gerações a proclamarão bem-aventurada.
149 Durante toda a sua vida e até sua última provação, quando Jesus, seu filho, morreu na cruz, sua fé não vacilou. Maria não deixou de crer "no cumprimento" da Palavra de Deus. Por isso a Igreja venera em Maria a realização mais pura da fé.
II. "SEI EM QUEM PUS MINHA FÉ" (2TM 1,12)
CRER SOMENTE EM DEUS
150 A fé é primeiramente uma adesão pessoal do homem a Deus; é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o assentimento livre a toda a verdade que Deus revelou. Como adesão pessoal a Deus e assentimento à verdade que ele revelou, a fé cristã é diferente da fé em uma pessoa humana. E justo e bom entregar-se totalmente a Deus e crer absolutamente no que ele diz. Seria vão e falso pôr tal fé em uma criatura.
CRER EM JESUS CRISTO, O FILHO DE DEUS
151 Para o cristão, crer em Deus é, inseparavelmente, crer naquele que Ele enviou, "seu Filho bem amado", no qual Ele pôs toda à sua complacência; Deus mandou que O escutássemos. O próprio Senhor disse a seus discípulos: "Crede em Deus, crede também em mim" (Jo 14,1). Podemos crer em Jesus Cristo por que ele mesmo é Deus, o Verbo feito carne: "Ninguém jamais viu a Deus: o Filho unigênito, que está voltado
para o seio do Pai; este o deu a conhecer" (Jo 1,18). Por ter ele "visto o Pai" (Jo 6,46), ele é o único que o conhece e pode revelá-lo.
CRER NO ESPÍRITO SANTO
152 Não se pode crer em Jesus Cristo sem participar de seu Espírito. E o Espírito Santo que revela aos homens quem é Jesus. Pois "ninguém pode dizer 'Jesus é Senhor' a não ser no Espírito Santo" (1 Cor 12,3). "O Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as profundidades de Deus... O que está em Deus, ninguém o conhece a não ser o Espírito de Deus" (1 Cor 2,10-11). Só Deus conhece a Deus por inteiro. Cremos no Espírito Santo porque Ele é Deus.
A Igreja não cessa de confessar sua fé em um só Deus, Pai, Filho e Espírito Santo.
III. AS CARACTERÍSTICAS DA FÉ
A FÉ É UMA GRAÇA
153 Quando São Pedro confessa que Jesus é o Cristo, Filho do Deus vivo, Jesus lhe declara que esta revelação não lhe veio "da carne e do sangue, mas de meu Pai que está nos céus". A fé é um dom de Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele. "Para que se preste esta fé, exigem-se a graça prévia e adjuvante de Deus e os auxílios internos do Espírito Santo, que move o coração e o converte a Deus, abre os olhos da mente e dá a todos suavidade no consentir e crer na verdade."
A FÉ É UM ATO HUMANO
154 Crer só é possível pela graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo Mas não é menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não contraria nem a liberdade nem a inteligência do homem confiar em Deus e aderir às verdades por Ele reveladas. Já no campo das relações humanas, não é contrário à nossa própria dignidade crer no que outras pessoas nos dizem sobre si mesmas e sobre suas intenções e confiar nas promessas delas (como, por exemplo, quando um homem e uma mulher se casam), para entrar assim em comunhão recíproca. Por isso, é ainda menos contrário à nossa dignidade "prestar, pela fé, à revelação de Deus plena adesão do intelecto e da vontade" e entrar, assim, em comunhão íntima com ele.
155 Na fé, a inteligência e a vontade humanas cooperam com a graça divina: "Credere est actus intellectus assentientis veritati divinae ex imperio voluntatis a Deo motae per gratiam - Crer é um ato da inteligência que assente à verdade divina a mando da vontade movida por Deus através da graça".
A FÉ E A INTELIGÊNCIA
156 O motivo de crer não é o fato de as verdades reveladas aparecerem como verdadeiras e inteligíveis à luz de nossa razão natural. Cremos "por causa da autoridade de Deus que revela e que não pode nem enganar-se nem enganar-nos". "Todavia, para que o obséquio de nossa fé fosse conforme à razão, Deus quis que os auxílios interiores do Espírito Santo fossem acompanhados das provas exteriores de sua Revelação. Por isso, os milagres de Cristo e dos santos, as profecias, a propagação e a santidade da Igreja, sua fecundidade e estabilidade "constituem sinais certíssimos da Revelação, adaptados à inteligência de todos", "motivos de credibilidade" que mostram que o assentimento da fé não é "de modo algum um movimento cego do espírito".
157 A fé é certa, mais certa que qualquer conhecimento humano, porque se funda na própria Palavra de Deus, que não pode mentir. Sem dúvida, as verdades reveladas podem parecer obscuras à razão e à experiência humanas, mas "a certeza dada pela luz divina é maior que a que é dada pela luz da razão natural. "Dez mil dificuldades não fazem uma única dúvida.
158 "A fé procura compreender": E característico da fé o crente desejar conhecer melhor Aquele em quem pôs sua fé e compreender melhor o que Ele revelou; um conhecimento mais penetrante despertará por sua vez uma fé maior, cada vez mais ardente de amor. A graça da fé abre "os olhos do coração" (Ef.
1,18) para uma compreensão viva dos conteúdos da Revelação, isto é, do conjunto do projeto de Deus e dos mistérios da fé, do nexo deles entre si e com Cristo, centro do Mistério revelado. Ora, para "tomar cada vez mais profunda a compreensão da Revelação, o mesmo Espírito Santo aperfeiçoa continuamente a fé por meio de seus dons. Assim, segundo o adágio de Santo Agostinho, "eu creio para compreender, e compreendo para melhor crer".
159 Fé e ciência. "Porém, ainda que a fé esteja acima da razão, não poderá jamais haver verdadeira desarmonia entre uma e outra, porquanto o mesmo Deus que revela os mistérios e infunde a fé dotou o espírito humano da luz da razão; e Deus não poderia negar-se a si mesmo, nem a verdade jamais contradizer a verdade." "Portanto, se a pesquisa metódica, em todas as ciências, proceder de maneira verdadeiramente científica, segundo as leis morais, na realidade nunca será oposta à fé: tanto as realidades profanas quanto as da fé originam-se do mesmo Deus. Mais ainda: quem tenta perscrutar com humildade e Perseverança, os segredos das coisas, ainda que disso não tome consciência, e como que conduzido pela mão de Deus, que sustenta todas as coisas, fazendo com que elas sejam o que são."
A LIBERDADE DA FÉ
160 Para que o ato de fé seja humano, "o homem deve responder a Deus, crendo por livre vontade. Por conseguinte, ninguém deve ser forçado contra sua vontade a abraçar a fé. Pois o ato de fé é por sua natureza voluntário". "Deus de fato chama os homens para servi-lo em espírito e verdade. Com isso os homens são obrigados em consciência, mas não são forçados... Foi o que se patenteou em grau máximo em Jesus Cristo." Com efeito, Cristo convidou à fé e à conversão, mas de modo algum coagiu. "Deu testemunho da verdade, mas não quis impô-la pela força aos que a ela resistiam. Seu reino... se estende graças ao amor com que Cristo, exaltado na cruz, atrai a si os homens."
A NECESSIDADE DA FÉ
161 E necessário, para obter esta salvação, crer em Jesus Cristo e naquele que o enviou para nossa salvação "Como, porém, "sem fé é impossível agradar a Deus' (Hb 11,6) e chegar ao consórcio dos seus filhos, ninguém jamais pode ser justificado sem ela, nem conseguir a vida eterna, se nela não permanecer até o fim" (Mt 10,22; 24,13".
A PERSEVERANÇA NA FÉ
162 A fé é um dom gratuito que Deus concede ao homem. Podemos perder este dom inestimável; São Paulo alerta Timóteo sobre isso: 'Combate... o bom combate, com fé e boa consciência; pois alguns, rejeitando a boa consciência, vieram a naufragar na fé" (1Tm 1,18-19). Para viver, crescer e perseverar até o fim na fé, devemos alimentá-la com a Palavra de Deus; devemos implorar ao Senhor que a aumente; ela deve "agir pela caridade" (Gl 5,6), ser carregada pela esperança e estar enraizada na fé da Igreja.
A FÉ - COMEÇO DA VIDA ETERNA
163 A fé nos faz degustar como por antecipação a alegria e a luz da visão beatífica, meta de nossa caminhada na terra. Veremos então a Deus "face a face" (1Cor 13,12), "tal como Ele é" (1Jo 3,2). A fé já é, portanto, o começo da vida eterna:Enquanto desde já contemplamos as bênçãos da fé, como um reflexo no espelho, é como se já possuíssemos as coisas maravilhas que um dia desfrutaremos, conforme nos garante nossa fé.
164 Por ora, todavia, "caminhamos pela fé, não pela visão" (2Cor 5,7), e conhecemos a Deus "como que em um espelho, de uma forma confusa..., imperfeita" (1Cor 13,12). Luminosa em virtude daquele em que ela crê, a fé é muitas vezes vivida na obscuridade. A fé pode ser posta à prova. O mundo em que vivemos muitas vezes parece estar bem longe daquilo que a fé nos assegura; as experiências do mal e do sofrimento, das injustiças e da morte parecem contradizer a Boa Nova; podem abalar a fé e tornar-se para ela uma tentação.
165 É então que devemos nos voltar para as testemunhas da fé: Abraão, que creu, "esperando contra toda esperança" (Rm 4,18); a Virgem Maria, que na "peregrinação a fé[fca63] " foi até a "noite da
fé", comungando com o sofrimento de seu Filho e com a noite de seu túmulo e tantas outras testemunhas da fé: "Com tal nuvem de testemunhas ao nosso redor, rejeitando todo fardo e o pecado que nos envolve, corramos com perseverança para o certame que nos é proposto, com os olhos fixos naquele que é autor e realizador da fé, Jesus" (Hb 12,1-2[a66] ).
ARTIGO 2 - NÓS CREMOS
166 A fé é um ato pessoal: a resposta livre do homem à iniciativa de Deus que se revela. Ela não é, porém, um ato isolado. Ninguém pode crer sozinho, assim como ninguém pode viver sozinho. Ninguém deu a fé a si mesmo, assim como ninguém deu a vida a si mesmo. O crente recebeu a fé de outros, deve transmiti-la a outros. Nosso amor por Jesus e pelos homens nos impulsiona a falar a outros de nossa fé. Cada crente é como um elo na grande corrente dos crentes. Não posso crer sem ser carregado pela fé dos outros, e pela minha fé contribuo para carregar a fé dos outros.
167 "Eu creio": esta é a fé da Igreja, professada pessoalmente por todo crente, principalmente pelo batismo. "Nós cremos": esta é a fé da Igreja confessada pelos bispos reunidos em Concílio ou, mais comumente, pela assembléia litúrgica dos crentes. "Eu creio" é também a Igreja, nossa Mãe, que responde a Deus com sua fé e que nos ensina a dizer: "eu creio", "nós cremos".
I. "OLHAI, SENHOR, PARA A FÉ DA VOSSA IGREJA"
168 É antes de tudo a Igreja que crê e que desta forma carrega, alimenta e sustenta minha fé. E antes de tudo a Igreja que, em toda parte, confessa o Senhor ("Te per orbem terrarum sancta confitetur Ecclesia A vós por toda a terra proclama a Santa Igreja", assim cantamos no Te Deum), e com ela e nela também nós somos impulsionados e levados a confessar: "Eu creio", "nos cremos". É por intermédio da Igreja que recebemos a fé e a vida nova no Cristo pelo batismo. No "Ritual Romano", o ministro do batismo pergunta ao catecúmeno: "Que pedes à Igreja de Deus?" E a resposta: "A fé." "E que te dá a fé?" "A vida eterna."
169 A salvação vem exclusivamente de Deus, mas, por recebermos a vida de fé por meio da Igreja, esta última é nossa mãe: "Nós cremos na Igreja como a mãe de nosso novo nascimento, e não como se ela fosse a autora de nossa salvação". Por ser nossa mãe, a Igreja é também a educadora de nossa fé.
II. A LINGUAGEM DA FÉ
170 Não cremos em fórmulas, mas nas realidades que elas expressam e que a fé nos permite "tocar". "O ato (de fé) do crente não pára no enunciado, mas chega até a realidade (enunciada). Todavia, temos acesso a essas realidades com o auxílio das formulações da fé. Estas permitem expressar e transmitir a fé, celebrá-la em comunidade, assimilá-la e vivê-la cada vez mais.
171 A Igreja, que é "a coluna e o sustentáculo da verdade" (1 Tm 3,15), guarda fielmente a fé uma vez por todas confiada aos santos. E ela que conserva a memória das Palavras de Cristo, é ela. que transmite de geração em geração a confissão de fé dos apóstolos. Como uma mãe que ensina seus filhos a falar e, com isto, a, compreender e a comunicar, a Igreja, nossa Mãe, nos ensina a linguagem da fé para introduzir-nos na compreensão e na vida da fé.
III. UMA ÚNICA FÉ
172 Há séculos, mediante tantas línguas, culturas, povos e nações, a Igreja não cessa de confessar sua única fé, recebida de só Senhor, transmitida por um único batismo, enraizada na convicção de que todos os homens têm um só Deus e Pai, São Irineu de Lião, testemunha desta fé, declara:
173 "Com efeito, a Igreja, embora espalhada pelo mundo inteiro até os confins da terra, tendo recebido dos apóstolos e dos discípulos deles a fé... guarda [esta pregação e esta fé] com cuidado, como se habitasse em uma só casa; nelas crê de forma idêntica, como se tivesse uma só alma; e prega as verdades de fé, as ensina e transmite com voz unânime, como se possuísse uma só boca".
174 "Pois, se no mundo as línguas diferem, o conteúdo da Tradição é uno e idêntico. E nem as Igrejas estabelecidas na Germânia têm outra fé ou outra Tradição, nem as que estão entre os iberos, nem as que estão entre os celtas, nem as do Oriente, do Egito, da Líbia, nem as que estão estabelecidas no centro do mundo..." "A mensagem da Igreja é, portanto, verídica e sólida, pois é nela que um único caminho de salvação aparece no mundo inteiro."
175 "Esta fé que recebemos da Igreja, nós a guardamos com cuidado, pois sem cessar, sob a ação do Espírito de Deus, à guisa de um depósito de grande preço encerrado em um vaso precioso, ela rejuvenesce e faz rejuvenescer o próprio vaso que a contém."
RESUMINDO
176 A fé é uma adesão pessoal do homem inteiro a Deus que se revela. Ela inclui uma adesão da inteligência e da vontade à Revelação que Deus fez de si mesmo por suas ações e palavras.
177 Por conseguinte, "crer" tem uma dupla referência: à pessoa e à verdade; à verdade, por confiança na pessoa que a atesta.
178 Não devemos crer em ninguém a não ser em Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo
179 A fé é um dom sobrenatural de Deus. Para crer, o homem tem necessidade dos auxílios interiores do Espírito Santo
180 "Crer" e um ato humano, consciente e livre, que corresponde à dignidade da pessoa humana.
181 "Crer" e um ato eclesial. A fé da Igreja precede, gera, tenta e alimenta nossa fé. A Igreja é a mãe de todos os crentes. "Ninguém pode ter a Deus por Pai, que não tenha Igreja por mãe. "
182 "Nós cremos em tudo o que está contido na Palavra de Deus escrita ou transmitida, e que a Igreja propõe a crer c divinamente revelado. "
183 A fé é necessária à salvação. O próprio Senhor afirma: “Aquele que crer e for batizado será salvo; aquele que não crer será condenado” (Mc 16, 16).
184 "A fé é um antegozo do conhecimento que nos tornará bem-aventurados na vida futura".
SEGUNDA SEÇÃO
A PROFISSÃO DA FÉ CRISTÃ
OS SÍMBOLOS DA FÉ
185 Quem diz creio diz "dou minha adesão àquilo que não cremos". A comunhão na fé precisa de uma linguagem comum da fé, normativa para todos e que una na mesma confissão de fé.
186 Desde a origem, a Igreja apostólica exprimiu e transmitiu sua própria fé em fórmulas breves e normativas para todos. Mas já muito cedo a Igreja quis também recolher o essencial de sua fé em resumos orgânicos e articulados, destinados sobretudo aos candidatos ao Batismo:
Esta síntese da fé não foi elaborada segundo as opiniões humanas mas da Escritura inteira recolheu se o que existe de mais importante, para dar, na sua totalidade, a única doutrina da fé. E assim com a semente de mostarda contém em um pequeníssimo grão um grande número de ramos, da mesma forma este resumo da fé encerra em algumas palavras todo o conhecimento da verdadeira piedade contida no Antigo e no Novo Testamento.
187 Estas sínteses da fé chamam-se "profissões de fé", pois resumem a fé que os cristãos professam. Chamam-se "Credo” em razão da primeira palavra com que normalmente começam: "Creio". Denominam-se também "Símbolos da fé".
188 A palavra grega "symbolon" significava a metade de um objeto quebrado (por exemplo, um sinete) que era apresentada como sinal de reconhecimento. As partes quebradas eram juntadas para se verificar a identidade do portador. O "símbolo da fé" é, pois, um sinal de reconhecimento e de comunhão
entre os crentes. "Symbolon" passa em seguida a significar coletânea, coleção ou sumário. O "símbolo da fé" é a coletânea das principais verdades da fé. Daí o fato de ele servir como ponto de referência primeiro e fundamental da catequese.
189 A primeira "profissão de fé" é feita por ocasião do Batismo. O "símbolo da fé" é inicialmente o símbolo batismal. Uma vez que o Batismo é dado "em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28,19), as verdades de fé professadas por ocasião do Batismo estão articuladas segundo sua referência às três pessoas da Santíssima Trindade.
190 O símbolo está, pois, dividido em três partes: "Primeiro, fala-se da primeira Pessoa divina e da obra admirável da criação; em seguida, da segunda Pessoa divina e do Mistério da Redenção dos homens; finalmente, da terceira Pessoa divina, fonte e princípio de nossa santificação[fca6] ". Esses são "os três capítulos de nosso selo (batismal[fca7] )".
191 "Estas três partes são distintas, embora interligadas. Segundo uma comparação usada com freqüência pelos Padres, chamamo-las de artigos. Pois da mesma forma que em nossos membros existem certas articulações que os distinguem e os separam, assim também nesta profissão de fé, com acerto e razão, se deu o nome de artigos às verdades em que devemos crer especificamente e de forma distinta" . Segundo uma antiga tradição, já atestada por Santo Ambrósio, também se costuma contar doze artigos do Credo, simbolizando com o número dos apóstolos o conjunto da fé apostólica.
192 As profissões ou símbolos da fé têm sido numerosos ao longo dos séculos e em resposta às necessidades das diversas épocas: os símbolos das diferentes Igrejas apostólicas e antigas, o Símbolo "Quicumque", dito de Santo Atanásio[fca11] , as profissões de fé de certos Concílios (Toledo; Latrão; Lião[fca14] ; Trento[fca15] ) ou de certos papas, como a "Fides Damasi[fca16] " (Profissão de Fé de São Dâmaso) ou o "Credo do Povo de Deus" [SPF], de Paulo VI (1968[fca17] ) .
193 Nenhum dos símbolos das diferentes etapas da vida da Igreja pode ser considerado ultrapassado e inútil. Eles nos ajudam a viver e a aprofundar hoje a fé de sempre por meio dos diversos resumos que dela têm sido feitos.
Entre todos os símbolos da fé, dois ocupam um lugar particularíssimo na vida da Igreja.
194 O Símbolo dos Apóstolos, assim chamado por ser, com razão considerado o resumo fiel da fé dos apóstolos. É o antigo símbolo batismal da Igreja de Roma. Sua grande autoridade vem do seguinte ato: "Ele é o símbolo guardado pela Igreja Romana, aquela onde Pedro, o primeiro apóstolo, teve sua Sé e para onde ele trouxe comum expressão de fé (sententia communis = opinião comum”.
195 O Símbolo denominado niceno-constantinopolitano tem sua grande autoridade no fato de ter resultado dos dois primeiros Concílios ecumênicos (325 e 381). Ainda hoje ele é comum a todas as grandes Igrejas do Oriente e do Ocidente.”
196 Nossa exposição da fé seguirá o Símbolo dos Apóstolos que constitui, por assim dizer, "o mais antigo catecismo romano. Contudo, a exposição será completada por constantes referências ao Símbolo niceno-constantinopolitano, muitas vezes mais explícito e mais detalhado.
197 Como no dia de nosso batismo, quando toda a nossa vida foi confiada "a regra de doutrina" (Rm 6,17), acolhamos Símbolo de nossa fé que da vida. Recitar com fé o Credo entrar em comunhão com Deus Pai, Filho e Espírito Santo É também entrar em comunhão com a Igreja inteira, que nos transmite a fé e no seio da qual cremos:
Este Símbolo é o selo espiritual, a meditação do nosso coração e o guardião sempre presente; ele é, seguramente, o tesouro da nossa alma.
CAPÍTULO I - CREIO EM DEUS PAI
198 Nossa profissão de fé começa com Deus, pois Deus é ô o Primeiro e o ultimo" (Is 44,6), o Começo e o Fim de tudo. O Credo começa com Deus Pai, pois o Pai é a Primeira Pessoa Divina da Santíssima Trindade; nosso Símbolo começa pela criação do céu e da terra, porque a criação é o começo e o fundamento de todas as obras de Deus.
ARTIGO 1
"CREIO EM DEUS PAI TODO-PODEROSO, CRIADOR DO CÉU E DA TERRA"
PARÁGRAFO 1 - CREIO EM DEUS
199 "Creio em Deus": esta primeira afirmação da profissão de fé é também a mais fundamental. O Símbolo inteiro fala de Deus, e, se fala também do homem e do mundo, fá-lo pela relação que eles têm com Deus. Os artigos do Credo dependem todos do primeiro, da mesma forma que os mandamentos explicitam o primeiro deles. Os demais artigos nos fazem conhecer melhor a Deus tal como se revelou progressivamente aos homens. "Os fiéis fazem primeiro profissão de crer em Deus".
I. "CREIO EM UM SÓ DEUS"
200 É com estas palavras que começa o Símbolo niceno-constantinopolitano. A confissão da Unicidade de Deus, que tem sua raiz na Revelação Divina da Antiga Aliança, é inseparável da confissão da existência de Deus, e igualmente fundamental. Deus é único, só existe um Deus. "A fé cristã confessa que há Um só Deus, por natureza, por substância e por essência."
201 A Israel, seu eleito, Deus revelou-se como o Único: "Ouve, ó Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor! Portanto, amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força" (Dt 6,4-5). Por meio dos profetas, Deus chama Israel e todas as nações a se voltarem para Ele, Único: "Voltai-vos para mim e sereis salvos, todos os confins da terra, porque eu sou Deus e não há nenhum outro!... Com efeito diante de mim se dobrar todo joelho, toda língua há de jurar por mim, dizendo: Só no Senhor há justiça e força".
202 Jesus mesmo confirma que Deus é "o único Senhor" e que é preciso amá-lo de todo o coração, com toda a alma, com todo o espírito e com todas as forças. Ao mesmo tempo, dá a entender que ele mesmo é "o Senhor". Confessar que "Jesus é Senhor" é o específico da fé cristã. Isso não contraria a fé em Deus único. Crer no Espírito Santo "que é Senhor e dá a Vida" não introduz nenhuma divisão no Deus único:
Cremos firmemente e afirmamos simplesmente que há um só verdadeiro Deus eterno, imenso e imutável, incompreensível, Todo-Poderoso e inefável, Pai, Filho e Espírito Santo: Três Pessoas, mas uma Essência, uma Substância ou Natureza absolutamente simples.
II. DEUS REVELA SEU NOME
203 A seu povo, Israel, Deus revelou-se, dando-lhe a conhecer o seu nome. O nome exprime a essência, a identidade da pessoa e o sentido de sua vida. Deus tem um nome. Ele não é uma força anônima. Desvendar o próprio nome é dar-se conhecer aos outros; é, de certo modo, entregar-se a si mesmo, tomando-se acessível, capaz de ser conhecido mais intimamente e de ser chamado pessoalmente.
204 Deus revelou-se progressivamente a seu povo e com diversos nomes, mas é a revelação do nome divino feita a Moisés na teofania da sarça ardente, pouco antes do Êxodo e da Aliança do Sinai, que se tomou a revelação fundamental para a Antiga e a Nova Aliança.
O DEUS VIVO
205 Deus chama Moisés do meio de uma sarça que queima sem consumir-se. Ele diz a Moisés: "Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abra o, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó" (Ex 3,6). Deus é o Deus dos pais, Aquele que havia guiado os patriarcas em suas peregrinações. Ele é o Deus fiel e compassivo que se lembra deles e de suas próprias promessas; vem para libertar seus descendentes da escravidão. Ele é o Deus que, para além do espaço e do tempo, pode e quer fazê-lo, e que colocará sua onipotência em ação a serviço desse projeto.
"Eu sou AQUELE QUE É”
Moisés disse a Deus: "Quando eu for aos filhos de Israel e disser: O Deus de vossos pais me enviou até vós”, e me perguntarem: “Qual é o seu nome?”, que direi?" Disse Deus a Moisés: "Eu sou AQUELE QUE É". Disse mais: "Assim dirás aos filhos de Israel: “EU SOU me enviou até vós”... Este é o meu nome para sempre, e esta ser a minha lembrança de geração em geração (Ex 3,13-15).
206 Ao revelar seu nome misterioso de Iahweh, "Eu sou AQUELE QUE É" ou "Eu Sou Aquele que SOU" ou também "Eu sou Quem sou", Deus declara quem Ele é e com que nome se deve chamá-lo. Este nome divino é misterioso como Deus é mistério. Ele é ao mesmo tempo um nome revelado e como que a recusa de um nome, e é por isso mesmo que exprime da melhor forma a realidade de Deus como ele é, infinitamente acima de tudo o que podemos compreender ou dizer: ele é o "Deus escondido" (Is 45,15), seu nome é inefável, e ele é o Deus que se faz próximo dos homens.
207 Ao revelar seu nome, Deus, revela ao mesmo tempo sua fidelidade, que é de sempre e para sempre, válida tanto para o passado ("Eu sou o Deus de teus pais", Ex 3,6) como para o futuro ("Eu estarei contigo", Ex 3,12). Deus, que revela seu nome como "Eu sou", revela-se como o Deus que está sempre presente junto a seu povo para salvá-lo.
208 Diante da presença atraente e misteriosa de Deus, o homem descobre sua pequenez. Diante da sarça ardente, Moisés tira a sandálias e cobre o rosto [fca37] em face da Santidade Divina. Diante da glória de Deus três vezes santo, Isaias exclama: "Ai de mim estou perdido! Com efeito, sou um homem de lábios impuros” (Is 6,5). Diante dos sinais divinos que Jesus faz, Pedro exclama "Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador" (Lc 5,8). Mas porque Deus é santo, pode perdoar o homem que se descobre pecador diante dele: "Não executarei o ardor da minha ira... porque sou Deus e não homem, eu sou santo no meio de ti” (Os 11,9). O apóstolo João dirá: "Diante dele tranqüilizaremos nosso coração, se nosso coração nos acusa, porque Deus é maior do que nosso coração e conhece todas as coisas" (1Jo 3,19-20[a38] ).
209 Por respeito à santidade de Deus, o povo de Israel não pronuncia seu nome. Na leitura da Sagrada Escritura, o nome revelado é substituído pelo título divino "Senhor" ("Adonai", em grego "Kýrios"). É com este título que ser aclamada a divindade de Jesus: "Jesus é Senhor".
"DEUS DE TERNURA E DE COMPAIXÃO"
210 Depois do pecado de Israel, que se desviou de Deus para adorar o bezerro de ouro, Deus ouve a intercessão de Moisés e aceita caminhar no meio de um povo infiel, manifestando, assim o seu amor. A Moisés, que pede para ver sua glória, Deus responde: "Farei passar diante de ti toda a minha beleza e diante de ti pronunciarei o nome de Iahweh" (Ex 33,18-19). E o Senhor passa diante de Moisés e proclama: "Iahweh, Iahweh, Deus de ternura e de compaixão, lento para a cólera e rico em amor e fidelidade" (Ex 34,6). Moisés confessa então que o Senhor é um Deus que perdoa.
211 O Nome divino "Eu sou" ou "Ele é" exprime a fidelidade de Deus, que, apesar da infidelidade do pecado dos homens e do castigo que ele merece, "guarda seu amor a milhares" (Ex 34,7). Deus revela que é "rico em misericórdia" (Ef 2,4), indo até o ponto de dar seu próprio Filho. Ao dar sua vida para libertar-nos do pecado, Jesus revelará que ele mesmo traz o Nome divino: "Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que “EU SOU" (Jo 8,28[a44] ).
SÓ DEUS É
212 Ao longo dos séculos, a fé de Israel pôde desenvolver e aprofundar as riquezas contidas na revelação do nome divino. Deus é único, fora dele não há deuses[fca45] . Transcende o mundo e a história. Foi Ele quem fez o céu e a terra: "Eles perecem, mas tu permaneces; todos ficam gastos como a roupa... mas tu existes, e teus anos jamais findarão!" (S1102,27-28). Nele "não h mudança, nem sombra de variação" (Tg 1,17). Ele é "AQUELE QUE É", desde sempre e para sempre, e é assim que permanece sempre fiel a si mesmo e às suas promessas[a46] .
213 A revelação do nome inefável "EU SOU AQUELE QUE SOU" contém, pois, a verdade de que só Deus é. E neste sentido que a tradução dos Setenta e, na esteira deles, a Tradição da Igreja compreenderam o nome divino: Deus é a plenitude do Ser e de toda perfeição, sem origem e sem fim. Ao passo que o das as criaturas receberam dele todo o seu ser e o seu ter, só ele é seu próprio ser, e é por si mesmo tudo o que é[a47] .
III. DEUS, "AQUELE QUE É", É VERDADE E AMOR
214 Deus, "Aquele que é", revelou-se a Israel como Aquele que e rico em amor e em fidelidade" (Ex 34,6). Esses dois termos exprimem de forma condensada as riquezas do nome divino. Em todas as suas obras Deus mostra sua benevolência, bondade, graça, amor, mas também sua confiabilidade, constância, fidelidade, verdade. "Celebro teu nome por teu amor e verdade" (Sl 138,2[fca48] ). Ele é a Verdade, pois "Deus é Luz, nele não há trevas" (1Jo 1,5), e “Amor", como ensina o apóstolo João (1Jo 4,8[a49] ).
DEUS É A VERDADE
215 "O princípio de tua palavra é a verdade, tuas normas são justiça para sempre" (Sl 119,160). "Sim, Senhor Deus, és tu que és Deus, tuas palavras são verdade" (2Sm 7,28); é por isso que as promessas de Deus sempre se realizam. Deus é a própria Verdade, suas palavras não podem enganar. É por isso que podemos entregar-nos com toda a confiança à verdade e à fidelidade de sua palavra em todas as coisas. O começo do pecado e da queda do homem foi uma mentira do tentador que induziu duvidar da palavra de Deus, de sua benevolência e fidelidade.
216 A verdade de Deus é sua sabedoria que comanda toda ordem da criação e do governo do mundo[fca52] . Deus, que sozinho criou o céu e a terra , e o único que pode dar o conhecimento verdadeiro de toda coisa criada em sua relação com ele.
217 Deus é verdadeiro também quando se revela: o ensinamento que vem de Deus é "uma doutrina de verdade" (Ml 2,6). Quando enviar seu Filho ao mundo, ser "para dar testemunho da Verdade" (Jo 18,37): "Nós sabemos que veio o Filho de Deus e nos deu a inteligência para conhecermos o Verdadeiro".
DEUS É AMOR
218 Ao longo de sua história, Israel pôde descobrir que Deus tinha uma única razão para revelar-se a ele e para tê-lo escolhido dentre todos os povos para ser dele: seu amor gratuito. E Israel entendeu, graças a seus profetas, que foi também por amor que Deus não cessou de salvá-1o e de perdoar-lhe sua infidelidade e seus pecados.
219 O amor de Deus por Israel é comparado ao amor de um pai por seu filho. Este amor é mais forte que o amor de uma mãe por seus filhos. Deus ama seu Povo mais do que um esposo ama sua bem amada; este amor se sobrepor até às piores infidelidades; ir até a mais preciosa doação: "Deus amou tanto o mundo, que entregou seu Filho único" (Jo 3,16
220 O amor de Deus é "eterno" (Is 54,8): "Os montes podem mudar de lugar e as colinas podem abalar-se, mas o meu amor não mudará" (Is 54,10). "Eu te amei com um amor eterno, por conservei por ti o amor" (Jr 31,3).
221 Mas São João ir ainda mais longe ao afirmar: "Deus é Amor" (1Jo 4,8.16); o próprio Ser de Deus é Amor. Ao enviar, na plenitude dos tempos, seu Filho único e o Espírito de Amor, Deus revela seu segredo mais íntimo: Ele mesmo é eternamente intercâmbio de amor: Pai, Filho e Espírito Santo, e destinou nos a participar deste intercâmbio.
IV. O ALCANCE DA FÉ NO DEUS ÚNICO
222 Crer em Deus, o Único, e amá-lo com todo o próprio ser em conseqüências imensas para toda a nossa vida.
223 Significa conhecer a grandeza e a majestade de Deus. "Deu, é grande demais para que o possamos conhecer" (Jó 36,26). E por isso que Deus deve ser o "primeiro a ser servido".(Santa Joana d’Arc, dictum).
224 Significa viver em ação de graças. Se Deus é o Único, tudo o que somos e tudo o que possuímos vem dele: "Que é que possuis, que não tenhas recebido?" (1Cor 4,7). "Como retribuirei ao Senhor todo o bem que me fez?" (Sl 116,12[a71] ).
225 Significa conhecer a unidade e a verdadeira dignidade de todos os homens. Todos eles são feitos "à imagem e à semelhança de Deus" (Gn 1,27[a72] ).
226 Significa usar corretamente das coisas criadas. A fé no Deus único nos leva a usar de tudo o que não é Ele, na medida em que isso nos aproxima dele, e a desapegar-nos das coisas, na medida em que nos desviam dele:
Meu Senhor e meu Deus, tirai-me tudo o que me afasta de vós.
Meu Senhor e meu Deus, dai-me tudo o que me aproxima de vós.
Meu Senhor e meu Deus, desprendei-me de mim mesmo pai doar-me por inteiro a vós.
227 Significa confiar em Deus em qualquer circunstancia, mesmo na adversidade. Uma oração de Sta. Teresa de Jesus (Poes. 9) exprime-o de maneira admirável:
Nada te perturbe
Nada te assuste
Tudo passa
Deus não muda
A paciência tudo alcança
Quem a Deus tem
Nada lhe falta.
Só Deus basta
RESUMINDO
228 "Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus é o Único Senhor...”. (Dt 6,4; Mc 12,29). "É preciso necessariamente que o supremo seja único, isto é, sem igual... Se Deus não for único não é Deus"
229 A fé em Deus leva-nos a nos voltar só para Ele como nossa primeira origem e nosso fim último, e a nada preferir nem substitui-lo por nada.
230 Ao revelar-se, Deus permanece Mistério inefável: "Se o compreendesses, ele não seria Deus".
231O Deus de nossa fé revelou-se como Aquele que é; deu-se a conhecer como "cheio de amor e fidelidade" (Ex 34,6). Seu próprio ser é Verdade e Amor.
A PROFISSÃO DA FÉ CRISTÃ
OS SÍMBOLOS DA FÉ - PARÁGRAFO 2 - O PAI
I. "EM NOME DO PAI, DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO"
232) Os cristãos são batizados "em nome do Pai, do Filho e dó Espírito Santo" (Mt 28,19). Antes disso, eles respondem "Creio" à tríplice pergunta que os manda confessar sua fé no Pai, no Filho e no Espírito: "Fides omnium christianorum in Trinitate consistit - A fé de todos os cristãos consiste na Trindade.
233) Os cristãos são batizados "em nome" do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e não "nos nomes" destes três, pois só existe um Deus, o Pai Todo-Poderoso, seu Filho Único e o Espírito Santo: a Santíssima Trindade.
234) O mistério da Santíssima É, portanto, a fonte de todos os outros mistérios da fé, é a luz que os ilumina. É o ensinamento mais fundamental e essencial na "hierarquia das verdades de fé". "Toda a história
da salvação não é senão a história da via e dos meios pelos quais o Deus verdadeiro e Único, Pai, Filho e Espírito Santo, se revela, reconcilia consigo e une a si os homens que se afastam do pecado.
235) Neste parágrafo se exporá brevemente de que modo é revelado o mistério da Santíssima Trindade (I), de que maneira a Igreja formulou a doutrina da fé sobre este mistério (II), e, finalmente, de que modo, mediante as missões divinas do Filho e do Espírito Santo, Deus Pai realiza seu "desígnio benevolente" de criação, de redenção e de santificação (III).
236) Os Padres da Igreja distinguem entre a "Theologia" e a "Oikonomia", designando com o primeiro termo o mistério da vida íntima do Deus-Trindade e com o segundo todas as obras de Deus por meio das quais ele se revela e comunica sua vida. E mediante a "Oikonomia" que nos é revelada a "Theologia"; mas, inversamente, é a "Theologia" que ilumina toda a "Oikonomia". As obras de Deus revelam quem Ele é em si mesmo e, inversamente, o mistério de seu Ser íntimo ilumina a compreensão de todas as suas obras. Acontece O mesmo, analogicamente, entre as pessoas humanas. A pessoa mostra-se em seu agir e, quanto melhor conhecermos uma pessoa, tanto melhor compreenderemos seu agir.
237) A Trindade é um mistério de fé no sentido estrito, um do “mistérios escondidos em Deus que não podem ser conhecidos se não forem revelados do alto[fca8] ". Sem dúvida, Deus deixou vestígios de seu ser trinitário em sua obra de Criação e em sua Revelação ao longo do Antigo Testamento. Mas a intimidade de seu Ser como Santíssima Trindade constitui um mistério inacessível à pura razão e até mesmo à fé de Israel antes da Encarnação do Filho de Deus e da missão do Espírito Santo.
II. A REVELAÇÃO DE DEUS COMO TRINDADE
O PAI REVELADO PELO FILHO
238) A invocação de Deus como "Pai" é conhecida em muitas religiões. A divindade é muitas vezes considerada "pai dos deuses e dos homens". Em Israel, Deus é chamado de Pai enquanto Criador do mundo[fca10] . Deus é Pai, mais ainda, em razão da Aliança, e do dom da Lei a Israel, seu "filho primogênito" (Ex 4,22). E também chamado de Pai do rei de Israel. Muito particularmente Ele é "o Pai dos pobres", do órfão e da viúva que estão sob sua proteção de amor.
239) Ao designar a Deus com o nome de "Pai", a linguagem da fé indica principalmente dois aspectos: que Deus é origem primeira de tudo autoridade transcendente, e que ao mesmo tempo é bondade e solicitude de amor para todos os seus filhos. Esta ternura paterna de Deus pode também ser expressa pela imagem da maternidade, que indica mais imanência de Deus, a intimidade entre Deus e sua criatura. A linguagem da fé inspira-se, assim, na experiência humana dos pais (genitores), que são de certo modo os primeiros representantes de Deus para o homem. Mas esta experiência humana ensina também que os pais humanos são falíveis e que podem desfigurar o rosto da paternidade e da maternidade. Convém então lembrar que Deus transcende a distinção humana dos sexos. Ele não é nem homem nem mulher, é Deus. Transcende também a paternidade e a maternidade humanas embora seja a sua origem e a medida: ninguém é pai como Deus o é.
240) Jesus revelou que Deus é "Pai" num sentido inaudito: não o é somente enquanto Criador, mas é eternamente Pai em relação a seu Filho único, que só é eternamente Filho em relação a seu Pai: "Ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece O Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11,27.
241) E por isso que Os apóstolos confessam Jesus como "o Verbo" que "no início estava junto de Deus" e que "é Deus" (Jo 1,1), como "a imagem do Deus invisível" (Cl 1,15), como "o resplendor de sua glória e a expressão do seu ser" (Hb 1,3).
242) Na esteira deles, seguindo a Tradição apostólica, a Igreja, no ano de 325, no primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia, confessou que o Filho é "consubstancial" ao Pai, isto é, um só Deus com Ele. O segundo Concílio Ecumênico, reunido em Constantinopla em 381, conservou esta expressão em sua formulação do Credo de Nicéia e confessou "o Filho Único de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos, luz de luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai”
O PAI E O FILHO REVELADOS PELO ESPÍRITO
243) Antes de sua Páscoa, Jesus anuncia o envio de "outro Paráclito" (Defensor), o Espírito Santo Em ação desde a criação, depois de ter outrora "falado pelos profetas [fca23] ele estar agora junto dos discípulos e neles, a fim de ensiná-1os e conduzi-los "a verdade inteira" (Jo 16,13). O Espírito Santo é assim revelado como outra pessoa divina em relação a Jesus e ao Pai.
244) A origem eterna do Espírito revela-se em sua missão tem temporal. O Espírito Santo é enviado aos apóstolos e à Igreja tanto pelo Pai, em nome do Filho, como pelo Filho em pessoa, depois que este tiver voltado para junto do Pai. O envio da pessoa do Espírito após a glorificação de Jesus revela em plenitude o mistério da Santíssima Trindade.
245) A fé apostólica no tocante ao Espírito foi confessada pelo segundo Concílio Ecumênico, em 381, em Constantinopla: "Cremos no Espírito Santo, que é Senhor e que dá a vida; ele procede do Pai". Com isso a Igreja reconhece o Pai como "a fonte e a origem de toda a divindade". Mas a origem eterna do Espírito Santo não deixa de estar vinculada à do Filho: "O Espírito Santo que é a Terceira Pessoa da Trindade, é Deus, uno e igual ao Pai e ao Filho, da mesma substância e também da mesma natureza....Contudo, não se diz que Ele é somente o Espírito do Pai, mas ao mesmo tempo o Espírito do Pai e do Filho[fca32] ". O Credo da Igreja do Concilio de Constantinopla, confessa: "Com o Pai e o Filho ele recebe a mesma adoração e a mesma glória "
246) A tradição latina do Credo confessa que o Espírito "procede do Pai e do Filho (Filio que)". O Concílio de Florença, em 1438, explicita: "O Espírito Santo tem sua essência e seu ser subsistente ao mesmo tempo do Pai e do Filho e procede eternamente de Ambos como de um só Princípio e por uma única expiração...E uma vez que tudo O que é do Pai o Pai mesmo o deu ao seu Filho Único ao gerá-lo, excetuado seu ser de Pai, esta própria processão do Espírito Santo a partir do Filho, ele a tem eternamente de Seu Pai que o gerou eternamente".
247) A afirmação do filioque não figurava no símbolo professado em 381 em Constantinopla. Mas, com base em uma antiga tradição latina e alexandrina, o papa São Leão o havia já confessado dogmaticamente e em 447, antes que Roma conhecesse e recebesse, em 451, no Concílio de Calcedônia, o símbolo de 381. O uso desta fórmula no Credo foi sendo admitido pouco a pouco na liturgia latina (entre os séculos VIII e XI). Todavia, a introdução do filioque no Símbolo niceno-constantinopolitano pela liturgia latina constitui, ainda hoje, um ponto de discórdia em relação ás Igrejas ortodoxas.
248) A tradição oriental põe primeiramente em relevo o caráter de origem primeira do Pai em relação ao Espírito. Ao confessar o Espírito como "procedente do Pai" (Jo 15,26), ela afirma que o Espírito procede do Pai pelo Filho. A tradição ocidental põe primeiramente em relevo a comunhão consubstancial entre o Pai e o Filho, afirmando que o Espírito procede do Pai e do Filho (Filioque). Ela o afirma "de forma legítima e racional", pois a ordem eterna das pessoas divinas em sua comunhão consubstancial implica não só que o Pai seja a origem primeira do Espírito enquanto "princípio sem princípio, mas também, enquanto Pai do Filho Único, que seja com ele "o único princípio do qual procede o Espírito Santo". Esta legítima complementaridade, se não for radicalizada, não afeta a identidade da fé na realidade do mesmo mistério confessado.
III. A SANTÍSSIMA TRINDADE NA DOUTRINA DA FÉ
A FORMAÇÃO DO DOGMA TRINITÁRIO
249) A verdade revelada da Santíssima Trindade esteve desde as origens na raiz da fé viva da Igreja, principalmente por meio do Batismo. Ela encontra sua expressão na regra da fé batismal, formulada na pregação, na catequese e na oração da Igreja. Tais formulações encontram-se já nos escritos apostólicos, como na seguinte saudação, retomada na liturgia eucarística: "A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós" (2Cor 13,13).
250) No decurso dos primeiros séculos, a Igreja procurou formular mais explicitamente sua fé trinitária, tanto para aprofundar sua própria compreensão da fé como para defendê-la de erros que a estavam deformando. Isso foi obra dos Concílios antigos, ajudados pelo trabalho teológico dos Padres da Igreja e apoiados pelo senso da fé do povo cristão.
251) Para a formulação do dogma da Trindade, a Igreja teve de desenvolver uma terminologia própria, recorrendo a noções de origem filosófica: "substância", "pessoa" ou "hipóstase", "relação" etc. Ao fazer isso, não submeteu a fé a uma sabedoria humana, mas imprimiu um sentido novo, inaudito, a esses termos, chamados a significar a partir daí também um Mistério inefável, que "supera infinitamente tudo o que nó podemos compreender dentro do limite humano".
252) A Igreja utiliza o termo "substância" (traduzido também, às vezes, por "essência" ou por "natureza") para designar ser divino em sua unidade, o termo "pessoa" ou "hipóstase” para designar o Pai, o Filho e o Espírito Santo em sua distinção real entre si, e o termo "relação" para designar o fato de a distinção entre eles residir na referência de uns aos outros.
DOGMA DA SANTÍSSIMA TRINDADE
253) A Trindade é Una. Não professamos três deuses, mas só Deus em três pessoas: "a Trindade consubstancial". As pessoas divinas não dividem entre si a única divindade, mas cada uma delas é Deus por inteiro: "O Pai é aquilo que é o Filho, o Filho é aquilo que é o Pai, O Espírito Santo é aquilo que são o Pai e o Filho, isto é, um só Deus por natureza". "Cada uma das três pessoas é esta realidade, isto é, a substância, a essência ou a natureza divina".
254) As pessoas divinas são realmente distintas entre si. "Deus é único, mas não solitário". "Pai", "Filho", "Espírito Santo” não são simplesmente nomes que designam modalidades do ser divino, pois são realmente distintos entre si: "Aquele que é o Pai não é o Filho, e aquele que é o Filho não é o Pai, nem o Espírito Santo é aquele que é o Pai ou o Filho". São distintos entre si por suas relações de origem: "E o Pai que gera, o Filho que é gerado, o Espírito Santo que procede".
A UNIDADE DIVINA É TRINA.
255) As pessoas divinas são relativas umas às outras. Por não dividir a unidade divina, a distinção real das pessoas entre si reside unicamente nas relações que as referem umas às outras: "Nos nomes relativos das pessoas, o Pai é referido ao Filho, o filho ao Pai, o Espírito Santo aos dois; quando se fala destas três pessoas considerando as relações, crê-se todavia em uma só natureza ou substância'. Pois "tudo é uno [neles] l onde não se encontra a oposição de relação. "Por causa desta unidade, o Pai está todo inteiro no Filho, todo inteiro no Espírito Santo; o Filho está todo inteiro no Pai, todo inteiro no Espírito Santo; o Espírito Santo, todo inteiro no Pai, todo inteiro no Filho”.
256) Aos Catecúmenos de Constantinopla, São Gregório Nazianzeno, denominado também "o Teólogo", confia o seguinte resumo da fé trinitária :
Antes de todas as coisas, conservai-me este bom depósito, pelo qual vivo e combato, com o qual quero morrer, que me faz suportar todos os males e desprezar todos os prazeres: refiro-me à profissão de fé no Pai e no Filho e no Espírito Santo Eu vo-la confio hoje. É por ela que daqui a pouco vou mergulhar-vos na água e vos tirar dela. Eu vo-la dou como companheira e dona de toda a vossa vida. Dou-vos uma só Divindade e Poder, que existe Una nos Três, e que contém os Três de maneira distinta. Divindade sem diferença de substância ou de natureza, sem grau superior que eleve ou grau inferior que rebaixe... A infinita conaturalidade é de três infinitos. Cada um considerado em si mesmo é Deus todo inteiro... Deus os Três considerados juntos. Nem comecei a pensar na Unidade, e a Trindade me banha em seu esplendor. Nem comecei a pensar na Trindade, e a unidade toma conta de mim.
IV. AS OBRAS DIVINAS E AS MISSÕES TRINITÁRIAS
257) "O lux beata Trinitas etprincipalis Unitas - à luz, Trindade bendita. O primordial Unidade”! Deus é beatitude eterna, vida imortal, luz sem ocaso. Deus é amor: Pai, Filho e Espírito Santo Livremente, Deus quer comunicar a glória de sua vida bem-aventurada. Este é o "desígnio" de benevolência (Ef 1,9) que ele concebeu desde antes da criação do mundo no seu Filho bem-amado predestinando-nos à adoção filial neste" Ef 1,5), isto é, "a reproduzir a imagem do seu Filho" (Rm 8,29) graças ao "Espírito de adoção filial" (Rm 8,5). Esta decisão prévia é uma "graça concedida antes de todos os séculos" (2Tm 1,9), proveniente
diretamente do amor trinitário. Ele se desdobra na obra da criação, em toda história da salvação após a queda, nas missões do Filho e do Espírito, prolongadas pela missão da Igreja.
258) Toda a economia divina é obra comum das três pessoas divinas. Pois da mesma forma que a Trindade não tem senão uma única e mesma natureza, assim também não tem senão uma única e mesma operação. "O Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três princípios das criaturas, mas um só princípio". Contudo cada pessoa divina cumpre a obra comum segundo sua propriedade pessoal. Assim a Igreja confessa, na linha do Novo Testamento: "Um Deus e Pai do qual são todas as coisas, um Senhor Jesus Cristo mediante o qual são todas as coisas, um Espírito Santo em quem são todas as coisas”. São sobretudo as missões divinas da Encarnação do Filho e do dom do Espírito Santo que manifestam as propriedades das pessoas divinas.
259) Obra ao mesmo tempo comum e pessoal, toda a Economia divina dá a conhecer tanto a propriedade das pessoas divinas como sua única natureza. Outrossim, toda a vida cristã é comunhão com cada uma das pessoas divinas, sem de modo algum separá-las. Quem rende glória ao Pai o faz pelo Filho no Espírito Santo; quem segue a Cristo, o faz porque o Pai atrai e o Espírito o impulsiona.
260) O fim último de toda a Economia divina é a entrada das criaturas na unidade perfeita da Santíssima Trindade. Mas desde já somos chamados a ser habitados pela Santíssima Trindade: "Se alguém me ama - diz o Senhor -, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará e viremos a ele, e faremos nele a nossa morada" (Jo 14,23):
Ó meu Deus, Trindade que adoro, ajudai-me a esquecer-me inteiramente para firmar-me em Vós, imóvel e pacifica, como se a minha alma já estivesse na eternidade: que nada consiga perturbar a minha paz nem fazer-me sair de Vós, ó meu Imutável, mas que cada minuto me leve mais longe na profundidade do vosso Mistério! Pacificai a minha alma! Fazei dela o vosso céu, vossa amada morada e o lugar do vosso repouso. Que nela eu nunca vos deixe só, mas que eu esteja aí, toda inteira, completamente vigilante na minha fé, toda adorante, toda entregue à vossa ação criadora.
RESUMINDO
261) O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. Só Deus no-lo pode dar a conhecer, revelado-se como Pai, Filho e Espírito Santo
262) A Encarnação do Filho de Deus revela que Deus é o Pai eterno, e que o Filho é consubstancial ao Pai, isto é, que ele é no Pai e com o Pai o mesmo Deus único.
263) A missão do Espírito Santo, enviado pelo Pai em nome do Filho e pelo Filho "de junto do Pai" (Jo 15,26), revela que o Espírito é com eles o mesmo Deus único. "Com o Pai e o Filho é adorado e glorificado."
264) "O Espírito Santo procede do Pai enquanto fonte primeira e, pela doação eterna deste último ao Filho, do Pai e do Filho em comunhão”.
265) Pela graça do Batismo "em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28,19) somos chamados a compartilhar da vida da Santíssima Trindade, aqui na terra, na obscuridade da fé, e para além da morte, na luz eterna.
266) "Fides autem catholica haec est, ut unum Deum in Trinitate, et Trinitatem in unitate veneremur, neque confundentes personas, neque substantiam separantes: alia enim est persona Patris, alia Filii, alia Spiritus Sancti; sed Patris et Fuji et Spiritus Sancti est una divinitas, aequalis gloria, coaeterna majestas – A fé católica é esta: que veneremos o único Deus na Trindade, e a Trindade na unidade, não confundindo as pessoas, nem separando a substância: pois uma é a pessoa do Pai, outra, a do Filho, outra, a do Espírito Santo; mas uma só é a divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, igual a glória, co-eterna a majestade”
267) Inseparáveis naquilo que são, da mesma forma o são naquilo que fazem. Mas na única operação divina cada uma delas manifesta o que lhe é próprio na Trindade, sobretudo nas missões divinas da Encarnação do Filho e do dom do Espírito Santo.
PARÁGRAFO 3 - O TODO-PODEROSO
268) De todos os atributos divinos, só a onipotência de Deus é mencionada no Símbolo: confessá-la é de grande importância para nossa vida. Nós cremos que ela é universal, pois Deus que criou tudo, governa tudo e pode tudo, é também de amor, pois Deus é nosso Pai; e é misteriosa, pois somente a fé pode discerni la, quando (a onipotência divina) "se manifesta na fraqueza" (2Cor 12,9).
"ELE FAZ TUDO O QUE QUER" (Sl 115,3)
269) As Sagradas Escrituras professam reiteradas vezes o poder universal de Deus. Ele é chamado "o Poderoso de Jacó" (Gn 49,24; Is 1,24 e.o.), "o Senhor dos exércitos", "o Forte, o Valente” (Sl 24,8-10). Se Deus é Todo-Poderoso "no céu e na terra" (Sl 135,6), é porque os fez. Por isso, nada lhe é impossível, e Ele dispõe à vontade de sua obra; Ele é o Senhor do universo, cuja ordem estabeleceu, ordem esta que lhe permanece inteiramente submissa e disponível; Ele é o Senhor da história: governa os corações e os acontecimentos à vontade. "Teu grande poder está sempre a teu serviço, e quem pode resistir à força de teu braço?" (Sb 11,21).
"TU TE COMPADECES DE TODOS, PORQUE TUDO PODES" (SB 11,23)
270) Deus é o Pai Todo-Poderoso. Sua paternidade e seu poder iluminam-se mutuamente. Com efeito, ele mostra sua onipotência paternal pela maneira como cuida de nossas necessidades, pela adoção filial que nos outorga ("Serei para vós um pai, e sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso": 2Cor 6,18), e finalmente por sua misericórdia infinita, pois mostra seu poder no mais alto grau, perdoando livremente os pecados.
271) A onipotência divina de modo algum é arbitrária. "Em Deus o poder e a essência, a vontade e a inteligência, a sabedoria e a justiça são uma só e mesma coisa, de sorte que nada pode estar no poder divino que não possa estar na vontade justa de Deus ou em sua inteligência sábia".
MISTÉRIO DA APARENTE IMPOTÊNCIA DE DEUS
272) A fé em Deus Pai Todo-Poderoso pode ser posta à prova pela experiência do mal e do sofrimento. Por vezes, Deus pode parecer ausente e incapaz de impedir o mal. Ora, Deus Pai revelou sua Onipotência da maneira mais misteriosa no rebaixamento voluntário e na Ressurreição de seu Filho, pelos quais venceu o mal. Assim, Cristo crucificado é "poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens" (1Cor 1,25). Foi na Ressurreição e na exaltação de Cristo que o Pai "desdobrou o vigor de sua força" e manifestou "que extraordinária grandeza reveste seu poder para nós, os que cremos" (Ef 1,19-22).
273) Somente a fé pode aderir aos caminhos misteriosos onipotência de Deus. Esta fé gloria-se de suas fraquezas a fim de atrair sobre si o poder de Cristo, Desta fé, a Virgem Maria é o modelo supremo, ela que acreditou que "nada impossível a Deus" (Lc 1,37) e que pôde engrandecer o Senhor. "O Todo Poderoso fez grandes coisas em meu favor, seu nome é Santo" (Lc 1,49).
274) "Por isso, nada é mais adequado para consolidar nossa Fé e nossa esperança do que a convicção profundamente gravada em nossas almas de que nada é impossível a Deus. Pois tudo o que [o Credo] a seguir nos propor a crer - as maiores coisas, as mais incompreensíveis, bem como as que mais ultrapassam as leis ordinárias da natureza, desde que nossa: razão tenha pelo menos idéia da onipotência divina, ela admitirá facilmente e sem qualquer hesitação".
RESUMINDO
275) Juntamente com Jó, o justo, nós confessamos: "Reconheço que tudo podes e que nenhum dos teus desígnios fica frustrado" (Jó 42,2).
276) Fiel ao testemunho da Escritura, a Igreja dirige com freqüência sua prece ao "Deus Todo Poderoso e eterno" ("omnipotens sempiterne Deus..."), crendo firmemente que "nada é impossível a Deus" (Lc 1,37)
277) Deus manifesta sua onipotência convertendo-nos dos nossos pecados e restabelecendo-nos em sua amizade pela graça ("Deus, qui omnipotentiam tuam parcendo maxime et miserando manifestas... - O Deus, que manifestais o vosso poder sobretudo na misericórdia".
278) Se não crermos que o amor de Deus é Todo-Poderoso, como crer que o Pai pôde nos criar, o Filho, remir-nos, o Espírito, santificar-nos?
PARÁGRAFO 4 - O CRIADOR
279) "No princípio, Deus criou o céu e a terra" (Gn 1,1). Com essas solenes palavras inicia-se a Sagrada Escritura. O Símbolo da fé retoma estas palavras confessando Deus Pai Todo-Poderoso como "O Criador do céu e da terra", "de todas as coisas visíveis e invisíveis". Por isso, falaremos primeiro do Criador, em seguida de sua criação e, finalmente, da queda no pecado, do qual Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio resgatar-nos.
280) A criação é o fundamento de "todos os desígnios salvíficos de Deus", "o começo da história da salvação", que culmina em Cristo. Inversamente, o mistério de Cristo é a luz decisiva sobre o mistério da criação; ele revela o fim em vista do qual, "no princípio, Deus criou o céu e a terra" (Gn 1,1): desde o início, Deus tinha em vista a glória da nova criação em Cristo.
281) É por isso que as leituras da Vigília Pascal, celebração da criação nova em Cristo, começam pelo relato da criação; da mesma forma, na liturgia bizantina, o relato da criação constitui sempre a primeira leitura das vigílias das grandes festas do Senhor. Segundo o testemunho dos antigos, a instrução dos catecúmenos para o batismo segue o mesmo caminho.
I. A CATEQUESE SOBRE A CRIAÇÃO
282) A catequese sobre a criação se reveste de uma importância capital. Ela diz respeito aos próprios fundamentos da vida humana e cristã, pois explicita a resposta da fé cristã à pergunta elementar feita pelos homens de todas as épocas: "De onde viemos?" "Para onde vamos?" "Qual é a nossa origem?" "Qual é o nosso fim?" "De onde vem e para onde vai tudo o que existe?" As duas questões, a da origem e a do fim, são inseparáveis. São decisivas para o sentido e a orientação de nossa vida e de nosso agir.
283)A questão das origens do mundo e do homem é objeto de numerosas pesquisas científicas que enriqueceram magnificamente nossos conhecimentos sobre a idade e as dimensões do cosmo, o devir das formas vivas, o aparecimento do homem. Essas descobertas nos convidam a admirar tanto mais a grandeza do Criador, a render-lhe graças por todas as suas obras, pela inteligência e pela sabedoria que dá aos estudiosos e aos pesquisadores. Com Salomão, estes últimos podem dizer: "Ele me deu um conhecimento infalível dos seres para entender a estrutura do mundo, a atividade dos elementos... pois a Sabedoria, artífice do mundo, mo ensinou" (Sb 7,17.22[a28] ).
284) O grande interesse reservado a essas pesquisas é fortemente estimulado por uma questão de outra ordem e que ultrapassa o âmbito próprio das ciências naturais. Não se trata somente de saber quando e como surgiu materialmente o cosmo, nem quando o homem apareceu, mas, antes, de descobrir qual é o sentido de tal origem: se ela é governada pelo acaso, um destino cego, uma necessidade anônima, ou por um Ser transcendente, inteligente e bom, chamado Deus. E, se o mundo provém da sabedoria e da bondade de Deus, por que existe o mal? De onde vem? Quem é o responsável por ele? Haverá como libertar-se dele?
285) Desde os inícios, a fé‚ cristã tem-se confrontado com respostas diferentes da sua no que diz respeito à questão das origens. Assim, encontram-se nas religiões e nas culturas antigas numerosos mitos acerca das origens. Certos filósofos afirmaram que tudo‚ é Deus, que o mundo é Deus, ou que o devir do mundo é o devir de Deus (panteísmo); outros afirmaram que o mundo é uma emanação necessária de Deus, emanação esta que deriva dessa fonte e volta a ela; outros ainda afirmaram a existência de dois princípios eternos, o Bem e o Mal, a Luz e as Trevas, em luta permanente entre si (dualismo, maniqueísmo); segundo algumas dessas concepções, o mundo (pelo menos o mundo material) seria mau, produto de uma queda, e portanto deve ser rejeitado ou superado (gnose); outros admitem que o mundo tenha sido feito por Deus, mas à maneira de um relojoeiro que, uma vez terminado o serviço, o teria abandonado a si mesmo (deísmo); outros, finalmente, não aceitam nenhuma origem transcendente do mundo, vendo neste o mero jogo de uma
matéria que teria existido sempre (materialismo). Todas essas tentativas dão prova da permanência e da universalidade da questão das origens. Esta busca é própria do homem.
286) Sem dúvida, a inteligência humana já pode encontrar uma resposta para a questão das origens. Com efeito, a existência de Deus Criador pode ser conhecida com certeza por meio de suas obras, graças à luz da razão humana[fca30] , ainda que este conhecimento seja muitas vezes obscurecido e desfigurado pelo erro. É por isso que a fé vem confirmar e iluminar a razão na compreensão correta desta verdade: "Foi pela fé que compreendemos que os mundos foram formados por uma palavra de Deus. Por isso é que o mundo visível não tem sua origem em coisas manifestas" (Hb 11,3[a31] ).
287) A verdade da criação é tão importante para toda a vida humana que Deus, em sua ternura, quis revelar a seu Povo tudo o que é útil conhecer a este respeito. Para além do conhecimento natural que todo homem pode ter do Criador, Deus revelou progressivamente a Israel o mistério da criação. Ele, que escolheu os patriarcas, que fez Israel sair do Egito e que, ao escolher Israel, o criou e o formou, se revela como Aquele a quem pertencem todos os povos da terra, e a terra inteira, como o único que "fez o céu e a terra" (Sl 115,15; 124,8; 134,3).
288) Assim, a revelação da criação é inseparável da revelação e da realização da Aliança de Deus, o Único, com o seu Povo. A criação é revelada como sendo o primeiro passo rumo a esta Aliança, como o testemunho primeiro e universal do amor Todo-Poderoso de Deus. Além disso, a verdade da criação se exprime com um vigor crescente na mensagem dos profetas, na oração dos salmos e da liturgia, na reflexão da sabedoria do Povo eleito.
289) Entre todas as palavras da Sagrada Escritura sobre a criação, os três primeiros capítulos do Gênesis ocupam um lugar único. Do ponto de vista literário, esses textos podem ter diversas fontes. Os autores inspirados puseram-nos no começo da Escritura, de sorte que eles exprimem, em sua linguagem solene, as verdades da criação, da origem e do fim desta em Deus, de sua ordem e de sua bondade, da vocação do homem e finalmente do drama do pecado e da esperança da salvação. Lidas à luz de Cristo, na unidade da Sagrada Escritura e na Tradição viva da Igreja, essas palavras são a fonte principal para a catequese dos Mistérios "princípio": criação, queda, promessa da salvação.
II. A CRIAÇÃO - OBRA DA SANTÍSSIMA TRINDADE
290) "No princípio, Deus criou o céu e a terra" (Gn 1,1). Três coisas são afirmadas nestas primeiras palavras da Escritura: o Deus eterno pôs um começo a tudo o que existe fora dele. Só ele é Criador (o verbo “criar” - em hebraico, ''bara'' sempre tem como sujeito Deus). Tudo o que existe (expresso pela fórmula "o céu e a terra") depende daquele que lhe dá o ser.
291) "No princípio era o Verbo... e o Verbo era Deus... Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito"(Jo 1,1-3). O Novo Testamento revela que Deus criou tudo por meio do Verbo Eterno, seu Filho bem amado. Nele "foram criadas todas coisas, nos céus e na terra... tudo foi criado por Ele e para Ele é antes de tudo e tudo nele subsiste" (Cl 1,16-17). A fé da Igreja afirma outrossim a ação criadora do Espírito Santo: Ele é o "doador de vida" "o Espírito Criador" ("Veni, Creator Spiritus"), a "Fonte de todo bem.
292) Insinuada no Antigo Testamento[fca44] , revelada na Nova Aliança, a ação criadora do Filho e do Espírito, inseparavelmente una com a do Pai, é claramente afirmada pela regra de fé da Igreja: "Só existe um Deus...: ele é o Pai, é Deus, é o Criador, é o Autor, é o Ordenador. Ele fez todas as coisas por si mesmo, isto é, pelo seu Verbo e Sabedoria", "pelo Filho e pelo Espírito", que são como "suas mãos". A criação é a obra comum da Santíssima Trindade.
III. "O MUNDO FOI CRIADO PARA A GLÓRIA DE DEUS"
293) Eis uma verdade fundamental que a Escritura e a Tradição não cessam de ensinar e de celebrar: "O mundo foi criado para a glória de Deus". Deus criou todas as coisas, explica São Boaventura, "non propter gloriam augendam, sed propter gloriam manifestandam et propter gloriam suam communicandam - não para aumentar a [sua] glória, mas para manifestar a glória e para comunicar a sua glória". Pois Deus não tem outra razão para criar a não ser seu amor e sua bondade: "Aperta manu clave amoris creaturae prodierunt - Aberta a mão pela chave do amor, as criaturas surgiram". E o Concílio Vaticano I explica:
Este único e verdadeiro Deus, por sua bondade e por sua "virtude onipotente", não para aumentar sua felicidade nem para adquirir sua perfeição, mas para manifestar essa perfeição por meio dos bens que prodigaliza às criaturas, com vontade plenamente livre, criou simultaneamente no início do tempo ambas as criaturas do nada: a espiritual e a corporal.
294) A glória de Deus consiste em que se realize esta manifesta o e esta comunicação de sua bondade em vista das quais o mundo foi criado. Fazer de nós "filhos adotivos por Jesus Cristo: conforme o beneplácito de sua vontade para louvor à glória da sua graça" (Ef 1,5-6): "Pois a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus: se já a revelação de Deus por meio da criação proporcionou a vida a todos os seres que vivem na terra, quanto mais a manifestação do Pai pelo Verbo proporciona a vida àqueles que vêem a Deus". O fim último da criação é que Deus, "Criador do universo, tornar-se-á “tudo em todas as coisas' (1Cor 15,28), procurando, ao mesmo tempo, a sua glória e a nossa felicidade".
IV. O mistério da criação
DEUS CRIA POR SABEDORIA E POR AMOR
295) Cremos que Deus criou o mundo segundo sua sabedoria. O mundo não é o produto de uma necessidade qualquer, de um destino cego ou do acaso. Cremos que o mundo procede da vontade livre de Deus, que quis fazer as criaturas participarem de seu ser, de sua sabedoria e de sua bondade: "Pois tu criaste todas as coisas; por tua vontade é que elas existiam e foram criadas”. (Ap 4,11). "Quão numerosas são as tuas obras, Senhor, e todas fizeste com sabedoria!" (Sl 104,24). "O Senhor é bom para todos, compassivo com todas as suas obras" (Sl 145,9[a58] ).
DEUS CRIA "DO NADA"
296) Cremos que Deus não precisa de nada preexistente nem de nenhuma ajuda para criar. A criação também não é uma emanação necessária da substância divina[. Deus cria livremente "do nada":
Que haveria de extraordinário se Deus tivesse tirado o mundo de uma matéria preexistente? Um artífice humano, quando se lhe dá um material, faz dele tudo o que quiser. Ao passo que o poder de Deus se mostra precisamente quando parte do nada para fazer tudo o que quer.
297) A fé na criação a partir "do nada" é atestada na Escritura como uma verdade cheia de promessa e de esperança. Assim a mãe dos sete filhos os encoraja ao martírio:
Não sei como é que viestes a aparecer no meu seio, nem fui eu que vos dei o espírito e a vida, nem também fui eu que dispus organicamente os elementos de cada um de vós. Por conseguinte, foi o Criador do mundo que formou o homem em seu nascimento e deu origem a todas as coisas, quem vos retribuirá, na sua misericórdia, o espírito e a vida, uma vez que agora fazeis pouco caso de vós mesmos, por amor às leis dele... Eu te suplico, meu filho, contempla o céu e a terra e observa tudo o que neles existe. Reconhece que não foi de coisas existentes que Deus os fez, e que também o gênero humano surgiu da mesma forma (2Mc 7,22-23.28).
298) Uma vez que Deus pôde criar do nada, pode, pelo Espírito Santo, dar a vida da alma a pecadores, criando neles um coração puro, e a vida do corpo aos falecidos, pela ressurreição, Ele, "que faz viver os mortos e chama à existência as coisas que não existem" (Rm 4,17). E uma vez que, pela sua Palavra, pôde fazer resplandecer a luz a partir das trevas, pode também dar a luz da fé àqueles que a desconhecem.
DEUS CRIA UM MUNDO ORDENADO E BOM
299) Já que Deus cria com sabedoria, a criação é ordenada: "Tu dispuseste tudo com medida número e peso" (Sb 11,20). Feita no e por meio do Verbo eterno, "imagem do Deus invisível" (Cl 1,15), a criação está destinada, dirigida ao homem, imagem de Deus, chamado a uma relação pessoal com Ele. Nossa inteligência, que participa da luz do Intelecto divino, pode entender o que Deus nos diz por sua criação, sem dúvida não sem grande esforço e num espírito de humildade e de respeito diante do Criador e de sua obra.
Originada da bondade divina, a criação participa desta bondade: "E Deus viu que isto era bom... muito bom" (Gn 1,4.10.12.18.21.31). Pois a criação é querida por Deus como um dom dirigido ao homem, como uma herança que lhe é destinada e confiada. Repetidas vezes a Igreja teve de defender a bondade da criação, inclusive do mundo material.
DEUS TRANSCENDE A CRIAÇÃO E ESTÁ PRESENTE NELA
300) Deus é infinitamente maior que todas as suas obras: "Sua majestade é mais alta do que os céus" (Sl 8,2), "é incalculável a sua grandeza" (S1 145,3). Mas, por ser o Criador soberano e livre, causa primeira de tudo o que existe, Ele está presente no mais íntimo das suas criaturas: "Nele vivemos, nos movemos e existimos" (At 17,28). Segundo as palavras de Santo Agostinho, ele é "superior summo meo et interior intimo meo - maior do que o que há de maior em mim e mais íntimo do que o que há de mais íntimo em mim".
DEUS MANTÉM E SUSTENTA A CRIAÇÃO
301) Com a criação, Deus não abandona sua criatura a ela mesma. Não somente lhe dá o ser e a existência, mas também a sustenta a todo instante no ser, dá-lhe o dom de agir e a conduz a seu termo. Reconhecer esta dependência completa em relação ao Criador é uma fonte de sabedoria e liberdade, alegria e confiança:
Sim, tu amas tudo o que criaste, não te aborreces com nada do que fizeste; se alguma coisa tivesses odiado, não a terias feito. E como poderia subsistir alguma coisa se não a tivesses querido? Como conservaria a sua existência se não a tivesses chamado? Mas a todos perdoas, porque são teus: Senhor, amigo da vida! (Sb 11,24-26)
V. DEUS REALIZA O SEU PROJETO: A DIVINA PROVIDÊNCIA
302) A criação tem sua bondade e sua perfeição próprias, mas não saiu completamente acabada das mãos do Criador. Ela é criada "em estado de caminhada" ("in statu viae") para uma perfeição última a ser ainda atingida, para a qual Deus a destinou. Chamamos de divina providência as disposições pelas quais Deus conduz sua criação para esta perfeição:
Deus conserva e governa com sua providência tudo o que criou; ela se estende "com vigor de um extremo ao outro e governa o universo com suavidade" (Sb 8,1). Pois "tudo está nu e descoberto aos seus olhos" (Hb 4,13), mesmo os atos dependentes da ação livre das criaturas.
303) O testemunho da Escritura é unânime: a solicitude da divina providência é concreta e direta, toma cuidado de tudo, desde as mínimas coisas até os grandes acontecimentos do mundo e da história. Com vigor, os livros sagrados afirmam a soberania absoluta de Deus no curso dos acontecimentos: "O nosso Deus está no céu e faz tudo o que deseja" (S1 115,3); e de Cristo se diz: "O que abre e ninguém mais fecha, e, fechando, ninguém mais abre" (Ap 3,7). "Muitos são os projetos do coração humano, mas é o desígnio do Senhor que permanece firme" (Pr 19,21).
304) Assim vemos o Espírito Santo, autor principal da Escritura, atribuir muitas vezes ações a Deus, sem mencionar causas segundas. Esta não é uma "maneira de falar" primitiva, mas uma forma profunda de lembrar o primado de Deus e o seu senhorio absoluto sobre a história e o mundo e de assim educar para a confiança nele. A oração dos Salmos é a grande escola desta confiança.
305) Jesus pede uma entrega filial à providência do Pai Celeste, que cuida das mínimas necessidades de seus filhos: "Por isso, não andeis preocupados, dizendo: Que iremos comer? Ou, que iremos beber?... Vosso Pai celeste sabe que tendes necessidade de todas essas coisas. Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas" (Mt 6,31-33).
A PROVIDÊNCIA E AS CAUSAS SEGUNDAS
306) Deus é o Senhor soberano de seus desígnios. Mas, para a realização dos mesmos, serve-se também do concurso das criaturas. Isso não é um sinal de fraqueza, mas da grandeza e da bondade do Deus Todo-Poderoso. Pois Deus não somente dá às suas criaturas o existir, mas também a dignidade de
agirem elas mesmas, de serem causas e princípios umas das outras e de assim cooperarem no cumprimento de seu desígnio.
307) Aos homens, Deus concede até de poderem participar livremente de sua providência, confiando lhes a responsabilidade de "submeter" a terra e de dominá-la. Deus concede assim aos homens serem causas inteligentes e livres para completar a obra da Criação, aperfeiçoar sua harmonia para o bem deles e de seus próximos. Cooperadores muitas vezes inconscientes da vontade divina, os homens podem entrar deliberadamente no plano divino, por suas ações, por suas orações, mas também por seus sofrimentos. Tornam-se então plenamente "cooperadores de Deus" (1Cor 3,9) e do seu Reino.
308) Eis uma verdade inseparável da fé em Deus Criador: Deus age em todo o agir de suas criaturas. E é a causa primeira que opera nas causas segundas e por meio delas: "Pois é Deus quem opera em vós o querer e o operar, segundo a sua vontade" (Fl 2,13). Longe de diminuir a dignidade da criatura, esta verdade a realça. Tirada do nada pelo poder, sabedoria, bondade de Deus, a criatura não pode nada se for cortada de sua origem, pois "a criatura sem o Criador se esvai"; muito menos pode atingir seu fim último sem a ajuda da graça.
A PROVIDÊNCIA E O ESCÂNDALO DO MAL
309) Se Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do mundo ordenado e bom, cuida de todas as suas criaturas, por que então o mal existe? Para esta pergunta tão premente quão inevitável, tão dolorosa quanto misteriosa, não h uma resposta rápida. É o conjunto da fé cristã que constitui a resposta a esta pergunta: a bondade da criação, o drama do pecado, o amor paciente de Deus que se antecipa ao homem por suas Alianças, pela Encarnação redentora de seu Filho, pelo dom do Espírito, pelo congraçamento da Igreja, pela força dos sacramentos, pelo chamado a uma vida bem-aventurada à qual as criaturas livres são convidadas antecipadamente a assentir, mas da qual podem, por um terrível mistério, abrir mão também antecipadamente. Não há nenhum elemento da mensagem cristã que não seja, por uma parte, uma resposta à questão do mal.
310) Mas por que Deus não criou um mundo tão perfeito que nele não possa existir mal algum? Segundo seu poder infinito, Deus sempre poderia criar algo melhor. Todavia, em sua sabedoria e bondade infinitas, Deus quis livremente criar um mundo "em estado de caminhada" para sua perfeição última. Este devir permite, no desígnio de Deus, juntamente com o aparecimento de determinados seres, também o desaparecimento de outros, juntamente com o mais perfeito, também o menos imperfeito, juntamente com as construções da natureza, também as destruições. Juntamente com o bem físico existe, portanto, o mal físico, enquanto a criação não houver atingido sua perfeição.
311) Os anjos e os homens, criaturas inteligentes e livres, devem caminhar para seu destino último por opção livre e amor preferencial. Podem, no entanto, desviar-se. E, de fato, pecaram. Foi assim que o mal moral entrou no mundo, incomensuravelmente mais grave do que o mal físico. Deus não é de modo algum, nem direta nem indiretamente, a causa do mal moral. Todavia, permite-o, respeitando a liberdade de sua criatura e, misteriosamente, sabe auferir dele o bem:
Pois o Deus Todo-Poderoso..., por ser soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal existir em suas obras se não fosse bastante poderoso e bom para fazer resultar o bem do próprio ma1.
312) Assim, com o passar do tempo, pode-se descobrir que Deus, em sua providência todo-poderosa, pode extrair um bem das conseqüências de um mal, mesmo moral, causado por suas criaturas: "Não fostes vós, diz José a seus irmãos, que me enviastes para cá, foi Deus; - o mal que tínheis a intenção de fazer-me, o desígnio de Deus o mudou em bem a fim de - salvar a vida de um povo numeroso" (Gn 45,8; 50,20 Do maior mal moral jamais cometido, a saber, a rejeição e homicídio do Filho de Deus, causado pelos pecados de todos os homens, Deus, pela superabundância de sua graça, tirou o maior dos bens: a glorificação de Cristo e a nossa Redenção. Com isso, porém, o mal não se converte em um bem.
313) "Sabemos que, para os que amam a Deus, tudo concorre para o bem" (Rm 8,28). O testemunho dos santos não cessa de confirmar esta verdade.
Assim, Sta. Catarina de Sena diz "àqueles que se escandalizam e se revoltam com o que lhes acontece": "Tudo procede do amor tudo está ordenado à salvação do homem, Deus não faz nada que não seja para esta finalidade" E Santo Tomás More, pouco antes de seu martírio, consola sua filha: "Não pode acontecer nada que Deus não tenha querido. Ora, tudo o que ele quer, por pior que possa parecer-nos, é o
que há de melhor para nós" E Lady Juliana de Norwich: "Aprendi, portanto, pela graça de Deus, que era preciso apegar-me com firmeza à fé e crer com não menor firmeza que todas as coisas irão bem.... “Tu mesmo verás que qualquer tipo de circunstância servirá para o bem” - Thou shalt see thyself that all MANNER of thing shall be well"
314) Cremos firmemente que Deus é o Senhor do mundo e da história. Mas os caminhos de sua providência muitas vezes nos são desconhecidos. Só no final, quando acabar o nosso conhecimento parcial, quando virmos Deus "face a face" (1 Cor 13,12), teremos pleno conhecimento dos caminhos pelos quais, mesmo por meio dos dramas do mal e do pecado, Deus terá conduzido sua criação até o descanso desse Sábado [fca109] definitivo[fca110] , em vista do qual criou o céu e a terra.
RESUMINDO
315) Na criação do mundo e dos homens, Deus colocou o primeiro e universal testemunho de seu amor Todo-Poderoso e de sua sabedoria, o primeiro anúncio de seu "desígnio benevolente", o qual encontra sua meta na nova criação em Cristo.
316) Embora a obra da criação seja particularmente atribuída ao Pai, é igualmente verdade de fé que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são o único e indivisível princípio da criação.
317) Só Deus criou o universo, livremente, diretamente, sem nenhuma ajuda.
318) Nenhuma criatura tem o poder infinito que é necessário para "criar" no sentido próprio da palavra, isto é, produzir e dar o ser àquilo que não o tinha de modo algum (chamar à existência "ex nihilo" "do nada").
319) Deus criou o mundo para manifestar e para comunicar sua glória. Que suas criaturas participem de sua verdade, de sua bondade e de sua beleza, é a glória para a qual Deus as criou.
320) Deus, que criou o universo o mantém na existência por seu Verbo, "este Filho que sustenta o universo com o poder de sua palavra" (Hb 1,3) e pelo seu Espírito Criador que dá a vida.
321) A Divina Providência são as disposições pelas quais Deus conduz com sabedoria e amor todas as criaturas até seu fim último.
322) Cristo convida-nos à entrega filial à Providência de nosso Pai celeste, e o Apóstolo São Pedro lembra: "Lançai sobre ele toda a vossa preocupação porque é ele que cuida de vós".
323) A Providência divina age também por meio da ação das criaturas. Aos seres humanos Deus concede cooperar livremente para seus desígnios.
324) A permissão divina do mal físico e do mal moral é um mistério que Deus ilumina por seu Filho, Jesus Cristo, morto e ressuscitado para vencer o mal. A fé nos dá a certeza de que Deus não permitiria o mal se do próprio mal não tirasse o bem, por caminhos que só conheceremos plenamente na vida eterna.
PARÁGRAFO 5 - O CÉU E A TERRA
325 O Símbolo dos Apóstolos professa que Deus é "o Criador do céu e da terra", e o Símbolo niceno-constantinopolitano explicita: "... do universo visível e invisível"
326 Na Sagrada Escritura, a expressão "céu e terra" significa tudo aquilo que existe, a criação inteira. Indica também o nexo no interior da criação, que ao mesmo tempo une e distingue céu e terra: "a terra" e o mundo dos homens; "o céu” ou "os céus" pode designar o firmamento, mas também o "lugar" próprio de Deus: "nosso Pai nos céus" (Mt 5,16) e, por conseguinte, também o "céu" que e a glória escatológica. Finalmente, a palavra "céu" indica o "lugar" das criaturas espirituais - os anjos - que estão ao redor de Deus. (Parágrafos relacionados: 290,1023,2794)
327 A profissão de fé do IV Concilio de Latrão afirma que Deus "criou conjuntamente, do nada, desde o início do tempo, ambas as criaturas, a espiritual e a corporal, isto é, os anjos e o mundo terrestre; em seguida, a criatura humana, que tem algo de ambas, por compor-se de espírito e de corpo[fca3] " (Parágrafo relacionado: 296)
I. OS ANJOS
A EXISTÊNCIA DOS ANJOS - UMA VERDADE DE FÉ
328 A existência dos seres espirituais, não-corporais, que Sagrada Escritura chama habitualmente de anjos, é uma verdade de fé. O testemunho da Escritura a respeito é tão claro quanto a unanimidade da Tradição. (Parágrafo relacionado: 150)
QUEM SÃO OS ANJOS?
329 Santo Agostinho diz a respeito deles: "Angelus officii nomen est, non naturae. Quaeris nomen huius naturae, spiritus est; quaeris officium, angelus est; quaeris officium, angelus est, ex eo quod est, spiritus est, ex eo quod agit, angelus - Anjo (mensageiro) é designação de encargo, não de natureza. Se perguntares pela designação da natureza, é um espírito; se perguntares pelo encargo, é um anjo: é espírito
por aquilo que é, é anjo por aquilo que faz". Por todo o seu ser, os anjos são servidores e mensageiros de Deus. Porque contemplam "constantemente a face de meu Pai que está nos céus" (Mt 18,10), são "poderosos executores de sua palavra, obedientes ao som de sua palavra" (Sl 103,20).
330 Como criaturas puramente espirituais, são dotados de inteligência e de vontade: são criaturas pessoais e imortais. Superam em perfeição todas as criaturas visíveis. Disto dá testemunho o fulgor de sua glória.
CRISTO "COM TODOS OS SEUS ANJOS"
331 Cristo é o centro do mundo angélico. São seus os anjos: "Quando o Filho do homem vier em sua glória com todos os seus anjos..." (Mt 25,31). São seus porque foram criados por e para Ele: “Pois foi nele que foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis: Tronos, Dominações, Principados, Potestades; tudo foi criado por Ele e para Ele" (Cl 1,16). São seus, mais ainda, porque Ele os fez mensageiros de seu projeto de salvação. "Porventura não são todos eles espíritos servidores, enviados ao serviço dos que devem herdar a salvação?" (Hb 1,14). (Parágrafo relacionado: 291)
332 Eles aí estão, desde a criação e ao longo de toda a História da Salvação, anunciando de longe ou de perto esta salvação e servindo ao desígnio divino de sua realização: fecham o paraíso terrestre, protegem Lot, salvam Agar e seu fi1ho, seguram a mão de Abraão, comunicam a lei por seu ministério, conduzem o povo de Deus, anunciam nascimentos e vocações, assistem os profetas, para citarmos apenas alguns exemplos. Finalmente, é o anjo Gabriel que anuncia o nascimento do Precursor e o do próprio Jesus.
333 Desde a Encarnação até a Ascensão, a vida do Verbo Encarnado é cercada da adoração e do serviço dos anjos. Quando Deus “introduziu o Primogênito no mundo, disse: - Adorem-no todos os anjos de Deus- ” (Hb 1,6). O canto de louvor deles ao nascimento de Cristo não cessou de ressoar no louvor da Igreja: "Glória a Deus..." (Lc 2,14). Protegem a infância de Jesus, servem a Jesus no deserto, reconfortam-no na agonia, embora tivesse podido ser salvo por eles da mão dos inimigos, como outrora fora Israel. São ainda os anjos que "evangelizam", anunciando a Boa Nova da Encarnação e da Ressurreição de Cristo. Estarão presentes no retorno de Cristo, que eles anunciam serviço do juízo que o próprio Cristo pronunciará. (Parágrafo relacionado: 559)
OS ANJOS NA VIDA DA IGREJA
334 Do mesmo modo, a vida da Igreja se beneficia da ajuda misteriosa e poderosa dos anjos
.335 Em sua Liturgia, a Igreja se associa aos anjos para adora o Deus três vezes Santo; ela invoca a sua assistência (assim em In Paradisum deducant te Angeli... - Para o Paraíso te levem os anjos, da Liturgia dos defuntos, ou ainda no "hino querubínico" da Liturgia bizantina). Além disso, festeja mais particularmente a memória de certos anjos (São Miguel, São Gabriel, São Rafael, os anjos da guarda). (Parágrafo relacionado: 1138)
336 Desde o início até a morte, a vida humana é cercada por sua proteção e por sua intercessão. "Cada fiel é ladeado por um anjo como protetor e pastor para conduzi-lo à vida." Ainda aqui na terra, a vida cristã participa na fé da sociedade bem-aventurada dos anjos e dos homens, unidos em Deus. (Parágrafo relacionado: 1020)
II. O MUNDO VISÍVEL
337 Foi Deus mesmo quem criou o mundo visível em toda a sua riqueza, diversidade e ordem. A Escritura apresenta a obra do Criador simbolicamente como uma seqüência de seis dias “de trabalho” divino que terminam com o "descanso" do sétimo dia. O texto sagrado ensina, a respeito da criação, verdades reveladas por Deus para nossa salvação que permitem "reconhecer a natureza profunda da criação, seu valor e sua finalidade, que é a glória de Deus". (Parágrafos relacionados: 290,293)
338 Não existe nada que não deva sua existência a Deus criador. O mundo começou quando foi tirado do nada pela Palavra de Deus; todos os seres existentes, toda a natureza, toda a história humana têm suas raízes neste acontecimento primordial: é a própria gênese pela qual o mundo foi constituído e o tempo começou. (Parágrafo relacionado: 297)
339 Cada criatura possui sua bondade e sua perfeição próprias. Para cada uma das obras dos "seis dias" se diz: "E Deus viu que isto era bom". "Pela própria condição da criação, todas as coisas são dotadas de fundamento próprio, verdade, bondade, leis e ordens especificas." As diferentes criaturas, queridas em seu próprio ser, refletem, cada uma a seu modo, um raio da sabedoria e da bondade infinitas de Deus. É por isso que o homem deve respeitar a bondade própria de cada criatura para evitar um uso desordenado das coisas, que menospreze o Criador e acarrete conseqüências nefastas para os homens e seu meio ambiente. (Parágrafos relacionados: 2501,299,226)
340 A interdependência das criaturas é querida por Deus. O sol e a lua, o cedro e a pequena flor, a águia e o pardal: as inúmeras diversidades e desigualdades significam que nenhuma criatura se basta a si mesma, que só existem em dependência recíproca, para se completarem mutuamente, a serviço umas das outras. (Parágrafo relacionado: 1937)
341 A beleza do universo. A ordem e a harmonia do mundo criado resultam da diversidade dos seres e das relações que existem entre eles. O homem as descobre progressivamente como leis da natureza. Elas despertam a admiração dos sábios. A beleza da criação reflete a infinita beleza do Criador. Ela deve inspirar o respeito e a submissão da inteligência do homem e de sua vontade. (Parágrafos relacionados: 283,2500)
342 A hierarquia das criaturas é expressa pela ordem dos "seis dias", que vai do menos perfeito ao mais perfeito. Deus ama todas as suas criaturas[fca44] , cuida de cada uma, até mesmo dos pássaros. Apesar disso, Jesus diz: "Vós valeis mais do que muitos pardais" (Lc 12,7), ou ainda: "Um homem vale muito mais do que uma ovelha" (Mt 12,12). (Parágrafo relacionado: 310)
343 O homem é a obra-prima do obra do criação. A narração bíblica exprime isto distinguindo nitidamente a criação do homem da criação das outras criaturas[fca45] . (Parágrafo relacionado: 335)
344 Existe uma solidariedade entre todas as criaturas pelo fato de terem todas o mesmo Criador e de todas estarem ordenadas à sua glória: (Parágrafos relacionados: 293,139,2416)
Louvado sejas, meu Senhor.
Com todas as tuas criaturas,
Especialmente o senhor irmão Sol,
Que clareia o dia
E com sua LUZ nos alumia.
Louvado sejas, meu Senhor,
Pela irmã água,
Que é muito útil e humilde
E preciosa e casta...
Louvado sejas, meu Senhor,
Por nossa irmã, a mãe Terra,
Que nos sustenta e governa,
E produz frutos diversos
E coloridas flores e ervas.
Louvai e bendizei a meu Senhor,
E dai-lhe graças,
E servi-o com grande humildade.
(Parágrafo relacionado: 1218)
345 O Sábado - fim da obra dos "seis dias". O texto sagrado diz que "Deus concluiu no sétimo dia a obra que tinha feito", e assim "o céu e a terra foram terminados", e no sétimo dia Deus "descansou", e santificou e abençoou este dia (Gn 2,1-3). Essas palavras inspiradas são ricas de ensinamentos salutares: (Parágrafo relacionado: 2168)
346 Na criação, Deus depositou um fundamento e leis que permanecem estáveis, nos quais o crente poder apoiar-se com confiança e que para ele serão o sinal e a garantia da fidelidade inabalável da Aliança de Deus. Por sua parte, o homem deverá ficar fiel a este fundamento e respeitar as leis que o Criador inscreveu nele. (Parágrafo relacionado: 2169)
347 A criação está em função do Sábado e portanto do culto e da adoração de Deus. O culto está inscrito na ordem da criação. "Nada se anteponha à obra de Deus", diz a regra de São Bento, indicando assim a ordem correta das preocupações humanas. (Parágrafos relacionados: 1145,1152)
348 O Sábado constitui o coração da lei de Israel. Observar os mandamentos é corresponder à sabedoria e à vontade de Deus expressa em sua obra de criação. (Parágrafo relacionado: 2172)
349 O oitavo dia. Mas para nós nasceu um dia novo: o dia da Ressurreição de Cristo. O sétimo dia encerra a primeira criação. O oitavo dia dá início à nova criação. Assim, a obra da criação culmina na obra maior da redenção. A primeira criação encontra seu sentido e seu ponto culminante na nova criação em Cristo, cujo esplendor ultrapassa o da primeira. (Parágrafos relacionados: 2174,1046)
RESUMINDO
350 Os anjos são criaturas espirituais que glorificam a Deus sem cessar e servem a seus desígnios salvíficos em relação às demais criaturas: "Ad omnia bona nostra cooperantur angeli. - Os anjos cooperam para todos os nossos bens”
351 Os anjos cercam Cristo, seu Senhor. Servem-no particularmente, no cumprimento de sua missão salvífica para com os homens.
352 A Igreja venera os anjos que a ajudam em sua peregrinação terrestre e protegem cada ser humano.
353 Deus quis a diversidade de suas criaturas e a bondade própria delas, sua interdependência e ordem. Destinou todas a criaturas materiais ao bem do gênero humano. O homem, e por meio dele a criação inteira, destina-se à glória de Deus.
354 Respeitar as leis inscritas na criação e as relações que derivam da natureza das coisas é princípio de sabedoria e fundamento da moral.
PARÁGRAFO 6
O HOMEM
355 “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou" (Gn 1,27). O homem ocupa um lugar único na criação: ele é "a imagem de Deus" (I); em sua própria natureza une o mundo espiritual e o mundo material (II); é criado "homem e mulher" (III); Deus o estabeleceu em sua amizade (IV). (Parágrafos relacionados: 1700,343)
I. "À IMAGEM DE DEUS"
356 De todas as criaturas visíveis, só o homem é "capaz de conhecer e amar seu Criador”; ele é "a única criatura na terra que Deus quis por si mesma"; só ele é chamado a compartilhar, pelo conhecimento e pelo amor, a vida de Deus. Foi para este fim que o homem foi criado, e aí reside a razão fundamental de sua dignidade: (Parágrafos relacionados: 1703,2258,225)
Que motivo vos fez constituir o homem em dignidade tão grande? O amor inestimável pelo qual enxergastes em vós mesmo vossa criatura, e vos apaixonastes por ela; pois foi por amor que a criastes, foi por amor que lhe destes um ser capaz de degustar vosso Bem eterno. (Parágrafo relacionado: 295)
357 Por ser à imagem de Deus, o indivíduo humano tem a dignidade de pessoa: ele não é apenas alguma coisa, mas alguém. É capaz de conhecer-se, de possuir-se e de doar-se livremente e entrar em comunhão com outras pessoas, e é chamado, por graça, a uma aliança com seu Criador, a oferecer-lhe uma resposta de é e de amor que ninguém mais pode dar em seu lugar. (Parágrafos relacionados: 1935,1877)
358 Deus criou tudo para o homem, mas o homem foi criado, para servir e amar a Deus e oferecer lhe toda a criação: (Parágrafos relacionados: 299,901)
Quem é, pois, o ser que vai vir à existência cercado de tal consideração? E o homem, grande e admirável figura viva, mais precioso aos olhos de Deus do que a criação inteira: é o homem, é para ele que existem o céu e a terra e o mar e a totalidade da criação, e é à salvação dele que Deus atribuiu tanta importância que nem sequer poupou seu Filho único em seu favor. Pois Deus não cessou de tudo empreender para fazer o homem subir até ele e fazê-lo sentar-se à sua direita.
359 Na realidade o mistério do homem só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo Encarnado." (Parágrafo relacionado: 1701)
São Paulo ensina-nos que dois homens estão na origem do gênero humano: Adão e Cristo... "O primeiro Adão", diz ele, "foi criado como um ser humano que recebeu a vida; o segundo é um ser espiritual que dá a vida." O primeiro foi criado pelo segundo, de quem recebeu a alma que o faz viver... O segundo Adão estabeleceu sua imagem no primeiro Adão quando o modelou. E assim se revestiu da natureza deste último e dele recebeu o nome, a fim de não deixar perder aquilo que havia feito à sua imagem. Primeiro Adão, segundo Adão: o primeiro começou, o segundo não acabará. Pois o segundo é verdadeiramente o primeiro, como ele mesma disse: "Eu sou o Primeiro e o último" (Parágrafos relacionados: 388,411)
360 Graças à Origem comum, o gênero humano forma uma unidade. Pois Deus "de um só fez toda a raça humana" (At 1 7,26[fca60] ): (Parágrafos relacionados: 225,404,775,831,842)
Maravilhosa visão que nos faz contemplar o gênero humano na unidade de sua origem em Deus...; na unidade de sua natureza, composta igualmente em todos de um corpo material e de uma alma espiritual; na unidade de seu fim imediato e de sua missão no mundo; na unidade de seu hábitat: a terra, de cujos bens todos os homens, por direito natural, podem usar para sustentar e desenvolver a vida; na unidade de seu fim sobrenatural: Deus mesmo, ao qual todos devem tender; na unidade dos meios para atingir este fim;... na unidade do seu resgate, realizado em favor de todos por Cristo.
361 "Esta lei de solidariedade humana e de caridade[fca62] ”, sem excluir a rica variedade das pessoas, das culturas e dos povos, nos garante que todos os homens são verdadeiramente irmãos. (Parágrafo relacionado: 1939)
II. "CORPORE ET ANIMA UNUS" (UNO DE ALMA E CORPO)
362 A pessoa humana, criada à imagem de Deus, é um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual. O relato bíblico exprime esta realidade com uma linguagem simbólica, ao afirmar que "O Senhor Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente" (Gn 2,7). Portanto, o homem em sua totalidade é querido por Deus. (Parágrafos relacionados: 1146,2332)
363 Muitas vezes o termo alma designa na Sagrada Escritura a vida humana [fca63] ou a pessoa humana inteira. Mas designa também o que há de mais íntimo no homem e o que há nele de maior valor, aquilo que mais particularmente o faz ser imagem de Deus: "alma" significa o princípio espiritual no homem. (Parágrafo relacionado: 1703)
364 O corpo do homem participa da dignidade da "imagem de Deus": ele é corpo humano precisamente porque é animado pela alma espiritual, e é a pessoa humana inteira que está destinada a tornar-se, no Corpo de Cristo, o Templo do Espírito. (Parágrafo relacionado: 1004)
Unidade de corpo e de alma, o homem, por sua própria condição corporal, sintetiza em si os elementos do mundo material, que nele assim atinge sua plenitude e apresenta livremente ao Criador uma voz de louvor. Não é, portanto, lícito ao homem desprezar a vida corporal; ao contrario, deve estimar e honrar seu corpo, porque criado por Deus e destinado à ressurreição no último dia. (Parágrafo relacionado: 2289)
365 A unidade da alma e do corpo é tão profunda que se deve considerar a alma como a "forma" do corpo; ou seja, é graças à alma espiritual que o corpo constituído de matéria é um corpo humano e vivo; o espírito e a matéria no homem não são duas naturezas unidas, mas a união deles forma uma única natureza.
366 A Igreja ensina que cada alma espiritual é diretamente criada por Deus - não é "produzida" pelos pais - e é imortal: ela não perece quando da separação do corpo na morte e se unirá novamente ao corpo na ressurreição final. (Parágrafos relacionados: 1005,997)
367 Por vezes ocorre que a alma aparece distinta do espírito. Assim, São Paulo ora para que nosso "ser inteiro, o espírito, a alma e o corpo", seja guardado irrepreensível na Vinda do Senhor (1 Ts 5,23). A Igreja ensina que esta distinção não introduz uma dualidade na alma. "Espírito" significa que o homem está ordenado desde a sua criação para seu fim sobrenatural, e que sua alma é capaz de ser elevada
gratuitamente à comunhão com Deus. (Parágrafo relacionado: 2083)
368 A tradição espiritual da Igreja insiste também no coração, no sentido bíblico de "fundo do ser" (Jr 31,33), onde a pessoa se decide ou não por Deus. (Parágrafos relacionados: 478,582,1431,1764,2517,2562,2843,2331,2336)
III. "HOMEM E MULHER OS CRIOU"
IGUALDADE E DIFERENÇA QUERIDAS POR DEUS
369 O homem e a mulher são criados, isto é, são queridos por Deus: por um lado, em perfeita igualdade como pessoas humanas e, por outro, em seu ser respectivo de homem e de mulher. "Ser homem, 'ser mulher" é uma realidade boa e querida por Deus: o homem e a mulher têm uma dignidade inamissível que lhes vem diretamente de Deus, seu Criador. O homem e a mulher são criados em idêntica dignidade, "à imagem de Deus". Em seu "ser-homem" e seu "ser-mulher” refletem a sabedoria e a bondade do Criador.
370 Deus não é de modo algum à imagem do homem. Não é nem homem nem mulher. Deus é puro espírito, não havendo nele lugar para a diferença dos sexos. Mas as "perfeições" do homem e da mulher refletem algo da infinita perfeição de Deus: as de uma mãe e as de um pai e esposo. (Parágrafos relacionados: 42,239)
"UM PARA O OUTRO" "UMA UNIDADE A DOIS"
371 Criados conjuntamente, Deus quer o homem e a mulher um para o outro. A Palavra de Deus dá nos a entender isto por meio de diversas passagens do texto sagrado. "Não é bom que o homem esteja só.
Vou fazer uma auxiliar que lhe corresponda" (Gn 2,18). Nenhum dos animais pode ser este "vis-à-vis" do varão[fca80] . A mulher que Deus "modela" da costela tirada do varão e que leva a ele provoca da parte do homem um grito de admiração, uma exclamação de amor e de comunhão: "É osso de meus e carne de minha carne" (Gn 2,23). O homem descobre a mulher como um outro "eu" da mesma humanidade. (Parágrafo relacionado: 1605)
372 O homem e a mulher são feitos "um para o outro": não que Deus os tivesse feito apenas "pela metade" e "incompletos"; criou-os para uma comunhão de pessoas, na qual cada um dos dois pode ser "ajuda" para o outro, por serem ao mesmo tempo iguais enquanto pessoas ("osso de meus ossos...") e complementares enquanto masculino e feminino. No matrimônio, Deus os une de maneira que, formando "uma só carne" (Gn 2,24), possam transmitir a vida humana: "Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra" (Gn 1,28). Ao transmitir a seus descendentes a vida humana, o homem e a mulher, como esposos e pais,
cooperam de forma única na obra do Criador. (Parágrafo relacionado: 1652,2366)
373 No desígnio de Deus, o homem e a mulher têm a vocação de "submeter" a terra como "intendentes" de Deus. Esta soberania não deve ser uma dominação arbitrária e destrutiva. À imagem do Criador "que ama tudo o que existe" (Sb 11,24), o homem e a mulher são chamados a participar da Providência divina em relação às demais criaturas. Daí a responsabilidade deles para com o mundo que Deus lhes confiou. (Parágrafos relacionados: 307,2415)
IV. O HOMEM NO PARAÍSO
374 O primeiro homem não só foi criado bom, mas também foi constituído em uma amizade com seu Criador e em tal harmonia consigo mesmo e com a criação que o rodeava que só serão superadas pela glória da nova criação em Cristo. (Parágrafo relacionado: 54)
375 Interpretando de maneira autêntica o simbolismo da linguagem bíblica à luz do Novo Testamento e da Tradição, a Igreja ensina que nossos primeiros pais, Adão e Eva, foram constituídos em um estado "de santidade e de justiça original". Esta graça da santidade original era uma participação da vida divina. (Parágrafo relacionado: 1997)
376 Pela irradiação desta graça, todas as dimensões da vida do homem eram fortalecidas. Enquanto permanecesse na intimidade divina, o homem não devia nem morrer nem sofrer. A harmonia interior da pessoa humana, a harmonia entre o homem e a mulher e, finalmente, a harmonia entre o primeiro casal e toda a criação constituíam o estado denominado "justiça original". (Parágrafos relacionados:
1008,1502)
377 O "domínio" do mundo que Deus havia outorgado ao homem desde o início realizava-se antes de tudo no próprio homem como domínio de si mesmo. O homem estava intacto e ordenação em todo o seu ser, porque livre da tríplice concupiscência [fca89] que o submete aos prazeres dos sentidos, à cobiça dos bens terrestres e à auto-afirmação contra os imperativos da razão. (Parágrafo relacionado: 2514)
378 O sinal da familiaridade com Deus é o fato de Deus o colocar no jardim[fca90] . Lá vive "para cultivá-lo e guardá-lo” (Gn 2,15): o trabalho não é uma penalidade[fca91] , mas sim a colaboração do homem e da mulher com Deus no aperfeiçoamento da criação visível. (Parágrafos relacionados: 2415,2417)
379 E toda esta harmonia da justiça original, prevista para o homem pelo desígnio de Deus, que será perdida pelo pecado de nossos primeiros pais.
RESUMINDO
380 "Pai Santo, criastes o homem e a mulher à vossa imagem e lhes confiastes todo o universo, para que, servindo a Vós, seu Criador, dominassem toda criatura"
381 O homem é predestinado a reproduzir a imagem do Filho de Deus feito homem "imagem do Deus invisível" (Cl 1,15), a fim de que Cristo seja o primogênito de uma multidão de irmãos e de irmãs.
382 O homem é "corpore et anima unus" (uno de corpo e alma). A doutrina da fé afirma que a alma espiritual e imortal é criada diretamente por Deus.
383 "Deus não criou o homem solitário. Desde o início, 'Deus os criou varão e mulher' (Gn 1,27). Esta união constituiu a primeira forma de comunhão de pessoas."
384 A revelação dá-nos a conhecer o estado de santidade e de justiça originais do homem e da mulher antes do pecado: da amizade deles com Deus advinha a felicidade da existência deles no Paraíso.
CAPITULO II - CREIO EM JESUS CRISTO, FILHO ÚNICO DE DEUS A BOA NOVA: DEUS ENVIOU SEU FILHO
422 "Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei, para remir os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial" (Gl 4,4- 5). Este é "o Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus": Deus visitou seu povo, cumpriu as promessas feitas a Abraão e à sua descendência; fê-lo para além de toda expectativa: enviou seu "Filho bem-amado”. (Parágrafos relacionados: 389,2763)
423 Cremos e confessamos que Jesus de Nazaré, nascido judeu de uma filha de Israel, em Belém, no tempo do rei Herodes Magno e do imperador César Augusto, carpinteiro de profissão, morto e crucificado em Jerusalém, sob o procurador Pôncio Pilatos, durante o reinado do imperador Tibério, é o Filho eterno de Deus feito homem; que ele "veio de Deus" (Jo 13,3), "desceu do céu" (Jo 3,13; 6,33), "veio na carne", pois "o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e nós vimos sua glória, glória que ele tem junto ao Pai, como Filho único, cheio de graça e de verdade... Pois de sua plenitude nós recebemos graça por graça" (Jo 1,14-16).
424 Movidos pela graça do Espírito Santo e atraídos pelo Pai, cremos e confessamos acerca de Jesus: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (Mt 16,16). Foi sobre a rocha desta fé, confessada por São Pedro, que Cristo construiu sua Igreja[a5]. (Parágrafos relacionados: 683,552)
"ANUNCIAR... A INSONDÁVEL RIQUEZA DE CRISTO" (Ef 3,8)
425 A transmissão da fé cristã é primeiramente o anúncio de Jesus Cristo, para levar à fé nele. Desde o começo, os primeiros discípulos ardiam do desejo de anunciar Cristo: "Pois não podemos, nós, deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos" (At 4,20). E convidam os homens de todos os tempos a entrarem na alegria de sua comunhão com Cristo: (Parágrafos relacionados: 850,858)
O que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e o que nossas mãos apalparam do Verbo da vida – porque a Vida manifestou-se: nós a vimos e lhe damos testemunho e vos anunciamos a Vida Eterna, que estava voltada para o Pai e que no; apareceu -, o que vimos e ouvimos, vo-lo anunciamos para que estejais também em comunhão conosco. E nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo. E isto vos escrevemos para que nossa alegria seja completa (1Jo 1,1-4).
CRISTO É O CENTRO DA CATEQUESE
426 No centro da catequese encontramos essencialmente uma Pessoa, a de Jesus de Nazaré, Filho único do Pai..., que sofreu e morreu por nós e agora, ressuscitado, vive conosco para sempre... Catequizar... é desvendar na Pessoa de Cristo todo o desígnio eterno de Deus que nela se realiza. E procurar compreender o significado dos gestos e das palavras de Cristo e dos sinais realizados por Ele." A finalidade definitiva da catequese é "levar à comunhão com Jesus Cristo: só ele pode conduzir ao amor do Pai no Espírito e fazer-nos participar da vida da Santíssima Trindade". (Parágrafos relacionados: 1698,513,260)
427 "Na catequese, é Cristo, Verbo Encarnado e Filho de Deus, que é ensinado - todo o resto está em relação com ele; e somente Cristo ensina; todo outro que ensine, fá-lo na medida em que é seu porta voz, permitindo a Cristo ensinar por sua boca... Todo catequista deveria poder aplicar a si mesmo a misteriosa palavra de Jesus: 'Minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou' (Jo 7,16[a8] )." (Parágrafos relacionados: 2145,876)
428 Aquele que é chamado a "ensinar o Cristo" deve, portanto, procurar primeiro "este ganho supereminente que é o conhecimento de Cristo"; é preciso "aceitar perder tudo... a fim de ganhar a Cristo e
ser achado nele", e "conhecer o poder de sua Ressurreição e a participação em seus sofrimentos, conformando-me com ele em sua Morte, para ver se alcanço a ressurreição de entre os mortos" (Fl 3,8-11).
429 É deste conhecimento amoroso de Cristo que jorra o desejo de anunciá-lo, de "evangelizar" e de levar outros ao "sim" da fé em Jesus Cristo. Mas ao mesmo tempo se faz sentir a necessidade de conhecer cada vez melhor esta fé. Para este fim, segundo a ordem do Símbolo da fé, primeiro serão apresentados os principais títulos de Jesus: Cristo, o Filho de Deus, o Senhor (artigo 2). Em seguida, o Símbolo confessa os principais Mistérios da vida de Cristo: os de sua Encarnação (artigo 3), os de sua Páscoa (artigos 4 e 5) e, finalmente, os de sua Glorificação (artigos 6 e 7). (Parágrafo relacionado: 851)
ARTIGO 2
"E EM JESUS CRISTO, SEU FILHO ÚNICO, NOSSO SENHOR"
I- JESUS
430 Jesus quer dizer, em hebraico, "Deus salva". No momento da Anunciação, o anjo Gabriel dá-lhe como nome próprio o nome de Jesus, que exprime ao mesmo tempo sua identidade e missão. Uma vez que "só Deus pode perdoar os pecados" (Mc 2,7), é Ele que, em Jesus, seu Filho eterno feito homem, "salvará seu povo dos pecados" (Mt 1,21). Em Jesus, portanto, Deus recapitula toda a sua história de salvação em favor dos homens. (Parágrafos relacionados: 210,402)
431 Na História da Salvação, Deus não se contentou em libertar Israel da "casa da escravidão" (Dt 5,6), fazendo-o sair do Egito. Salva-o também de seu pecado. Por ser o pecado sempre uma ofensa feita a Deus, só ele pode perdoá-lo. Por isso Israel, tomando consciência cada vez mais clara da universalidade do pecado, não poder mais procurar a salvação a não ser na invocação do Nome do Deus Redentor. (Parágrafos relacionados: 1441,1850,388)
432 O nome de Jesus significa que o próprio nome de Deus está presente na pessoa de seu Filho feito homem para a redenção universal e definitiva dos pecados. E o único nome divino que traz a salvação e a partir de agora pode ser invocado por todos, pois se uniu a todos os homens pela Encarnação, de sorte que "não existe debaixo do céu outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos" (At 4,12[a16] ). (Parágrafos relacionados: 589,266,389,161)
433 O nome do Deus Salvador era invocado uma só vez por ano pelo sumo sacerdote para a expiação dos pecados de Israel, depois de ele aspergir o propiciatório do Santo dos Santos com o sangue do sacrifício. O propiciatório era o lugar da presença de Deus. Quando São Paulo diz de Jesus que "Deus o destinou como instrumento de propiciação, por seu próprio Sangue" (Rm 3,25), quer afirmar que na
humanidade deste último "era Deus que em Cristo reconciliava consigo o mundo" (2Cor 5,19). (Parágrafo relacionado: 615)
434 A Ressurreição de Jesus glorifica o nome do Deus Salvador, pois a partir de agora é o nome de Jesus que manifesta em plenitude o poder supremo do "nome acima de todo nome". Os espíritos maus temem seu nome, e é em nome dele que os discípulos de Jesus operam milagres, pois tudo o que pedem ao Pai em seu nome o Pai lhes concede. (Parágrafos relacionados: 2812,2614)
435 O nome de Jesus está no cerne da oração cristã. Todas as orações litúrgicas são concluídas pela fórmula "per Dominum nostrum Iesum Christum por Nosso Senhor Jesus Cristo...". A "Ave-Maria" culmina no "e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus". A oração oriental do coração denominada "oração a Jesus" diz: "Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim, pecador". Numerosos cristãos, como Sta. Joana d'Arc, morrem tendo nos lábios apenas o nome de Jesus. (Parágrafos relacionados: 2667,2668,2676)
II. CRISTO
436 Cristo vem da tradução grega do termo hebraico "Messias", que quer dizer "ungido". Só se toma o nome próprio de Jesus porque este leva à perfeição a missão divina que significa. Com efeito, em Israel eram ungidos em nome de Deus os que lhe eram consagrados para uma missão vinda dele. Era o caso
dos reis, dos sacerdotes e, em raras ocasiões, dos profetas. Esse devia ser por excelência o caso do Messias que Deus enviaria para instaurar definitivamente seu Reino. O Messias devia ser ungido pelo Espírito do Senhor ao mesmo tempo como rei e sacerdote, mas também como profeta. Jesus realizou a esperança messiânica de Israel em sua tríplice função de sacerdote, profeta e rei. (Parágrafos relacionados: 690,695,711-716,783)
437 O anjo anunciou aos pastores o nascimento de Jesus como o do Messias prometido a Israel: "Hoje, na cidade de Davi, nasceu-vos um Salvador que é o Cristo Senhor" (Lc 2,11). Desde o inicio Ele é "aquele que o Pai consagrou e enviou ao mundo" (Jo 10,36), concebido como "Santo" no seio virginal de Maria. José foi chamado por Deus "a receber Maria, sua mulher", grávida "daquele que foi gerado nela pelo Espírito Santo" (Mt 1,21), para que Jesus, "que se chama Cristo", nascesse da esposa de José na descendência messiânica de Davi (Mt 1,16). (Parágrafos relacionados: 486,525)
438 A consagração messiânica de Jesus manifesta sua missão divina. "É, aliás, o que indica seu próprio nome, pois no nome de Cristo está subentendido Aquele que ungiu, Aquele que foi ungido e a própria Unção com que ele foi ungido dado: Aquele que ungiu é o Pai, Aquele que foi ungido é o Filho, e o foi no Espírito, que é a Unção." Sua consagração messiânica eterna revelou-se no tempo de sua vida terrestre, por ocasião de seu Batismo por João, quando "Deus o ungiu com o Espírito Santo e poder" (At 10,38), "para que ele fosse manifestado a Israel" (Jo 1,31) como seu Messias. Por suas obras e palavras será conhecido como "o Santo de Deus". (Parágrafos relacionados: 727,535)
439 Numerosos judeus e até certos pagãos os que compartilhavam a esperança deles reconheceram em Jesus os traços fundamentais tais do "Filho de Davi" messiânico, prometido por Deus a Israel. Jesus aceitou o título de Messias ao qual tinha direito, mas com reserva, pois este era entendido por uma parte de seus contemporâneos segundo uma concepção demasiadamente humana, essencialmente política. (Parágrafos relacionados: 528-529,547)
440 Jesus acolheu a profissão de fé de Pedro, que o reconhecia como o Messias anunciando a Paixão iminente do Filho do Homem. Desvendou o conteúdo autêntico de sua realeza messiânica, seja na identidade transcendente do Filho do Homem "que desceu do Céu" (Jo 3,13) seja em sua missão redentora como Servo sofredor: "O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate pela multidão" (Mt 20,28[a42] ). Por isso o verdadeiro sentido de sua realeza só se manifestou do alto da Cruz. É somente após sua Ressurreição que sua realeza messiânica poderá ser proclamada por Pedro diante do povo de Deus: "Que toda casa de Israel saiba com certeza: Deus o constituiu Senhor e Cristo, este Jesus que vós crucificastes" (At 2,36). (Parágrafos relacionados: 552,550,445)
III. FILHO ÚNICO DE DEUS
441 Filho de Deus, no Antigo Testamento, é um título aos anjos, ao povo da Eleição, aos filhos de Israel e a seus reis. Significa então uma filiação adotiva que estabelece entre Deus e sua criatura relações de uma intimidade especial. Quando o Rei-Messias prometido é chamado "filho de Deus", isso não implica necessariamente, segundo o sentido literal desses textos, que ele ultrapasse o nível humano. Os que designaram Jesus como Messias de Israel talvez não tenham tido a intenção de dizer mais do que isto.
442 Não acontece o mesmo com Pedro, quando confessa Jesus como "o Cristo, o Filho do Deus vivo", pois este lhe responde com solenidade: "Não foi a carne e o sangue que te revelaram isso, e sim meu Pai que está nos Céus" (Mt 16,17). Paralelamente, Paulo dirá a propósito de sua conversão no caminho para Damasco: Quando, porém, aquele que me separou desde o seio materno e me chamou, por sua graça houve por bem revelar em mim o seu Filho, para que eu o evangelizasse entre os gentios..." (Gl 1,15-16). "Imediatamente, nas sinagogas, começou a proclamar Jesus, afirmando que ele é o Filho de Deus" (At 9,20). Este será desde o início o centro da fé apostólica professada primeiro por Pedro como fundamento da Igreja. (Parágrafos relacionados: 552,424)
443 Se Pedro pôde reconhecer o caráter transcendente da filiação divina de Jesus Messias foi porque este o deu a entender claramente. Diante do Sinédrio, a pergunta de seus acusadores: "Tu és então o Filho de Deus?", Jesus respondeu: "Vós dizeis que eu Sou" (Lc 22,70). Já bem antes, Ele se designara como "o Filho" que conhece o Pai [a56] e que é diferente dos "servos" que Deus enviou anteriormente a seu povo, superior aos próprios anjos. Distinguiu sua filiação daquela de seus discípulos, não dizendo nunca "nosso Pai",
a não ser para ordenar-lhes: "Portanto, orai desta maneira: Pai Nosso" (Mt 6,9); e sublinhou esta distinção: "Meu Pai e vosso Pai" (Jo 20,17). (Parágrafo relacionado: 2786)
444 Os Evangelhos narram em dois momentos solenes - o Batismo e a Transfiguração de Cristo - a voz do Pai a designá-lo como seu "Filho bem-amado". Jesus designa-se a si mesmo como "o Filho Único de Deus" (Jo 3,16) e afirma com este título sua preexistência eterna. Exige a fé "em nome do Filho Único de Deus" (Jo 3,18). Esta confissão cristã aparece já na exclamação do centurião diante de Jesus na cruz: "Verdadeiramente este homem era Filho de Deus" (Mc 15,39), pois somente no Mistério Pascal o fiel cristão pode entender o pleno significado do título "Filho de Deus". (Parágrafos relacionados: 536,554)
445 É depois de sua Ressurreição que a filiação divina de Jesus aparece no poder de sua humanidade glorificada: "Estabelecido Filho de Deus com poder por sua Ressurreição dos mortos" (Rm 1,4). Os apóstolos poderão confessar: "Nós vimos a sua glória, glória que ele tem junto ao Pai como Filhos Único, cheio de graça e de verdade" (Jo 1,14). (Parágrafo relacionado: 653)
IV. SENHOR
446 Na versão grega dos livros do Antigo Testamento, o nome inefável com o qual Deus se revelou a Moisés, Iahweh, traduzido por "Kýrios" ["Senhor"]. Senhor torna-se desde então o nome mais habitual para designar a própria divindade do Deus de Israel. É neste sentido forte que o Novo Testamento utiliza o título de "Senhor" para o Pai, e também - e aí está a novidade - para Jesus reconhecido assim como o próprio Deus. (Parágrafo relacionado: 209)
447 Jesus mesmo atribui-se de maneira velada este título quando discute com os fariseus sobre o sentido do Salmo 110, mas também de modo explícito dirigindo-se a seus apóstolos. Ao longo de toda a sua vida pública, seus gestos de domínio sobre a natureza, sobre as doenças, sobre os demônios, sobre a morte e o pecado demonstravam sua soberania divina. (Parágrafo relacionado: 548)
448 Muito freqüentemente nos Evangelhos determinadas pessoas se dirigem a Jesus chamando-o de "Senhor". Este título exprime o respeito e a confiança dos que se achegam a Jesus e esperam dele ajuda e cura. Sob a moção do Espírito Santo, ele exprime o reconhecimento do Mistério Divino de Jesus. No encontro com Jesus ressuscitado, ele se transforma em expressão de adoração: "Meu Senhor e meu Deus!" (Jo 20,28). Assume então uma conotação de amor e afeição que tornar-se-á peculiar à tradição cristã: "É o Senhor!" (Jo 21,7). (Parágrafos relacionados: 208,683,641)
449 Ao atribuir a Jesus o título divino de Senhor, as primeiras confissões de fé da Igreja afirmam, desde o início, que o poder, a honra e a glória devidos a Deus Pai cabem também a Jesus[a70] , por ser Ele "de condição divina" (Fl 2,6) e ter o Pai manifestado esta soberania de Jesus ressuscitando-o dos mortos e exaltando-o em sua glória. (Parágrafo relacionado: 461,653)
450 Desde o principio da história cristã a afirmação do senhorio de Jesus sobre o mundo e sobre a história significa também o reconhecimento de que o homem não deve submeter sua liberdade de pessoal, de maneira absoluta, a nenhum poder terrestre, mas somente a Deus Pai e ao Senhor Jesus Cristo: César não é "o Senhor. "A Igreja crê... que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram em seu Senhor e Mestre." (Parágrafos relacionados: 668-672,2242)
451 A oração cristã é marcava pelo título "Senhor", quer se trate do convite à oração "o Senhor esteja convosco" ou da conclusão da oração, "por Jesus Cristo nosso Senhor", ou ainda do grito cheio de confiança e de esperança: "Maran atha" ("o Senhor vem!") ou "Marana tha" ("Vem, Senhor!") (1Cor 16,22): "Amém, vem, Senhor Jesus!" (Ap 2,20). (Parágrafos relacionados: 2664-2665,2817)
RESUMINDO
452 O nome de Jesus significa "Deus que salva". A criança nascida da Virgem Maria é chamada "Jesus", "pois Ele salvará seu povo de seus pecados" (Mt 1,21): "Não existe debaixo do céu outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos" (At 4,12).
453 O nome Cristo significa "Ungido", "Messias". Jesus é o Cristo pois "Deus o ungiu com o Espírito Santo e com poder" (At 10,38). Ele era "aquele que há de vir" (Lc 7,19), o objeto da "esperança de Israel".
454 O nome Filho de Deus significa a relação única e eterna de Jesus Cristo com Deus, seu Pai: Ele é o Filho Único do Pai e o próprio Deus. Crer que Jesus Cristo é o Filho de Deus é necessário para ser cristão”
O nome Senhor designa a soberania divina. Confessar ou invocar Jesus como Senhor é crer em sua divindade. "Ninguém pode dizer 'Jesus é Senhor' a não ser no Espírito Santo" (1 Cor 12,3).
ARTIGO 3
"JESUS CRISTO FOI CONCEBIDO PELO PODER DO ESPÍRITO SANTO, NASCEU DA VIRGEM MARIA"
PARÁGRAFO 1 - O FILHO DE DEUS SE FEZ HOMEM
I. POR QUE O VERBO SE FEZ CARNE?
456 Com o Credo niceno-constantinopolitano, respondemos, confessando: "E por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus e se encarnou pelo Espirito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem"
457 O Verbo se fez carne para salvar-nos, reconciliando-nos com Deus: "Foi Ele que nos amou e enviou-nos seu Filho como vítima de expiação por nossos pecados" (1Jo 4,10). "O Pai enviou seu Filho como o Salvador do mundo" (1Jo 4,14). "Este apareceu para tirar os pecados" (1Jo 3,5): (Parágrafo relacionado: 607,385)
Doente, nossa natureza precisava ser curada; decaída, ser reerguida; morta, ser ressuscitada. Havíamos perdido a posse do bem, era preciso no-la restituir. Enclausurados nas trevas, era preciso trazer nos à luz; cativos, esperávamos um salvador; prisioneiros, um socorro; escravos, um libertador. Essas razões eram sem importância? Não eram tais que comoveriam a Deus a ponto de fazê-lo descer até nossa natureza humana para visita-la, uma vez que a humanidade se encontrava em um estado tão miserável e tão infeliz?
458 O Verbo se fez carne para que, assim, conhecêssemos o amor de Deus: "Nisto manifestou-se o amor de Deus por nós: Deus enviou seu Filho Único ao mundo para que vivamos por Ele" (1 Jo 4,9). "Pois Deus amou tanto o mundo, que deu seu Filho Único, a fim de que todo o que crer nele não pereça, mas tenha a Vida Eterna" (Jo 3,16). (Parágrafo relacionado: 219)
459 O Verbo se fez carne para ser nosso modelo de santidade: "Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim..." (Mt 11,29). "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vem ao Pai a não ser por mim" (Jo 14,6). E o Pai, no monte da Transfiguração, ordena: "Ouvi-o" (Mc 9,7[a3] ). Pois Ele é o modelo das Bem-aventuranças e a norma da Nova Lei: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei" (Jo 15,12). Este amor implica a oferta efetiva de si mesmo em seu seguimento. (Parágrafos relacionados: 520,823,2012,1717,1965)
460 O Verbo se fez carne para tornar-nos "participantes da natureza divina" (2Pd 1,4): "Pois esta é a razão pela qual o Verbo se fez homem, e o Filho de Deus, Filho do homem: é para que o homem, entrando em comunhão com o Verbo e recebendo, assim, a filiação divina, se torne filho de Deus". (Parágrafos relacionados: 1265,1391)
"Pois o Filho de Deus se fez homem para nos fazer Deus[a6] . "Unigenitus Dei Filius, suae divinitatis volens nos esse participes, naturam nostram assumpsit, ut homines deos faceret factus homo. O Filho Unigênito de Deus, querendo-nos participantes de sua divindade, assumiu nossa natureza para que aquele que se fez homem dos homens fizesse deuses." (Parágrafo relacionado: 1988)
II. A Encarnação
461 Retomando a expressão de São João ("O Verbo se fez carne" Jo 1,14), a Igreja denomina "Encarnação" o fato de Filho de Deus ter assumido uma natureza humana para realizar nela a nossa
salvação. Em um hino atestado por São Paulo, a Igreja canta o mistério da Encarnação: (Parágrafos relacionados: 653,661,449)
Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus: Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz! (Fl 2,5-8).
462 A Epístola aos Hebreus fala do mesmo mistério: Por isso, ao entrar no mundo, ele afirmou: Não quiseste sacrifício e oferenda. Tu, porém, formaste-me um corpo. Holocaustos e sacrifícios pelo pecado não foram de teu agrado. Por isso eu digo: Eis-me aqui... para fazer a tua vontade (Hb 10,5-7, citando Sl 40,7- 9 LXX)
463 A fé na Encarnação verdadeira do Filho de Deus é o sinal distintivo da fé cristã: "Nisto reconheceis o Espírito de Deus. Todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio na carne é de Deus" (1Jo 4,2). Esta é a alegre convicção da Igreja desde o seu começo, quando canta "o grande mistério da piedade”: "Ele foi manifestado na carne" (1 Tm 3,16). (Parágrafo relacionado: 90)
III. VERDADEIRO DEUS E VERDADEIRO HOMEM
464 O acontecimento único e totalmente singular da Encarnação do Filho de Deus não significa que Jesus Cristo seja em parte Deus e em parte homem, nem que ele seja o resultado da mescla confusa entre o divino e o humano. Ele se fez verdadeiramente homem permanecendo verdadeiro Deus. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. A Igreja teve de defender e clarificar esta verdade de fé no decurso dos primeiros séculos, diante das heresias que a falsificavam. (Parágrafo relacionado: 88)
465 As primeiras heresias, mais do que a divindade de Cristo, negaram sua humanidade verdadeira (docetismo gnóstico). Desde os tempos apostólicos a fé cristã insistiu na verdadeira Encarnação do Filho de Deus, "que veio na carne". Mas desde o século III a Igreja teve de afirmar, contra Paulo de Samósata, em um concílio reunido em Antioquia, que Jesus Cristo é Filho de Deus por natureza e não por adoção. O I Concílio Ecumênico de Nicéia, em 325, confessou em seu Credo que o Filho de Deus é "gerado, não criado, consubstancial (homousios) ao Pai" e condenou Ário, que afirmava que" o Filho de Deus veio do nada" e que ele seria "de uma substância diferente da do Pai. (Parágrafo relacionado: 242)
466 A heresia nestoriana via em Cristo uma pessoa humana unida à pessoa divina do Filho de Deus. Diante dela, São Cirilo de Alexandria e o III Concílio Ecumênico, reunido em Éfeso em 431, confessaram que "o Verbo, unindo a si em sua pessoa uma carne animada por uma alma racional, se tornou homem". A humanidade de Cristo não tem outro sujeito senão a pessoa divina do Filho de Deus, que a assumiu e a fez sua desde sua concepção. Por isso o Concílio de Éfeso proclamou, em 431, que Maria se tornou de verdade Mãe de Deus pela concepção humana do Filho de Deus em seu seio: "Mãe de Deus não porque o Verbo de Deus tirou dela sua natureza divina, mas porque é dela que ele tem o corpo sagrado dotado de uma alma racional, unido ao qual, na sua pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne". (Parágrafo relacionado: 495)
467 Os monofisistas afirmavam que a natureza humana tinha cessado de existir como tal em Cristo ao ser assumida por sua pessoa divina de Filho de Deus. Confrontado com esta heresia, IV Concílio Ecumênico, em Calcedônia, confessou em 451:
Na linha dos santos Padres, ensinamos unanimemente a confessar um só e mesmo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, o mesmo perfeito em divindade e perfeito em humanidade, o mesmo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, composto de um alma racional e de um corpo, consubstancial ao Pai segundo a divindade, consubstancial a nós segundo a humanidade, "semelhante a nós em tudo, com exceção do pecado"; gerado do Pai antes de todos os séculos segundo a divindade, e nesses últimos dias, para nós e para nossa salvação, nascido da Virgem Maria, Mãe de Deus, segundo a humanidade. Um só e mesmo Cristo, Senhor, Filho Único, que devemos reconhecer em duas naturezas, sem confusão, sem mudanças, sem divisão, sem separação. A diferença das naturezas não é de modo algum suprimida por sua união, mas antes as propriedades de cada uma são salvaguardadas e reunidas em uma só pessoa e uma só hipóstase.
468 Depois do Concílio de Calcedônia, alguns fizeram da natureza humana de Cristo uma espécie de sujeito pessoal. Contra eles, o V Concílio Ecumênico, em Constantinopla, em 553, confessou a propósito de Cristo: "Não há senão uma única hipóstase [ou pessoa], que é Nosso Senhor Jesus Cristo, Um da Trindade".
Na humanidade de Cristo, portanto, tudo deve ser atribuído à sua pessoa divina como ao seu sujeito próprio; não somente os milagres, mas também os sofrimentos, e até a morte: "Aquele que foi crucificado na carne, nosso Senhor Jesus Cristo, é verdadeiro Deus, Senhor da glória e Um da Santíssima Trindade”. (Parágrafos relacionados: 254,616)
469 A Igreja confessa, assim, que Jesus é inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ele é verdadeiramente o Filho de Deus que se fez homem, nosso irmão, e isto sem deixar de ser Deus, nosso Senhor:
"Id quod fuiit remansit et quod non fuiit assumpsit - Ele permaneceu o que era, assumiu o que não era", canta a liturgia romana. E a liturgia de São João Crisóstomo proclama e canta: "Ó Filho Único e Verbo de Deus, sendo imortal, vos dignastes por nossa salvação encarnar-vos da Santa Mãe de Deus e sempre Virgem Maria, vós que sem mudança vos tomastes homem e fostes crucificado, ó Cristo Deus, que por vossa morte esmagastes a morte, sois Um da Santíssima Trindade, glorificado com o Pai e o Espírito Santo, salvai nos!". (Parágrafo relacionado: 212)
IV. DE QUE MANEIRA O FILHO DE DEUS É HOMEM
470 Uma vez que na união misteriosa da Encarnação "a natureza humana foi assumida, não aniquilada”, a Igreja tem sido levada, ao longo dos séculos, a confessar a plena realidade da alma humana, com suas operações de inteligência e vontade, e a do corpo humano de Cristo. Mas, paralelamente, teve de lembrar toda vez que a natureza humana de Cristo pertence "in proprio" à pessoa divina do Filho de Deus que a assumiu. Tudo o que Cristo é e o que faz nela depende do "Um da Trindade". Por conseguinte, o Filho de Deus comunica à sua humanidade seu próprio modo de existir pessoal na Trindade. Assim, em sua alma como em seu corpo, Cristo exprime humanamente os modos divinos de agir da Trindade: (Parágrafos relacionados: 516,626)
[O Filho de Deus] trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana, amou com coração humano. Nascido da Virgem Maria, tomou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado. (Parágrafo relacionado: 2599)
A ALMA E O CONHECIMENTO HUMANO DE CRISTO
471 Apolinário de Laodicéia afirmava que em Cristo o Verbo havia substituído a alma ou o espírito. Contra este erro a Igreja confessou que o Filho assumiu também uma alma racional humana. (Parágrafo relacionado: 363)
472 Esta alma humana que o Filho de Deus assumiu é dotada de um verdadeiro conhecimento humano. Enquanto tal, este não podia ser em si ilimitado: exercia-se nas condições históricas de sua existência no espaço e no tempo. Por isso O Filho de Deus, ao tornar-se homem, pôde aceitar "crescer em sabedoria, em estatura e em graça" (Lc 2,52) e também informar-se sobre aquilo que na condição humana se deve aprender de maneira experimental. Isto correspondia à realidade de seu rebaixamento voluntário na "condição de escravo".
473 Mas, ao mesmo tempo, este conhecimento verdadeiramente humano do Filho de Deus exprimia a vida divina de sua pessoa. "A natureza humana do Filho de Deus, não por si mesma, mas por sua união ao Verbo, conhecia e manifestava nela tudo o que convém a Deus[." Este é, em primeiro lugar, o caso do conhecimento íntimo e direto que o Filho de Deus feito homem tem de seu Pai. O Filho mostrava também em seu conhecimento humano a penetração divina que tinha pensamentos secretos do coração dos homens.
(Parágrafo relacionado: 240)
474 Por sua união a Sabedoria divina na pessoa do Verbo encarnado, o conhecimento humano de Cristo gozava em plenitude da ciência dos desígnios eternos que viera revelar. O que ele reconhece desconhecer neste campo [a34] declara alhures não ser sua missão revelá-lo.
A VONTADE HUMANA DE CRISTO
475 Paralelamente, a Igreja confessou no VI Concílio Ecumênico que Cristo possui duas vontades e duas operações naturais, divinas e humanas, não opostas, mas cooperantes, de sorte que o Verbo feito carne
quis humanamente na obediência a seu Pai tudo o que decidiu divinamente com o Pai e o Espírito Santo por nossa salvação. A vontade humana de Cristo "segue a sua vontade divina sem estar em resistência nem em oposição em relação a ela; mas antes sendo subordinada a esta vontade todo-poderosa". (Parágrafo relacionado: 2008,2824)
O VERDADEIRO CORPO DE CRISTO
476 Visto que o Verbo se fez carne assumindo uma verdadeira humanidade, o corpo de Cristo era delimitado. Em razão disso, o rosto humano de Jesus pode ser "desenhado". No VII Concílio Ecumênico, a Igreja reconheceu como legítimo que ele seja representado em imagens sagradas. (Parágrafos relacionados: 1159-1162,2129-2132)
477 Ao mesmo tempo, a Igreja sempre reconheceu que, no corpo de Jesus, "Deus, que por natureza é invisível se tornou visível aos nossos olhos". Com efeito as particularidades individuais do corpo de Cristo exprimem a pessoa divina do Filho de Deus. Este fez seus os traços de seu corpo humano a ponto de, pintados em uma imagem sagrada, poderem ser venerados, pois o crente que venera sua imagem "venera nela a pessoa que está pintada".
O CORAÇÃO DO VERBO ENCARNADO
478 Jesus conheceu-nos e amou-nos a todos durante sua Vida, sua Agonia e Paixão e entregou-se por todos e cada um de nós: "O Filho de Deus amou-me e entregou-se por mim" (Gl 2,20). Amou-nos a todos comum coração humano. Por esta razão, o sagrado Coração de Jesus, traspassado por nossos pecados e para a nossa salvação, "praecipuus consideratur index et symbolus... illius amoris, quo divinus Rcdemptor aeternum Patrem hominesque universos continenter adamat - é considerado o principal sinal e símbolo daquele amor com o qual o divino Redentor ama ininterruptamente o Pai Eterno e todos os homens”. (Parágrafos relacionados: 487,368,2669,766)
RESUMINDO
479 No tempo determinado por Deus, o Filho Único do Pai, a Palavra Eterna, isto é, o Verbo e a Imagem substancial do Pai, encarnou sem perder a natureza divina, assumiu a natureza humana.
480 Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, na unidade de sua Pessoa Divina: por isso Ele é o único mediador entre Deus e os homens.
481 Jesus Cristo possui duas naturezas, a divina e a humana, não confundidas, mas unidas na única Pessoa do Filho de Deus.
482 Sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Cristo tem uma inteligência e uma vontade humanas, perfeitamente concordantes com e submetidas a sua inteligência e a sua vontade divinas que tem em comum com o Pai e o Espírito Santo
483 A Encarnação é, portanto, o Mistério da admirável união da natureza divina e da natureza humana na única Pessoa do Verbo.
PARÁGRAFO 2
“...CONCEBIDO PELO PODER DO ESPÍRITO SANTO,
NASCIDO DA VIRGEM MARIA"
I CONCEBIDO PELO PODER DO ESPÍRITO SANTO.
484 A Anunciação a Maria inaugura a "plenitude dos tempos" (Gl 4,4), isto é, o cumprimento das promessas e das preparações. Maria é convidada a conceber aquele em quem habitará “corporalmente a plenitude da divindade" (Cl 2,9). A resposta divina à sua pergunta "Como se fará isto, se não conheço
homem algum?" (Lc 1,34) é dada pelo poder do Espírito: "O Espírito Santo virá sobre ti" (Lc 1,35). (Parágrafos relacionados: 461,721)
485 A missão do Espírito Santo está sempre conjugada e ordenada à do Filho[a45] . O Espírito Santo é enviado para santificar o seio da Virgem Maria e fecundá-la divinamente, ele que é "o Senhor que da a Vida", fazendo com que ela conceba o Filho Eterno do Pai em uma humanidade proveniente da sua. (Parágrafos relacionados: 689,723)
486 Ao ser concebido como homem no seio da Virgem Maria, o Filho Único do Pai é "Cristo", isto e, ungido pelo Espirito Santo desde o início de sua existência humana, ainda que sua manifestação só se realize progressivamente: aos pastores, aos magos, a João Batista, aos discípulos. Toda a Vida de Jesus Cristo manifestará, portanto, "como Deus o ungiu com o Espírito e com poder" (At 10,38). (Parágrafo relacionado: 437)
II... NASCIDO DA VIRGEM MARIA
487 O que a fé católica crê acerca de Maria funda-se no que ela crê acerca de Cristo, mas o que a fé ensina sobre Maria ilumina, por sua vez, sua fé em Cristo. (Parágrafo relacionado: 963)
A PREDESTINAÇÃO DE MARIA
488 "Deus enviou Seu Filho" (Gl 4,4), mas, para "formar-lhe um corpo[a51] " quis a livre cooperação de uma criatura. Por isso, desde toda a eternidade, Deus escolheu, para ser a Mãe de Seu Filho, uma filha de Israel, uma jovem judia de Nazaré na Galiléia, "uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de Davi, e o nome da virgem era Maria" (Lc 1,26-27): Quis o Pai das misericórdias que a Encarnação fosse precedida pela aceitação daquela que era predestinada a ser Mãe de seu Filho, para que, assim como uma mulher contribuiu para a morte, uma mulher também contribuísse para a vida.
489 Ao longo de toda a Antiga Aliança, a missão de Maria foi preparada pela missão de santas mulheres. No princípio está Eva: a despeito de sua desobediência, ela recebe a promessa de uma descendência que será vitoriosa sobre o Maligno e a de ser a mãe de todos os viventes. Em virtude dessa promessa, Sara concebe um filho, apesar de sua idade avançada. Contra toda expectativa humana, Deus escolheu o era tido como impotente e fraco para mostrar sua fidelidade à sua promessa: Ana, a mãe de Samuel, Débora, Rute, Judite e Ester, e muitas outras mulheres. Maria "sobressai entre (esses) humildes e pobres do Senhor, que dele esperam e recebem com confiança a Salvação. Com ela, Filha de Sião por excelência, depois de uma demorada espera da promessa, completam-se os tempos e se instaura a nova economia" (Parágrafos relacionados: 722,410,145,64)
A IMACULADA CONCEIÇÃO
490 Para ser a Mãe do Salvador, Maria "'foi enriquecida por Deus com dons dignos para tamanha função". No momento da Anunciação, o anjo Gabriel a saúda como “cheia de graça". Efetivamente, para poder dar o assentimento livre de sua fé ao anúncio de sua vocação era preciso que ela estivesse totalmente sob a moção da graça de Deus. (Parágrafos relacionados: 2676,2853,2001)
491 Ao longo dos séculos, a Igreja tomou consciência de que Maria, "cumulada de graça" por Deus, foi redimida desde a concepção. E isso que confessa o dogma da Imaculada Conceição, proclamado em 1854 pelo papa Pio IX: (Parágrafo relacionado: 411)
A beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano foi preservada imune de toda mancha do pecado original.
492 Esta "santidade resplandecente, absolutamente única" da qual Maria é "enriquecida desde o primeiro instante de sua conceição[a63] . lhe vem inteiramente de Cristo: "Em vista dos méritos de seu Filho, foi redimida de um modo mais sublime[a64] ". Mais do que qualquer outra pessoa criada, o Pai a "abençoou com toda a sorte de bênçãos espirituais, nos céus, em Cristo" (Ef 1,3). Ele a "escolheu nele (Cristo), desde antes da fundação do mundo, para ser santa e imaculada em sua presença, no amor" (Ef 1,4). (Parágrafos relacionados: 2011,1077)
493 Os Padres da tradição oriental chamam a Mãe de Deus "a toda santa" ("Pan-hagia"; pronuncie "pan-haguía"), celebram-na como "imune de toda mancha de pecado, tendo sido plasmada pelo Espírito Santo, e formada como uma nova criatura". Pela graça de Deus, Maria permaneceu pura de todo pecado pessoal ao longo de toda a sua vida.
"FAÇA-SE EM MIM SEGUNDO A TUA PALAVRA...
494 Ao anúncio de que, sem conhecer homem algum, ela conceberia o Filho do Altíssimo pela virtude do Espírito Santo[a66] , Maria respondeu com a "obediência da fé", certa de que "nada é impossível a Deus": "Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1,37-38). Assim, dando à Palavra de Deus o seu consentimento, Maria se tomou Mãe de Jesus e, abraçando de todo o coração, sem que nenhum pecado a retivesse, a vontade divina de salvação, entregou-se ela mesma totalmente à pessoa e à obra de seu Filho, para servir, na dependência dele e com Ele, pela graça de Deus, ao Mistério da Redenção: (Parágrafos relacionados: 2617,148,968)
Como diz Santo Irineu, "obedecendo, se fez causa de salvação tanto para si como para todo o gênero humano". Do mesmo modo, não poucos antigos Padres dizem com ele: "O nó da desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria; o que a virgem Eva ligou pela incredulidade a virgem Maria desligou pela fé”. Comparando Maria com Eva, chamam Maria de "mãe dos viventes" e com freqüência afirmam: "Veio a morte por Eva e a vida por Maria”. (Parágrafo relacionado: 726)
A MATERNIDADE DIVINA DE MARIA
495 Denominada nos Evangelhos "a Mãe de Jesus" (João 2,1;19,25[a72] ), Maria é aclamada, sob o impulso do Espírito, desde antes do nascimento de seu Filho, como "a Mãe de meu Senhor" (Lc 1,43). Com efeito, Aquele que ela concebeu Espírito Santo como homem e que se tornou verdadeiramente seu Filho segundo a carne não é outro que o Filho eterno do Pai, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é verdadeiramente Mãe de Deus (Theotókos). (Parágrafos relacionados: 466,2677)
A VIRGINDADE DE MARIA
496 Desde as primeiras formulações da fé, a Igreja confessou que Jesus foi concebido exclusivamente pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, afirmando também o aspecto corporal deste evento: Jesus foi concebido "do Espírito Santo, sem sêmen". Os Padres vêem na conceição virginal o sinal de que foi verdadeiramente o Filho de Deus que veio numa humanidade como a nossa: Assim, Santo Inácio de Antioquia (início do século II): "Estais firmemente convencidos acerca de Nosso Senhor, que é verdadeiramente da raça de Davi segundo a carne[a76] , Filho de Deus segundo a vontade e o poder de Deus[a77] , verdadeiramente nascido de uma virgem... ele foi verdadeiramente pregado, na sua carne, {à cruz} por nossa salvação sob Pôncio Pilatos... ele sofreu verdadeiramente, como também ressuscitou verdadeiramente".
497 Os relatos evangélicos entendem a conceição virginal como uma obra divina que ultrapassa toda compreensão e toda possibilidade humanas[a80] : "O que foi gerado nela vem do Espírito Santo", diz o anjo a José acerca de Maria, sua noiva (Mt 1,20). A Igreja vê aí o cumprimento da promessa divina dada pelo profeta Isaias: "Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho" (Is 7,14, segundo a tradução grega de Mt 1,23).
498 Por vezes tem-se estranhado o silêncio do Evangelho de São Marcos e das epístolas do Novo Testamento sobre a concepção virginal de Maria. Houve também quem se perguntasse se não se trataria aqui de lendas ou de construções teológicas sem pretensões históricas. A isto deve-se responder: a fé na concepção virginal de Jesus deparou com intensa oposição, zombarias ou incompreensões da parte dos não crentes, judeus e pagãos. Ela não era motivada pela mitologia pagã ou por alguma adaptação às idéias do tempo. O sentido deste acontecimento só é acessível à fé, que o vê no "nexo que interliga os mistérios entre si", no conjunto dos Mistérios de Cristo, desde a sua Encarnação até a sua Páscoa. Santo Inácio de Antioquia já dá testemunho deste nexo: "O príncipe deste mundo ignorou a virgindade de Maria e o seu parto, da mesma forma que a Morte do Senhor: três mistérios proeminentes que se realizaram no silêncio de Deus. (Parágrafos relacionados: 90,2717)
MARIA - "SEMPRE VIRGEM"
499 O aprofundamento de sua fé na maternidade virginal levou a Igreja a confessar a virgindade real e perpétua de Maria, mesmo no parto do Filho de Deus feito homem. Com efeito, o nascimento de Cristo "não lhe diminuiu, mas sagrou a integridade virginal" de sua mãe[a86] . A Liturgia da Igreja celebra Maria como a "Aeiparthenos" (pronuncie " áeiparthénos"), "sempre virgem".
500 A isto objeta-se por vezes que a Escritura menciona Irmãos e irmãs de Jesus[a88] . A Igreja sempre entendeu que essas passagens não designam outros filhos da Virgem Maria: com efeito, Tiago e José, "irmãos de Jesus" (Mt 13,55), são os filhos de uma Maria discípula de Cristo que significativamente é designada como "a outra Maria" (Mt 28,1). Trata-se de parentes próximos de Jesus, consoante uma expressão conhecida do Antigo Testamento.
501 Jesus é o Filho Único de Maria. Mas a maternidade espiritual de Maria estende-se a todos os homens que Ele veio salvar: "Ela gerou seu Filho, do qual Deus fez “o primogênito entre uma multidão de irmãos” (Rm 8,29), isto é, entre os fiéis, em cujo nascimento e educação Ela coopera com amor materno. (Parágrafos relacionados: 969,970)
A MATERNIDADE VIRGINAL DE MARIA NO DESÍGNIO DE DEUS
502 O olhar da fé pode descobrir, tendo em mente o conjunto da Revelação, as razões misteriosas pelas quais Deus, em seu desígnio salvífico, quis que seu Filho nascesse de uma virgem. Essas razões tocam tanto a pessoa e a missão redentora de Cristo quanto o acolhimento desta missão por Maria em favor de todos os homens. (Parágrafo relacionado: 90)
503 A virgindade de Maria manifesta a iniciativa absoluta de Deus Encarnação. Jesus tem um só Pai: Deus. "A natureza humana que ele assumiu nunca o afastou do Pai...; por natureza, Filho de seu Pai segundo a divindade; por natureza, Filho de sua Mãe, segundo a humanidade; mas propriamente Filho de Deus em suas duas naturezas." (Parágrafo relacionado: 422)
504 Jesus é concebido pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, pois ele é o Novo Adão que inaugura a nova criação: “O primeiro homem, tirado da terra, é terrestre; o segundo homem vem do Céu" (1Cor 15,47). A humanidade de Cristo é, desde a sua concepção, repleta do Espírito Santo, pois Deus "lhe dá o Espírito sem medida" (Jo 3,34). É da "plenitude dele", cabeça da humanidade remida, que "nós recebemos graça sobre graça" (Jo 1,16). (Parágrafo relacionado: 359)
505 Jesus, o Novo Adão, inaugura por sua concepção virginal o novo nascimento dos filhos de adoção no Espírito Santo pela fé. "Como se fará isto?" (Lc 1,34[a97] ). A participação na vida divina não vem "do sangue, nem de uma vontade da carne, nem de uma vontade do homem, mas de Deus" (Jo 1,13). O acolhimento desta vida é virginal, pois esta é totalmente dada pelo Espírito ao homem. O sentido esponsal da vocação humana em relação a Deus é realizado perfeitamente na maternidade virginal de Maria. (Parágrafo relacionado: 1265)
506 Maria é virgem porque sua virgindade é o sinal de sua fé, absolutamente livre de qualquer dúvida", e de sua doação sem reservas à vontade de Deus. É sua fé que lhe concede tomar-se a Mãe do Salvador: "Beatior est Maria percipiendo fidem Christi quam concipiendo carnem Christi - Maria é mais bem aventurada recebendo a fé de Cristo do que concebendo a carne de Cristo". (Parágrafos relacionados: 148,1814)
507 Maria é ao mesmo tempo Virgem e Mãe por ser a figura e a mais perfeita realização da Igreja "A Igreja... torna-se também ela Mãe por meio da palavra de Deus que ela recebe na fé, pois pela pregação e pelo Batismo ela gera para a vida nova e imortal os filhos concebidos do Espírito Santo e nascidos de Deus. Ela é também a virgem que guarda, íntegra e puramente, a fé dada a seu Esposo. (Parágrafos relacionados: 967,149)
RESUMINDO
508 Na descendência de Eva, Deus escolheu a Virgem Maria para ser a Mãe de seu Filho. "Cheia de graça", ela é "o fruto mais excelente da Redenção". Desde o primeiro instante de sua concepção, foi
totalmente preservada da mancha do pecado original e permaneceu pura de todo pecado pessoal ao longo de toda a sua vida.
509 Maria é verdadeiramente "Mãe de Deus", visto ser a Mãe do Filho Eterno de Deus feito homem, que é ele mesmo Deus.
510 Maria "permaneceu Virgem concebendo seu Filho, Virgem ao dá-lo à luz, Virgem ao carregá-lo, Virgem ao alimentá-lo de seu seio, Virgem sempre" : com todo o seu ser Ela é "a Serva do Senhor" (Lc 1,38).
511 A Virgem Maria cooperou "para a salvação humana com livre fé e obediência" Pronunciou seu 'fiat" (faça-se) "em representação de toda a natureza humana" Por sua obediência, tornou-se a nova Eva, Mãe dos viventes.
OS MISTÉRIOS DA VIDA DE CRISTO
512 No tocante à vida de Cristo, o Símbolo da Fé fala somente dos mistérios da Encarnação (Conceição e Nascimento) Páscoa (Paixão, Crucifixão, Morte, Sepultamento, Descida aos Infernos, Ressurreição, Ascensão). Não diz nada, explicitamente dos mistérios da vida oculta e pública de Jesus. Mas os artigos da fé referentes à Encarnação e à Páscoa de Jesus iluminam toda a vida terrestre de Cristo. "Tudo o que Jesus fez e ensinou, desde o começo até o dia em que foi arrebatado" (At 1,1-2), deve ser visto à luz dos mistérios do Natal e da Páscoa. (Parágrafo relacionado: 1163)
513 A Catequese, conforme as circunstâncias, há desenvolver toda a riqueza dos Mistérios de Jesus. Aqui é suficiente indicar alguns elementos comuns a todos os mistérios da vida de Cristo (I), para em seguida esboçar os principais mistérios da vida oculta (II) e pública (III) de Jesus. (Parágrafos relacionados: 426,561)
I- TODA A VIDA DE CRISTO É MISTÉRIO
514 Muitas coisas que interessam à curiosidade humana acerca de Jesus não figuram nos Evangelhos. Quase nada é dito sobre sua vida em Nazaré, e mesmo uma grande parte de sua vida pública não é relatada. O que foi escrito nos Evangelhos foi "para crerdes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome" (Jo 20, 31).
515 Os Evangelhos foram escritos por homens que estiveram entre os primeiros a ter a fé [a2] e que queriam compartilhá-la com outros. Depois de terem conhecido na fé quem é Jesus, puderam ver e fazer ver os traços de seu mistério em toda a sua vida terrestre. Desde os paninhos de sua natividade até o vinagre de sua Paixão e o sudário de sua Ressurreição, tudo na vida de Jesus é sinal de seu Mistério. Por meio de seus gestos, de seus milagres, de suas palavras, foi revelado que "nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Cl 2,9). Sua humanidade aparece, assim, como o "sacramento", isto é, o sinal e o instrumento de sua divindade e da salvação que ele traz: o que havia de visível em sua vida terrestre apontava para o mistério invisível de sua filiação divina e de sua missão redentora. (Parágrafos relacionados: 126,609,774,477)
OS TRAÇOS COMUNS DOS MISTÉRIOS DE JESUS
516 Toda a vida de Cristo é Revelação do Pai: suas palavras e seus atos, seus silêncios e seus sofrimentos, sua maneira de ser e de falar. Jesus pode dizer: "Quem me vê, vê o Pai" (Jo 14,9); e o Pai pode dizer: "Este é o meu Filho, o Eleito; ouvi-o" (Lc 9,35). Tendo Nosso Senhor se feito homem para cumprir a vontade do Pai, Os mínimos traços de seus mistérios nos manifestam "o amor de Deus por nos". (Parágrafos relacionados: 65,2708)
517 Toda a vida de Cristo é mistério de Redenção. A Redenção nos vem antes de tudo pelo sangue da Cruz, mas este mistério está em ação em toda a vida de Cristo: já em sua Encarnação, pela qual, fazendo-se pobre, nos enriqueceu por sua pobreza; em sua vida oculta, que, por sua submissão, serve de reparação para nossa insubmissão; em sua palavra, que purifica seus ouvintes; em suas curas e em seus exorcismos, pelos quais "levou nossas fraquezas e carregou nossas doenças" (Mt 8,17); em sua Ressurreição, pela qual nos justifica. (Parágrafos relacionados: 606,1115)
518 Toda a vida de Cristo é mistério de Recapitulação. Tudo o que Jesus fez, disse e sofreu tinha por meta restabelecer o homem caído em sua vocação primeira: (Parágrafos relacionados: 668,2748)
Quando ele se encarnou e se fez homem, recapitulou em si mesmo a longa história dos homens e, em resumo, nos proporcionou a salvação, de sorte que aquilo que havíamos perdido em Adão, isto é, sermos à imagem e à semelhança de Deus, o recuperamos em Cristo Jesus. É, aliás, por isso que Cristo passou por todas as idades da vida, restituindo com isto a os homens a comunhão com Deus.
NOSSA COMUNHÃO COM OS MISTÉRIOS DE JESUS
519 Toda a riqueza de Cristo "é destinada a cada homem e constitui o bem de cada um". Cristo não viveu sua vida para si mesmo, mas para nós, desde sua Encarnação "por nossos homens, e por nossa salvação" até sua Morte "por nossos pecados" (1Cor 15,3) e sua Ressurreição "para nossa justificação" (Rm 4,25). Ainda agora, Ele é "nosso advogado junto do Pai" (1Jo 2,1), "estando sempre vivo para interceder a nosso favor" (Hb 7,25). Com tudo o que viveu e sofreu por nós vez por todas, Ele permanece presente para sempre "diante face de Deus a nosso favor" (Hb 9,24). (Parágrafos relacionados: 793,602,1085)
520 Em toda a sua vida, Jesus mostra-se como nosso modelo. Ele é "o homem perfeito" que nos convida a tomar-nos seus discípulos e a segui-lo: por seu rebaixamento, deu-nos um exemplo a imitar; por sua oração, atrai à oração; por sua pobreza chama a aceitar livremente o despojamento e as perseguições. (Parágrafos relacionados: 459,359,2609)
521 Tudo o que Cristo viveu foi para que pudéssemos vivê-lo nele e para que Ele o vivesse em nos. "Por sua Encarnação, o Filho de Deus, de certo modo, se uniu a todo homem." Nós somos chamados a ser uma só coisa com Ele; Ele nos faz partilhar (comungar), como membros de seu corpo, de tudo o que (Ele), por nós e como nosso modelo, viveu em sua carne. (Parágrafos relacionados: 2715,1391)
Devemos continuar e realizar em nós os estados e os mistérios de Jesus, e pedir-lhe muitas vezes que os complete e realize em nós e em toda a sua Igreja... Pois o Filho de Deus deseja conceder uma certa participação, e fazer como que uma extensão e continuação de seus mistérios em nós e em toda a sua Igreja, pelas graças que quer comunicar-nos, e pelos efeitos que quer operar em nós por esses mistérios. Por estes meios quer realizá-los em nós.
II. OS MISTÉRIOS DA INFÂNCIA E DA VIDA OCULTA DE JESUS
A PREPARAÇÃO
522 A vinda do Filho de Deus à terra é um acontecimento de tal imensidão que Deus quis prepará-lo durante séculos. Ritos e sacrifícios, figuras e símbolos da "Primeira Aliança", tudo ele faz convergir para Cristo; anuncia-o pela boca dos profetas que se sucedem em Israel. Desperta, além disso, no coração dos pagãos a obscura expectativa desta vinda. (Parágrafos relacionados: 711,762)
523 São João Batista é o precursor imediato do Senhor, enviado para preparar-lhe o caminho. "Profeta do Altíssimo" (Lc; 1,76), ele supera todos os profetas, deles é o último, inaugura o Evangelho; saúda a vinda de Cristo desde o seio de sua mãe e encontra sua alegria em ser "o amigo do esposo" (Jo 3,29), que designa como "o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (Jo 1,29). Precedendo a Jesus "com o espírito e o poder de Elias" (Lc 1,17), dá-lhe testemunho por sua pregação, seu batismo de conversão e, finalmente, seu martírio. (Parágrafos relacionados: 712,720)
524 Ao celebrar cada ano a liturgia do Advento, a Igreja atualiza esta espera do Messias: comungando com a longa preparação da primeira vinda do Salvador, os fiéis renovam o ardente desejo de sua Segunda Vinda. Pela celebração da natividade e do martírio do Precursor, a Igreja se une a seu desejo: "É preciso que Ele cresça e que eu diminua" (Jo 3,30). (Parágrafo relacionado: 1171)
O MISTÉRIO DO NATAL
525 Jesus nasceu na humildade de um estábulo, em uma família pobre; as primeiras testemunhas do evento são simples pastores. É nesta pobreza que se manifesta a glória do Céu. A Igreja não se cansa de cantar a glória dessa noite: Hoje a Virgem traz ao mundo o Eterno. (Parágrafos relacionados: 437,2443)
E a terra oferece uma gruta ao Inacessível.
Os anjos e os pastores o louvam
E os magos caminham com a estrela.
Pois Vós nascestes por nós, Menino, Deus eterno!
526 "Tornar-se criança" em relação a Deus é a condição para entrar no Reino; para isso é preciso humilhar-se, tornar-se pequeno; mais ainda: é preciso "nascer do alto" (Jo 3,7), "nascer de Deus" para tornar-nos filhos de Deus. O mistério do Natal realiza-se em nós quando Cristo "toma forma" em nós. O Natal é o mistério deste "admirável intercâmbio:
O admirabile commercium! Creator generis humani, anima corpus sumens, de Vir gine nasci digna tus est; et procedens homo sine semine, largitus est nobis suam deitatem - Admirável intercâmbio! O Criador da humanidade, assumindo corpo e dignou-se nascer de uma Virgem; e, tomando-se homem intervenção do homem, nos doou sua própria divindade! (Parágrafo relacionado: 460)
Os MISTÉRIOS DA INFÂNCIA DE JESUS
527 A circuncisão de Jesus, no oitavo dia depois de seu nascimento, é sinal de sua inserção na descendência de Abraão, no povo da Aliança, de sua submissão à Lei e de capacitação para o culto de Israel, do qual participará durante sua toda a vida. Este sinal prefigura "a circuncisão de Cristo", que é o Batismo. (Parágrafos relacionados: 580,1214)
528 A epifania é a manifestação de Jesus como Messias Israel, Filho de Deus e Salvador do mundo. Com o Batismo de Jesus no Jordão e com as bodas de Caná, ela celebra a adoração de Jesus pelos "magos" vindos do Oriente. Nesses "magos", representantes das religiões pagãs circunvizinhas, o Evangelho vê as primícias das nações que acolhem a Boa Nova da salvação pela Encarnação. A vinda dos magos a Jerusalém para "adorar ao Rei dos Judeus" mostra que eles procuram em Israel, à luz messiânica da estrela
de Davi, aquele que será o Rei das nações[a50] . Sua vinda significa que os pagãos só podem descobrir Jesus e adorá-lo como Filho de Deus e Salvador do mundo voltando-se para os judeus recebendo deles sua promessa messiânica, tal como está contida no Antigo Testamento. A Epifania manifesta que "a plenitude dos pagãos entra na família dos patriarcas" e adquire a "dignidade israelítica". (Parágrafos relacionados: 439,711-716,122)
529 A apresentação de Jesus no Templo mostra-o como o Primogênito pertencente ao Senhor. Com Simeão e Ana, é toda a espera de Israel que vem ao encontro de seu Salvador (a tradição bizantina designa com este termo tal acontecimento). Jesus é reconhecido como o Messias tão esperado, "luz das nações" e "Glória de Israel", mas também "sinal de contradição". A espada de dor predita a Maria anuncia esta outra oblação, perfeita e única, da Cruz, que dará a salvação que Deus "preparou diante de todos os povos". (Parágrafos relacionados: 583,439,614)
530 A fuga para o Egito e o massacre dos inocentes manifestam a oposição das trevas à luz: "Ele veio para o que era seu e os seus não o receberam" (Jo 1,11). Toda a vida de Cristo estará sob o signo da perseguição. Os seus compartilham com Ele esta perseguição. Sua volta do Egito lembra o Êxodo e apresenta Jesus como o libertador definitivo. (Parágrafo relacionado: 574)
OS MISTÉRIOS DA VIDA OCULTA DE JESUS
531 Durante a maior parte de sua vida, Jesus compartilhou a condição da imensa maioria dos homens: uma vida cotidiana. Sem grandeza aparente, vida de trabalho manual, vida religiosa judaica submetida à Lei de Deus, vida na comunidade. De todo este período é-nos revelado que Jesus era "submisso" a seus pais e que "crescia em sabedoria, em estatura em graça diante de Deus e diante dos homens" (Lc 2,52). (Parágrafo relacionado: 2427)
532 A submissão de Jesus a sua Mãe e a seu pai legal cumpre com perfeição o quarto mandamento. Ela é a imagem temporal de sua obediência filial a seu Pai celeste. A submissão diária de Jesus a José e a Maria anunciava e antecipava a submissão da Quinta-feira Santa: "Não a minha vontade..." (Lc 22,42). A obediência de Cristo no cotidiano da vida condida inaugurava já a obra de restabelecimento daquilo a desobediência de Adão havia destruído. (Parágrafos relacionados: 2214,2220,612)
533 A vida oculta de Nazaré permite a todo homem estar unido a Jesus nos caminhos mais cotidianos da vida: Nazaré é a escola na qual se começa a compreender a vida de Jesus: a escola do Evangelho... Primeiramente, uma lição de silêncio. Que nasça em nós a estima do silêncio, esta admirável e indispensável condição do espírito... Uma lição de vida familiar. Que Nazaré nos ensine o que é a família, sua comunhão de amor, sua beleza austera e simples, seu caráter sagrado e inviolável... Uma lição de trabalho. Nazaré, ó casa do "Filho do Carpinteiro", é aqui que gostaríamos de compreender e celebrar a lei severa e redentora do trabalho humano...; assim como gostaríamos finalmente de saudar aqui todos os trabalhadores do mundo inteiro e mostrar-lhes seu grande modelo, seu Irmão divino. (Parágrafos relacionados: 2717,2427)
534 O reencontro de Jesus no Templo é o único acontecimento que rompe o silêncio dos Evangelhos sobre os anos ocultos de Jesus. Nele Jesus deixa entrever o mistério de sua consagração total a uma missão decorrente de sua filiação divina: "Não sabíeis que devo ocupar-me com as coisas de meu Pai?" (Lc 2,49). Maria e José "não compreenderam" esta palavra, mas a acolheram na fé, e Maria "guardava a lembrança de todos esses fatos em seu coração" (Lc 2,51), ao longo dos anos em que Jesus permanecia mergulhado no silêncio de uma vida ordinária. (Parágrafos relacionados: 583,2599,964)
III. OS MISTÉRIOS DA VIDA PÚBLICA DE JESUS
O BATISMO DE JESUS
535 A vida pública de Jesus tem início com seu Batismo por João no rio Jordão. João Batista proclamava "um batismo de arrependimento para a remissão dos pecados" (Lc 3,3). Uma multidão de pecadores, de publicanos e soldados, fariseus e saduceus e prostitutas vem fazer-se batizar por ele. Jesus aparece, o Batista hesita, mas Jesus insiste. E Ele recebe o Batismo. Então o Espírito Santo, sob forma de pomba, vem sobre Jesus, e a voz do céu proclama: "Este é o meu Filho bem-amado" (Mt 3,13-17). É a
manifestação ("Epifania") de Jesus como Messias de Israel e Filho de Deus. (Parágrafos relacionados: 719- 720,701,438)
536 O Batismo de Jesus é, da parte dele, a aceitação e a inauguração de sua missão de Servo sofredor. Deixa-se contar entre os pecadores; é, já, "o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (Jo 1,29), antecipa já o "Batismo" de sua morte sangrenta. Vem, já, "cumprir toda a justiça" (Mt 3,15), ou seja, submete-se por inteiro à vontade de seu Pai: aceita por amor este batismo de morte para a remissão de nossos pecados. A esta aceitação responde a voz do Pai, que coloca toda a sua complacência em seu Filho. O Espírito que Jesus possui em plenitude desde a sua concepção vem "repousar" sobre Ele. Jesus ser a fonte do Espírito para toda a humanidade. No Batismo de Jesus, "abriram-se os Céus" (Mt 3,16) que o pecado de Adão havia fechado; e as águas são santificadas pela descida de Jesus e do Espírito, prelúdio da nova criação. (Parágrafos relacionados: 606,1224,444,727,739)
537 Pelo Batismo, o cristão é sacramentalmente assimilado a Jesus, que antecipa em seu Batismo a sua Morte e a sua Ressurreição; deve entrar neste mistério de rebaixamento humilde e de arrependimento, descer à água com Jesus para subir novamente com ele, renascer da água e do Espírito para tornar-se, no Filho, filho bem-amado do Pai e "viver em uma vida nova" (Rm 6,4): (Parágrafo relacionado: 1262)
Sepultemo-nos com Cristo pelo Batismo, para ressuscitar com Ele; desçamos com Ele, para ser elevados com Ele; subamos novamente com Ele, para ser glorificados nele. (Parágrafo relacionado: 628)
Tudo o que aconteceu com Cristo dá-nos a conhecer que, depois da imersão na água, o Espírito Santo voa sobre nós do alto do Céu e que, adotados pela Voz do Pai, nos tornamos filhos de Deus.
A TENTAÇÃO DE JESUS
538 Os Evangelhos falam de um tempo de solidão de Jesus no deserto, imediatamente após seu Batismo por João: "Levado pelo Espírito" ao deserto, Jesus ali fica quarenta dias sem comer, vive com os animais selvagens e os anjos o servem[a78] . No final dessa permanência, Satanás o tenta por três vezes procurando questionar sua atitude filial para com Deus. Jesus rechaça esses ataques que recapitulam as tentações de Adão no Paraíso e de Israel no deserto, e o Diabo afasta-se dele "até o tempo oportuno" (Lc 4,13). (Parágrafos relacionados: 394,518)
539 Os evangelistas assinalam o sentido salvífico desse acontecimento misterioso. Jesus é o novo Adão, que ficou fiel onde o primeiro sucumbiu à tentação. Jesus cumpre à perfeição a vocação de Israel: contrariamente aos que provocai outrora a Deus durante quarenta anos no deserto, Cristo se revela como o Servo de Deus totalmente obediente à vontade divina. Nisso Jesus é vencedor do Diabo: ele "amarrou o homem forte" para retomar-lhe a presa. A vitória de Jesus sobre o tentador no deserto antecipa a vitória da Paixão, obediência suprema de seu amor filial ao Pai. (Parágrafos relacionados: 397,385)
540 A tentação de Jesus manifesta a maneira que o Filho de Deus tem de ser Messias o oposto da que lhe propõe Satanás e que os homens desejam atribuir-lhe. E por isso que Cristão venceu o Tentador por nós: "Pois não temos um sumo sacerdote incapaz de compadecer-se de nossas fraquezas, pois Ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado" (Hb 4,15). A Igreja se une a cada ano, mediante os quarenta dias da Grande Quaresma, ao mistério de Jesus no deserto. (Parágrafos relacionados: 2119,519,2849,1438)
"O REINO DE DEUS ESTÁ BEM PRÓXIMO"
541 "Depois que João foi preso, Jesus veio para a Galiléia proclamando, nestes termos, o Evangelho de Deus: "Cumpriu-se O tempo e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho"' (Mc 1,14-15). "Para cumprir a vontade do Pai, Cristo inaugurou o Reino dos céus na terra." Ora, a vontade do Pai é "elevar os homens à participação da Vida Divina". Realiza tal intento reunindo os homens em torno de seu Filho, Jesus Cristo. Esta reunião é a Igreja, que é na terra "O germe e o começo do Reino de Deus". (Parágrafos relacionados: 2816,763,669,768,865)
542 Cristo está no centro do congraçamento dos homens na "família de Deus". Convoca-os junto a si por sua palavra, por seus sinais que manifestam o reino de Deus, pelo envio de seus discípulos. Realizar a vinda de seu Reino sobretudo pelo grande mistério de sua Páscoa: sua morte na Cruz e sua Ressurreição. "E
eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a mim" (Jo 12,32). A esta união com Cristo são chamados todos os homens. (Parágrafos relacionados: 2233,789)
O ANUNCIO DO REINO DE DEUS
543 Todos os homens são chamados a entrar no Reino. Anunciado primeiro aos filhos de Israel, este Reino messiânico está destinado a acolher os homens de todas as nações. Para ter acesso a ele, é preciso acolher a palavra de Jesus: (Parágrafo relacionado: 764)
Pois a palavra do Senhor é comparada à semente semeada no campo: os que a ouvem com fé e são contados no número da pequena grei de Cristo receberam o próprio Reino; depois, por sua própria força, a semente germina e cresce até o tempo da messe.
544 O Reino pertence aos pobres e aos pequenos, isto é, aos que o acolheram com um coração humilde. Jesus é enviado para "evangelizar os pobres" (Lc 4,18). Declara-os bem-aventurados, pois "o Reino dos Céus é deles" (Mt 5,3); foi aos "pequenos" que o Pai se dignou revelar o que permanece escondido aos sábios e aos entendidos. Jesus compartilha a vida dos pobres desde a manjedoura até a cruz; conhece a fome, a sede e a indigência. Mais ainda: identifica-se com os pobres de todos os tipos e faz do amor ativo para com eles a condição para se entrar em seu Reino. (Parágrafos relacionados: 709,2443,2546)
545 Jesus convida os pecadores à mesa do Reino: "Não vim chamar justos, mas pecadores" (Mc 2,17). Convida-os à conversão, sem a qual não se pode entrar no Reino, mas mostrando-lhes, com palavras e atos, a misericórdia sem limites do Pai por eles e a imensa "alegria no céu por um único pecador que se arrepende" (Lc 15,7). A prova suprema deste amor ser o sacrifício de sua própria vida "em remissão dos pecados" (Mt 26.28). (Parágrafos relacionados: 1443,588,1846,1439)
546 Jesus convida a entrar no Reino por meio das parábolas, traço típico de seu ensinamento[a97] . Por elas, convida ao festim do Reino, mas exige também uma opção radical: para adquirir o Reino é preciso dar tudo; as palavras não bastam, são necessários atos As parábolas são como espelhos para o homem: este acolhe a palavra como um solo duro ou como uma terra boa? Que faz ele dos talentos recebidos[a102] ? Jesus e a presença do Reino neste mundo estão secretamente no coração das parábolas. E preciso entrar no Reino, isto é, tomar-se discípulos de Cristo para "conhecer os mistérios do Reino dos Céus" (Mt 13,11). Para os que ficam "de fora" (Mc 4,11), tudo permanece enigmático. (Parágrafos relacionados: 2613,542)
OS SINAIS DO REINO DE DEUS
547 Jesus acompanha suas palavras com numerosos "milagres, prodígios e sinais" (At 2,22) que manifestam que o Reino está presente nele. Atestam que Jesus é o Messias anunciado. (Parágrafos relacionados: 670,439)
548 Os sinais operados por Jesus testemunham que o Pai o enviou. Convidam a crer nele. Aos que a Ele se dirigem com fé, concede o que pedem. Assim, os milagres fortificam a fé naquele que realiza as obras de seu Pai: testemunham que Ele é o Filho de Deus. Eles podem também ser "ocasião de escândalo". Não se destinam a satisfazer a curiosidade e os desejos mágicos. Apesar de seus milagres tão evidentes, Jesus é rejeitado por alguns; acusam-no até de agir por intermédio dos demônios. (Parágrafos relacionados: 156,2616,574,447)
549 Ao libertar certas pessoas dos males terrestres da fome, da injustiça, da doença e da morte, Jesus operou sinais messiânicos; não veio, no entanto, para abolir todos os males da terra, mas para libertar os homens da mais grave das escravidões, a do pecado, que os entrava em sua vocação de filhos de Deus e causa todas as suas escravidões humanas. (Parágrafos relacionados: 1503,440)
550 O advento do Reino de Deus é a derrota do reino de Satanás: "Se é pelo Espírito de Deus que eu expulso os demônios, então o Reino de Deus já chegou a vós" (Mt 12,28). Os exorcismos de Jesus libertam homens do domínio dos demônios. Antecipam a grande vitória de Jesus sobre "o príncipe deste mundo". E pela Cruz de Cristo que o Reino de Deus ser definitivamente estabelecido: "Regnavit a ligno Deus - Deus reinou do alto do madeiro". (Parágrafos relacionados: 394,1673,440,2816)
"AS CHAVES DO REINO"
551 Desde o início de sua vida pública, Jesus escolhe homens em número de doze para estar com Ele e para participar de sua missão; dá-lhes participação em sua autoridade "e enviou-os a proclamar o Reino de Deus e a curar" (Lc 9,2). Permanecem eles para sempre associados ao Reino de Cristo, pois Jesus dirige a Igreja por intermédio deles: (Parágrafos relacionados: 858,765)
Disponho para vós o Reino, como meu Pai o dispôs para mim, a fim de que comais e bebais à minha mesa em meu Reino, e vos senteis em tronos para julgar as doze tribos de Israel (Lc 22,29-30).
552 No colégio dos Doze, Simão Pedro ocupa o primeiro lugar[. Jesus confiou-lhe uma missão única. Graças a uma revelação vinda do Pai, Pedro havia confessado: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (Mt 16,16). Nosso Senhor lhe declara na ocasião: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as Portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela" (Mt 16,18). Cristo, "Pedra viva"; garante a sua Igreja construída sobre Pedro a vitória sobre as potências de morte. Pedro, em razão da fé por ele confessada, permanecerá como a rocha inabalável da Igreja. Terá por missão defender esta fé de todo desfalecimento e confirmar nela seus irmãos[. (Parágrafos relacionados: 880,153,442,424)
553 Jesus confiou a Pedro uma autoridade específica: "Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: o que ligares na terra será ligado nos Céus, e o que desligares na terra será desligado nos Céus" (Mt 16,19). O "poder das chaves" designa a autoridade para governar a casa de Deus, que é a Igreja. Jesus, "o Bom Pastor" (Jo 10,11), confirmou este encargo depois de sua Ressurreição: "Apascenta as minhas ovelhas" (Jo 21,15-17). O poder de "ligar e desligar" significa a autoridade para absolver os pecados, pronunciar juízos doutrinais e tomar decisões disciplinares na Igreja. Jesus confiou esta autoridade à Igreja pelo ministério dos apóstolos e particularmente de Pedro, o único ao qual confiou explicitamente as chaves do Reino. (Parágrafos relacionados: 381,1445,641,881)
UM ANTEGOZO DO REINO: A TRANSFIGURAÇÃO
554 A partir do dia em que Pedro confessou que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo, o Mestre "começou a mostrar a seus discípulo que era necessário que fosse a Jerusalém e sofresse... que fosse morto e ressurgisse ao terceiro dia" (Mt 16,21): Pedro rechaça este anúncio, os demais também não o compreendem. É neste contexto que se situa o episódio misterioso da Transfiguração de Jesus sobre um monte elevado, diante de três testemunhas escolhidas por ele: Pedro, Tiago e João. O rosto e as vestes de Jesus tornam-se fulgurantes de luz, Moisés e Elias aparecem, "falavam de sua partida que iria se consumar em Jerusalém" (Lc 9,31). Uma nuvem os cobre e uma voz do céu diz: "Este é o meu Filho, o Eleito; ouvi-o" (Lc 9,35). (Parágrafos relacionados: 697,2600,444)
555 Por um instante, Jesus mostra sua glória divina, confirmando, assim, a confissão de Pedro. Mostra também que, para "entrar em sua glória" (Lc 24,26), deve passar pela Cruz em Jerusalém. Moisés e Elias haviam visto a glória de Deus sobre a Montanha; a Lei e os profetas tinham anunciado os sofrimentos do Messias. A Paixão de Jesus é sem dúvida a vontade do Pai: o Filho age como servo de Deus. A nuvem indica a presença do Espírito Santo: "Tota Trinitas apparuit: Pater in voce; Filius in homine, Spiritus in nube clara - A Trindade inteira apareceu: o Pai, na voz; o Filho, no homem; o Espírito, na nuvem clara. (Parágrafos
relacionados: 2576,2583,257)
Vós vos transfigurastes na montanha e, porquanto eram capazes, vossos discípulos contemplaram vossa Glória, Cristo Deus, para que, quando vos vissem crucificado, compreendessem que vossa Paixão era voluntária e anunciassem ao mundo que vós sois verdadeiramente a irradiação do Pai.
556 No limiar da vida pública, o Batismo; no limiar da Páscoa, a Transfiguração. Pelo Batismo de Jesus "declaratum fuit mysterium primae regenerationis - foi manifestado o mistério da primeira regeneração": o nosso Batismo; a Transfiguração "est sacramentum secundae regenerationis - é o sacramento da segunda regeneração": a nossa própria ressurreição. Desde já participamos da Ressurreição do Senhor pelo Espírito Santo que age nos sacramentos do Corpo de Cristo A Transfiguração dá-nos um antegozo da vinda gloriosa do Cristo, "que transfigurar nosso corpo humilhado, conformando-o ao seu corpo glorioso" (Fl 3,21). Mas ela nos lembra também "que é preciso passarmos por muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus" (At 14,22): (Parágrafos relacionados: 1003)
Pedro ainda não tinha compreendido isso ao desejar viver com Cristo sobre a montanha. Ele reservou-te isto, Pedro, para depois da morte. Mas agora Ele mesmo diz: Desce para sofrer na terra, para servir na terra, para ser desprezado, crucificado na terra. A Vida desce para fazer-se matar; o Pão desce
para ter fome; o Caminho desce para cansar-se da caminhada; a Fonte desce para ter sede; e tu recusas Sofrer?
A SUBIDA DE JESUS A JERUSALÉM
557 "Ora, quando se completaram os dias de sua elevação, Jesus tomou resolutamente o caminho de Jerusalém" (Lc 9, 51). Com esta decisão, indicava que subia a Jerusalém pronto para morrer. Por três vezes tinha anunciado sua Paixão e sua Ressurreição. Ao dirigir-se para Jerusalém, disse: "Não convém que um profeta pereça fora de Jerusalém" (Lc 13,33).
558 Jesus lembra o martírio dos profetas que tinham sido mortos em Jerusalém. Todavia, persiste em convidar Jerusalém a congregar-se em torno dele: "Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha recolhe seus pintainhos debaixo das asas... e não o quiseste" (Mt 23,37b). Quando Jerusalém está à vista, chora sobre ela e exprime uma vez mais o desejo de seu coração: "Ah! Se neste dia também tu conhecesses a mensagem de paz! Agora, porém, isto está escondido a teus olhos" (Lc 19,42).
A ENTRADA MESSIÂNICA DE JESUS EM JERUSALÉM
559 Como vai Jerusalém acolher seu Messias? Embora sempre se tivesse subtraído às tentativas populares de fazê-lo rei. Jesus escolhe o momento e prepara os detalhes de sua entrada messiânica na cidade de "Davi, seu pai" (Lc 1,32). É aclamado como o filho de Davi, aquele que traz a salvação ("Hosana" quer dizer salva-nos!", "dá a salvação!") Ora, o "Rei de Glória" (Sl 24,7-10) entra em sua cidade "montado em um jumento" (Zc 9,9): não conquista a Filha de Sião figura de sua Igreja, pela astúcia nem pela violência, mas pela humildade que dá testemunho da Verdade. Por isso os súditos de seu Reino, nesse dia, são as crianças e os "pobres de Deus" que o aclamam como os anjos o anunciaram aos pastores. A aclamação deles - "Bendito seja o que vem em nome do Senhor" (S1 118,26)- é retomada pela Igreja no "Sanctus" da liturgia eucarística, para abrir o memorial da Páscoa do Senhor. (Parágrafos relacionados: 333,1352)
560 A entrada de Jesus em Jerusalém manifesta a vinda do Reino que o Rei-Messias vai realizar pela Páscoa de sua Morte e de sua Ressurreição. E com sua celebração, no Domingo de Ramos, que a liturgia da Igreja abre a grande Semana Santa. (Parágrafos relacionados: 550,2816,1169)
RESUMINDO
561 "Toda a vida de Cristo foi um contínuo ensinamento: seus silêncios, seus milagres, seus gestos, sua oração, seu amor ao homem, sua predileção pelos pequenos e pelos pobres, a aceitação do sacrifício total na Cruz pela redenção do mundo, Sua Ressurreição constituem a atuação de sua palavra e o cumprimento da Revelação.
562 Os discípulos de Cristo devem conformar-se com Ele até Ele se formar neles" É por isso que somos inseridos nos mistérios de sua vida, com Ele configurados, com Ele mortos e com Ele ressuscitados, até que com Ele reinemos.
563 "Seja pastor, seja mago, não se pode atingir a Deus na terra senão ajoelhando-se diante da manjedoura de Belém e adorando-o escondido na fraqueza de uma criança.
564 Por sua submissão a Maria e José, assim como por seu humilde trabalho durante longos anos em Nazaré, Jesus nos dá o exemplo da santidade na vida cotidiana da família e do trabalho.
565 Desde o início de sua vida pública, em seu Batismo, Jesus é o "Servo", inteiramente consagrado à obra redentora que se realizará pelo "Batismo" de sua paixão.
566 A tentação no deserto mostra Jesus, Messias humilde que triunfa sobre Satanás por sua total adesão ao desígnio de salvação querido pelo Pai.
567 O Reino dos céus foi inaugurado na terra por Cristo. "Manifesta-se lucidamente aos homens na palavra, nas obras e na presença de Cristo. "A Igreja é o germe e o começo desde Reino. Suas chaves são confiadas a Pedro.
568 A Transfiguração de Cristo tem por finalidade fortificar a fé dos apóstolos em vista da Paixão: a subida à "elevada montanha" prepara a subida ao Calvário. Cristo, Cabeça da Igreja, manifesta o que seu Corpo contém e irradia nos sacramentos "a esperança da Glória" (Cl 1,27[a149] ).
569 Jesus subiu voluntariamente a Jerusalém, embora soubesse que lá morreria de morte violenta por causa da contradição por parte dos pecadores.
570 A entrada de Jesus em Jerusalém manifesta a vinda do Reino que o Rei-Messias, acolhido em sua cidade pelas crianças e pelos humildes de coração, vai realizar por meio da Páscoa de sua Morte e Ressurreição.
ARTIGO 4 :
"JESUS CRISTO PADECEU SOB PÔNCIO PILATOS, FOI CRUCIFICADO, MORTO E SEPULTADO"
571 O mistério pascal da Cruz e da Ressurreição de Cristo está no centro da Boa Nova que os apóstolos e a Igreja, na esteira deles, devem anunciar ao mundo. O projeto salvador de Deus realizou-se "uma vez por todas" (Hb 9,26) pela morte redentora de seu Filho, Jesus Cristo. (Parágrafo relacionado: 1067)
572 A Igreja permanece fiel à "interpretação de todas as Escrituras" dada por Jesus mesmo antes e também depois de sua Páscoa. "Não era preciso que Cristo sofresse tudo isso e entrasse em sua glória?" (Lc 24,26). Os sofrimentos de Jesus tomaram sua forma histórica concreta pelo fato de ele ter sido "rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos escribas" (Mc 8,31), que o "entregarão aos gentios para ser escarnecido, açoitado e crucificado" (Mt 20,19). (Parágrafo relacionado: 599)
573 A fé pode, pois, tentar perscrutar as circunstâncias da Morte de Jesus, transmitidas fielmente pelos Evangelhos e iluminadas por outras fontes históricas, para melhor compreender o sentido da Redenção. (Parágrafo relacionado: 158)
PARÁGRAFO I - JESUS E ISRAEL
574 Desde o início do ministério público de Jesus, fariseus e adeptos de Herodes, com sacerdotes e escribas, mancomunaram-se para matá-lo. Por causa de certos atos por ele praticados (expulsão de demônios, perdão dos pecados, curas em dia de sábado [a6] interpretação original dos preceitos de pureza da Lei, de pureza da Lei, familiaridade com os publicanos e com pecadores públicos), Jesus pareceu a alguns mal-intencionados, suspeito de possessão demoníaca. Ele é acusado de blasfêmia e de falso profetismo, crimes religiosos que a Lei punia com a pena de morte sob forma de apedrejamento. (Parágrafos relacionados: 530,591)
575 Muitos atos e palavras de Jesus constituíram, portanto, um sinal de contradição" para as autoridades religiosas de Jerusalém – que o Evangelho de São João com freqüência denomina "os judeus" – mas ainda do que para o comum do povo de Deus. Sem dúvida, suas relações com os fariseus não foram exclusivamente polêmicas. São os fariseus que o previnem do perigo que corre. Jesus elogia alguns deles, como o escriba de Mc 12,34, e repetidas vezes come com fariseus. Jesus confirma doutrinas compartilhadas por essa elite religiosa do povo de Deus: a ressurreição dos mortos, as formas de piedade (esmola, jejum e oração) e o hábito de dirigir-se a Deus como Pai, a centralidade do mandamento do amor a Deus e ao próximo. (Parágrafo relacionado: 993)
576 Aos olhos de muitos, em Israel, Jesus parece agir contra as instituições essenciais do Povo eleito:
ü a submissão à Lei na integralidade de seus preceitos escritos e, para os fariseus, na interpretação da tradição oral;
ü a centralidade do Templo de Jerusalém como lugar santo, em que Deus habita de forma privilegiada;
ü a fé no Deus único, cuja glória nenhum homem pode compartilhar.
I. JESUS E A LEI
577 Jesus fez uma advertência solene no começo do Sermão da Montanha, em que apresentou a Lei dada por Deus no Sinai por ocasião da Primeira Aliança à luz da graça da Nova Aliança: Não penseis que vim revogar a Lei e os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento, porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omitido um só i, uma só vírgula da Lei, sem que tudo seja realizado. Aquele, portanto, que violar um só destes menores mandamentos e ensinar os homens a fazerem o mesmo ser chamado o menor no Reino dos Céus; aquele, porém, que os praticar e os ensinar, esse será chamado grande no Reino dos Céus (Mt 5,17-19). (Parágrafos relacionados: 1965,1967)
578 Jesus, o Messias de Israel, portanto o maior no Reino dos Céus, tinha a obrigação de cumprir a Lei, executando-a em sua integridade até seus mínimos preceitos, segundo suas próprias palavras. Ele é o único que conseguiu cumpri-la com perfeição. Os judeus, conforme sua própria confissão, nunca conseguiram cumprir a Lei em sua integridade sem violar-lhe o mínimo preceito. Esta é a razão pela qual, em cada festa anual da Expiação, os filhos de Israel pedem a Deus perdão por suas transgressões da Lei. Com efeito, a Lei constitui um todo e, como recorda São Tiago, "aquele que guarda toda a Lei, mas desobedece a um só ponto, torna- se culpado da transgressão da Lei inteira" (Tg [a23] 2,10). (Parágrafo relacionado: 1953)
579 Esse princípio da integralidade da observância da Lei, não somente em sua letra, mas em seu espírito, era caro aos fariseus. Tomando-o extensivo a Israel, levaram muitos judeus do tempo de Jesus a um zelo religioso extremo. Este zelo extremo, se não quisesse envolver-se em uma casuística "hipócrita", só podia preparar o povo para essa intervenção inaudita de Deus que será o cumprimento perfeito da Lei
exclusivamente pelo Justo em lugar de todos os pecadores.
580 O cumprimento perfeito da Lei só podia ser obra do Legislador divino nascido sujeito à Lei na pessoa do Filho. Em Jesus, a Lei não aparece mais gravada nas tábuas de pedra, mas "no fundo do coração" (Jr 31,33) do Servo, o qual, pelo fato de "trazer fielmente o direito" (Is 42,3), se tornou "a Aliança do povo" (Is 42,6). Jesus cumpriu a Lei até o ponto de tomar sobre si "a maldição da Lei[a28] ” in quod illi incurrerant "qui non permanent in omnibus, quae scripta sunt, ut faciant ea", na qual incorrerreram aqueles que "não praticam todos os preceitos da mesma, pois “a morte de Cristo aconteceu para resgatar as transgressões cometidas no Regime da Primeira Aliança" (Hb 9, 15). (Parágrafo relacionado: 527)
581 Jesus apareceu aos olhos dos judeus e de seus chefes espirituais como um "rabi". Com freqüência argumentou na linha da interpretação rabínica da Lei. Mas ao mesmo tempo Jesus só podia chocar os doutores da Lei, já que não se contentava em propor sua interpretação em pé de igualdade com as deles, senão que "ensinava como alguém que tem autoridade, e não como os escribas" (Mt 7,28-29). Nele, é a mesma Palavra de Deus que tinha ressoado no Sinai para a Moisés a Lei escrita, que se faz ouvir novamente sobre o Monte Bem-aventuranças. Ela não abole a Lei, mas a cumpre, fornecendo de modo divino a interpretação última dela: "Aprendestes o que foi dito aos antigos... eu, porém, vos digo" (Mt 5,33-34). Com esta mesma autoridade divina, Ele desabona certas "tradições humanas" dos fariseus que "invalidam a Palavra de Deus". (Parágrafo relacionado: 2054)
582 Indo mais longe, Jesus cumpre a Lei a respeito da pureza dos alimentos, tão importante na vida diária judaica, revelando o sentido “pedagógico" dela por uma interpretação divina: "Tudo o que de fora, entrando no homem, não pode torná-lo impuro..." assim declarava puros todos os alimentos. "O que sai do homem, é isto que o torna impuro. Pois é de dentro, do coração dos homens, que as intenções malignas" (Mc 7,18-21). Ao dar com autoridade divina a interpretação definitiva da Lei, Jesus acabou confrontando-se com certos doutores da Lei que não aceitavam a interpretação da Lei dada por Jesus, apesar de garantida pelos sinais divinos que a acompanhavam. Isto vale particularmente para a questão do sábado: Jesus lembra, muitas vezes com argumentos rabínicos, que o descanso do sábado não é lesado pelo serviço de Deus ou do próximo, executado por meio das curas operadas por Ele. (Parágrafos relacionados: 368,548,2173)
II. JESUS E O TEMPLO
583 Jesus, como os profetas anteriores a Ele, teve pelo Templo de Jerusalém o mais profundo respeito. Nele foi apresentado por José e Maria quarenta dias após seu nascimento. Com doze anos, decide ficar no Templo para lembrar a seus pais que deve dedicar-se às coisas de seu Pai. Durante os anos de sua vida oculta, subiu ao Templo a cada ano, no mínimo por ocasião da Páscoa; até seu ministério público foi
ritmado por suas peregrinações a Jerusalém para as grandes festas judaicas. (Parágrafos relacionados: 529,534)
584 Jesus subiu ao Templo como lugar privilegiado de encontro com Deus. O Templo é para ele a morada de seu Pai, uma casa de oração, e se indigna pelo fato de seu átrio externo ter-se tornado um lugar de comércio. Se expulsa os vendilhões do Templo, é por amor zeloso a seu Pai. "Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio. Seus discípulos lembram-se do que está escrito: 'O zelo por tua casa me devorará' (Sl 69)” (Jo 2,16-17). Depois de sua Ressurreição, os apóstolos mantiveram um respeito religioso pelo Templo. (Parágrafo relacionado: 2599)
585 Contudo, no limiar de sua Paixão, Jesus anunciou a ruína desse esplêndido edifício, do qual não restará mais pedra sobre pedra. Há aqui o anúncio de um sinal dos tempos finais que vão abrir-se com sua própria Páscoa. Esta profecia, porém, pode ser relatada de modo deformado por testemunhas falsas no momento do interrogatório de Jesus diante do sumo sacerdote, sendo-lhe atribuída como injúria quando ele foi pregado à cruz.
586 Longe de ter sido hostil ao Templo, local em que aliás, ministrou o essencial de seu ensinamento, Jesus fez questão de pagar o imposto do Templo, associando a este ato Pedro, que acabara de estabelecer como fundamento para sua Igreja futura. Mais ainda: identificou-se com o Templo ao apresentar-se como a morada definitiva de Deus entre os homens. Eis por que sua morte corporal decretada anuncia a destruição do Templo, (destruição) que manifestará a entrada em uma nova era História da Salvação: "Vem a hora em que nem sobre esta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai" (Jo 4,21) (Parágrafos relacionados: 797,1179)
III. JESUS E A FÉ DE ISRAEL NO DEUS ÚNICO E SALVADOR
587 Se a Lei e o Templo de Jerusalém puderam ser ocasião de "contradição” da parte de Jesus para as autoridades religiosas de Israel, foi o papel dele na redenção dos pecados, obra divina por excelência, que constituiu para elas a verdadeira pedra de escândalo.
588 Jesus escandalizou os fariseus ao comer com os publicanos e os pecadores com a mesma familiaridade com que comia com eles. Contra os que, dentre os fariseus, estavam "convencidos de serem justos e desprezavam os outros" (Lc 18,9[a61] ), Jesus afirmou: "Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento" (Lc 5,32). Foi mais longe ao proclamar diante dos fariseus que, sendo o pecado universal, os que pretendem não necessitar de salvação estão cegos para sua própria cegueira. (Parágrafos Relacionados 545)
589 Jesus escandalizou sobretudo porque identificou sua conduta misericordiosa para com os pecadores com a atitude do próprio Deus para com eles. Chegou ao ponto de dar a entender que, partilhando a mesa dos pecadores, os estava admitindo ao banquete messiânico. Mas foi particularmente ao perdoar os pecados que Jesus deixou as autoridades religiosas de Israel diante de um dilema. Foi isto que disseram com razão, cheios de espanto: Só Deus pode perdoar os pecados" (Mc 2,7). Ao perdoar os pecados, ou Jesus blasfema - pois é um homem que se iguala a Deus -, ou diz a verdade, e sua pessoa torna presente e revela o Nome de Deus. (Parágrafos Relacionados 431,1441,432)
590 Somente a identidade divina da pessoa de Jesus pode justificar uma exigência tão absoluta quanto esta: "Aquele que não está comigo está contra mim" (Mt 12,30); assim, também, quando diz que nele está "mais do que Jonas... mais do que Salomão" (Mt 12,41-42), "mais do que o Templo"; ou quando lembra, referindo-se a si mesmo, que Davi chamou o Messias de seu Senhor[a70] , ao a firmar "Antes que Abraão fosse, Eu Sou" (Jo 8,58); e até "Eu e o Pai somos um" (Jo 10,30). (Parágrafo Relacionado 253)
591 Jesus pediu às autoridades religiosas de Jerusalém que cressem nele por causa das obras de seu Pai que ele realiza. Tal ato de fé tinha de passar, no entanto, por uma misteriosa morte de si mesmo em vista de um novo "nascimento do alto", sob o impulso da graça divina. Essa exigência de conversão ante um cumprimento tão surpreendente das promessas permite compreender o trágico desprezo do sinédrio ao estimar que Jesus merecia a morte como blasfemo. Seus membros agiam assim por "ignorância" e ao mesmo tempo pelo “endurecimento" da "incredulidade". (Parágrafos Relacionados 526,574)
RESUMINDO
592 Jesus não aboliu a Lei do Sinai, mas a cumpriu com tal perfeição que revela seu sentido último e resgata as transgressões contra ela.
593 Jesus venerou o Templo, subindo a ele nas festas judaicas de peregrinação, e amou com amor cioso esta morada de Deus entre os homens. O Templo prefigura seu próprio mistério. Se anuncia a destruição do Templo, é como manifestação de sua própria morte e da entrada em uma nova era da História da Salvação, na qual seu Corpo será o Templo definitivo.
594 Jesus realizou atos como o perdão dos pecados – que o manifestaram como o próprio Deus Salvador. Alguns judeus, não reconhecendo o Deus feito homem e vendo nele um homem que se faz Deus", julgaram-no blasfemo.
PARÁGRAFO 2
JESUS MORREU CRUCIFICADO
I. O PROCESSO DE JESUS
DISSENSÕES ENTRE AS AUTORIDADES JUDAICAS EM RELAÇÃO A JESUS
595 Entre as autoridades religiosas de Jerusalém não houve somente o fariseu Nicodemos ou o ilustre José de Arimatéia como discípulos secretos de Jesus, mas durante muito tempo foram produzidas dissensões acerca de Jesus, a ponto de, às vésperas de sua Paixão São João poder dizer deles que "um bom número deles creu nele”, ainda que de forma bem imperfeita (Jo 12,42). Isso não tem nada de surpreendente se levarmos em conta que no dia seguinte a Pentecostes "uma multidão de sacerdotes obedecia à fé" (At 6,7) e que "alguns do partido dos fariseus haviam abraçado a fé" (At 15,5), a ponto de São Tiago poder dizer a São Paulo que "zelosos partidários da Lei, milhares de judeus abraçaram a fé" (At 21,20).
596 As autoridades religiosas de Jerusalém não foram unânimes na conduta a adotar em relação a Jesus. Os fariseus ameaçaram de excomunhão os que o seguissem[a90] . Aos que temiam que "todos crerão em Jesus e os romanos virão e destruirão nosso Lugar Santo e a nação" (Jo 11,48), o Sumo Sacerdote Caifás propôs, profetizando: "Não compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda?" (Jo 11,50). O Sinédrio, depois de declarar Jesus "passível de morte" na qualidade deblasfemador, mas, tendo perdido o direito de pô-lo à morte, entrega Jesus aos romanos, acusando-o de revolta política, o que colocará Jesus no mesmo pé que Barrabás, acusado de "sedição" (Lc 23,19). São também ameaças políticas o que os chefes dos sacerdotes fazem a Pilatos para que condene Jesus à morte. (Parágrafo Relacionado 1753)
OS JUDEUS NÃO SÃO COLETIVAMENTE RESPONSÁVEIS PELA MORTE DE JESUS
597 Levando em conta a complexidade histórica do processo de Jesus manifestada nos relatos evangélicos, e qualquer que possa ser o pecado pessoal dos atores do processo (Judas, o Sinédrio, Pilatos), conhecido só de Deus, não se pode atribuirá responsabilidade ao conjunto dos judeus de Jerusalém, a despeito dos gritos de uma multidão manipulada e das censuras globais contidas nos apelos à conversão depois de Pentecostes. O próprio Jesus, ao perdoar na cruz, e Pedro, depois dele, apelaram para a "ignorância" dos judeus de Jerusalém e até dos chefes deles. Menos ainda pode-se, a partir do grito do povo: "Seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos" (Mt 27,25), que significa uma fórmula de ratificação, estender a responsabilidade aos outros judeus no espaço e no tempo. (Parágrafo Relacionado 1735)
Por isso a Igreja declarou muito oportunamente no Concílio Vaticano II: "Aquilo que se perpetrou em sua Paixão não pode indistintamente ser imputado a todos os judeus que viviam então, nem aos de hoje... Os judeus não devem ser apresentados nem como condenados por Deus nem como amaldiçoados, como se isto decorresse das Sagradas Escrituras". (Parágrafo Relacionado 839)
TODOS OS PECADORES FORAM OS AUTORES DA PAIXÃO DE CRISTO
598 No magistério de sua fé e no testemunho de seus santos a Igreja nunca esqueceu que "foram os pecadores como tais os autores e como que os instrumentos de todos os sofrimentos por que passou o Divino Redentor". Levando em conta que nossos pecados atingem o próprio Cristo, a Igreja não hesita em imputar aos cristãos a responsabilidade mais grave no suplício de Jesus, responsabilidade que com excessiva freqüência estes debitaram quase exclusivamente aos judeus.
Devemos considerar como culpados desta falta horrível os que continuam a reincidir em pecados. Já que são os nossos crimes que arrastaram Nosso Senhor Jesus Cristo ao suplício da cruz, com certeza os que mergulham nas desordens e no mal “de sua parte crucificam de novo o Filho de Deus e o expõem as injúrias" (Hb 6,6). E é imperioso reconhecer que nosso próprio crime, neste caso é maior do que o dos judeus. Pois estes, como testemunha o Apóstolo, "se tivessem conhecido o Rei da glória, nunca o teriam crucificado" (1Cor 2,8). Nós, porém, fazemos profissão de conhecê-lo. E, quando o negamos por nossos atos, de certo modo levantamos contra Ele nossas mãos homicidas. Os demônios, então, não foram eles que o crucificaram; és tu que com eles o crucificaste e continuas a crucificá-lo, deleitando-te nos vícios e. nos pecados. (Parágrafo Relacionado 1851)
II. A MORTE REDENTORA DE CRISTO NO DESÍGNIO DIVINO DE SALVAÇÃO
"JESUS ENTREGUE SEGUNDO O DESÍGNIO BEM DETERMINADO DE DEUS”
599 A morte violenta de Jesus não foi o resultado do acaso um conjunto infeliz de circunstâncias. Ela faz parte do mistério do projeto de Deus, como explica São Pedro aos judeus de Jerusalém já em seu primeiro discurso de Pentecostes: “Ele foi entregue segundo o desígnio determinado e a presciência de Deus" (At 2,23). Esta linguagem bíblica não significa que os que "entregaram Jesus" tenham sido apenas executores passivos de um roteiro escrito de antemão por Deus. (Parágrafo Relacionado 517)
600 Para Deus, todos os momentos do tempo estão presentes em sua atualidade. Ele estabelece, portanto, seu projeto eterno de "predestinação" incluindo nele a resposta livre de cada homem à sua graça: "De fato, contra teu servo Jesus, a quem ungiste, verdadeiramente coligaram-se, nesta cidade, Herodes e Pôncio Pilatos com as nações pagãs e os povos de Israel, para executar tudo o que, em teu poder e sabedoria, havias predeterminado" (At 4,27-28). Deus permitiu os atos nascidos de sua cegueira, a fim de realizar seu projeto de salvação. (Parágrafo Relacionado 312)
"MORREU POR NOSSOS PECADOS SEGUNDO AS ESCRITURAS"
601 Este projeto divino de salvação mediante a morte do "Servo, o Justo" havia sido anunciado antecipadamente na Escritura como um mistério de redenção universal, isto é, de resgate que liberta os homens da escravidão do pecado. São Paulo, em sua confissão de fé que diz ter "recebido secundum Scripturas", professa que "Cristo morreu por nossos pecados segundo as Escrituras. A morte redentora de Jesus cumpre em particular a profecia do Servo Sofredor. Jesus mesmo apresentou o sentido de sua vida e de sua morte à luz do Servo Sofredor. Após a sua Ressurreição, ele deu esta interpretação das Escrituras aos discípulos de Emaús, e depois aos próprios apóstolos. (Parágrafos Relacionados 652,713)
"AQUELE QUE NÃO CONHECERA O PECADO, DEUS O FEZ PECADO POR CAUSA DE NÓS"
602 Por isso, São Pedro pode formular assim a fé apostólica no projeto divino de salvação: "Fostes resgatados da vida fútil que herdastes de vossos pais, pelo sangue precioso de Cristo, como de um cordeiro sem defeitos e sem mácula, conhecido antes da fundação do mundo, mas manifestado, no fim dos tempos, por causa de vós" (1Pd 1,18-20). Os pecados dos homens, depois do pecado original, são sancionados pela morte. Ao enviar seu próprio Filho na condição de escravo, condição de uma humanidade decaída e fadada à morte por causa do pecado. "Aquele que não conhecera o pecado, Deus o fez pecado por causa de nós, a fim de que, por ele, nos tornemos justiça de Deus" (2Cor 5,21). (Parágrafos Relacionados 400,519)
603 Jesus não conheceu a reprovação, como se Ele mesmo tivesse pecado. Mas, no amor redentor que sempre o unia ao Pai, nos assumiu na perdição de nosso pecado em relação a Deus a ponto de poder
dizer em nosso nome, na cruz: "Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste?" (Mc 15,34[a122] ). Tendo-o tornado solidário de nós, pecadores, "Deus não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós" (Rm 8,32), a fim de que fôssemos "reconciliados com Ele pela morte de seu Filho” (Rm 5,10). (Parágrafo Relacionado 2572)
DEUS TEM A INICIATIVA DO AMOR REDENTOR UNIVERSAL
604 Ao entregar seu Filho por nossos pecados, Deus manifesta que seu desígnio sobre nós é um desígnio de amor benevolente que antecede a qualquer mérito nosso: "Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele quem nos amou e enviou-nos seu Filho como vítima de expiação por nossos pecados" (1Jo 4,10). "Deus demonstra seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando éramos ainda pecadores" (Rm 5,8). (Parágrafos Relacionados 211,2009,1925)
605 Este amor não exclui ninguém. Jesus lembrou-o na conclusão da parábola da ovelha perdida: "Assim, também, não é da vontade de vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca" (Mt 18,14). Afirma ele "dar sua vida em resgate por muitos" (Mt 20,28); este último termo não é restritivo: opõe o conjunto da humanidade à única pessoa do Redentor que se entrega para salvá-la. A Igreja, no seguimento dos apóstolos, ensina que Cristo morreu por todos os homens sem exceção: "Não há, não houve e não haverá nenhum homem pelo qual Cristo não tenha sofrido". (Parágrafos Relacionados 402,634,2793)
III. Cristo ofereceu-se a seu Pai por nossos pecados
TODA A VIDA DE CRISTO É OFERENDA AO PAI
606 O Filho de Deus, que "desceu do Céu não para fazer sua vontade, mas a do Pai que o enviou", "diz ao entrar no mundo:.. Eis-me aqui... eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade... Graças a esta vontade é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas" (Hb 10,5-10). Desde o primeiro instante de sua Encarnação, o Filho desposa o desígnio de salvação divino em sua missão redentora: "Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e consumar sua obra" (Jo 4,34). O sacrifício de Jesus "pelos pecados do mundo inteiro" (1Jo 2,2) é a expressão de sua comunhão de amor ao Pai: "O Pai me ama porque dou a minha vida" (Jo 10,17). "O mundo saberá que amo o Pai e faço como o Pai me ordenou" (Jo 14,31). (Parágrafos Relacionados 517,536)
607 Este desejo de desposar o desígnio de amor redentor de seu Pai anima toda a vida de Jesus pois sua Paixão redentora é a razão de ser de sua Encarnação: "Pai, salva-me desta hora. Mas foi precisamente para esta hora que eu vim" (Jo 12,27). "Deixarei eu de beber o cálice que o Pai me deu?" (Jo 18,11). E ainda na cruz, antes que tudo fosse "consumado" (Jo 19,30), ele disse: "Tenho sede" (Jo 19,28). (Parágrafo Relacionado 457)
"O CORDEIRO QUE TIRA O PECADO DO MUNDO"
608 Depois de ter aceitado dar-lhe o Batismo junto com os pecadores, João Batista viu e mostrou em Jesus o "Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo". Manifesta, assim que Jesus é ao mesmo tempo o Servo Sofredor que se deixa levar silencioso ao matadouro e carrega o pecado das multidões e o cordeiro pascal, símbolo da redenção de Israel por ocasião da primeira Páscoa. Toda a vida de Cristo exprime sua missão: "Servir e dar sua vida em resgate por muitos”. (Parágrafos Relacionados 523,517)
JESUS ABRAÇA LIVREMENTE O AMOR REDENTOR DO PAI
609 Ao abraçar em seu coração humano o amor do Pai pelos homens, Jesus "amou-os até o fim" (Jo 13,11), "pois ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Assim, no sofrimento e na morte, sua humanidade se tornou o instrumento livre e perfeito de seu amor divino, que quer a salvação dos homens. Com efeito, aceitou livremente sua Paixão e sua Morte por amor de seu Pai e dos homens, que o Pai quer salvar: "Ninguém me tira a vida, mas eu a dou livremente" (Jo 10,18). Daí a
liberdade soberana do Filho de Deus quando Ele mesmo vai ao encontro da morte. (Parágrafos Relacionados 478,515,272,539)
NA CEIA, JESUS ANTECIPOU A OFERTA LIVRE DE SUA VIDA
610 Jesus expressou de modo supremo a oferta livre de si mesmo na refeição que tomou com os Doze Apóstolos na "noite em que foi entregue" (1 Cor 11,23). Na véspera de sua Paixão, quando ainda estava em liberdade, Jesus fez desta Última Ceia com seus apóstolos o memorial de sua oferta voluntária ao Pai, pela salvação dos homens: "Isto é o meu corpo que é dado por vós” (Lc 22,19). "Isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, que é derramado por muitos para remissão dos pecados" (Mt 26,28). (Parágrafos Relacionados 766,1337)
611 A Eucaristia que instituiu naquele momento será o "memorial" de seu sacrifício. Jesus inclui os apóstolos em sua própria oferta e lhes pede que a perpetuem. Com isso, institui seus apóstolos sacerdotes da Nova Aliança: "Por eles, a mim mesmo me santifico, para que sejam santificados na verdade" (Jo 17,19). (Parágrafos Relacionados 1364,1341,1566)
A AGONIA NO GETSÊMANI
612 O cálice da Nova Aliança, que Jesus antecipou na Ceia, oferecendo-se a si mesmo, aceita-o em seguida das mãos do Pai em sua agonia no Getsêmani, tornando-se "obediente até a morte" (Fl 2,8). Jesus ora: "Meu Pai, se for possível, que passe de mim este cálice..." (Mt 26,39). Exprime assim o horror que a morte representa para sua natureza humana. Com efeito, a natureza humana de Jesus, como a nossa, está destinada à Vida Eterna; além disso, diversamente da nossa, ela é totalmente isenta de pecado, que causa a morte"; mas ela é sobretudo assumida pela pessoa divina do "Príncipe da Vida", do "vivente". Ao aceitar em sua vontade humana que a vontade do Pai seja feita, aceita sua morte como redentora para "carregar em seu próprio corpo os nossos pecados sobre o madeiro" (1Pd 2,24). (Parágrafos Relacionados 532,2600,1009)
A MORTE DE CRISTO É O SACRIFÍCIO ÚNICO E DEFINITIVO
613 A morte de Cristo é ao mesmo tempo o sacrifício pascal, que realiza a redenção definitiva dos homens pelo "cordeiro que tira o pecado do mundo", e o sacrifício da Nova Aliança, que reconduz o homem à comunhão com Deus, reconciliando-o com ele pelo "sangue derramado por muitos para remissão dos pecados". (Parágrafos Relacionados 1366,2009)
614 Este sacrifício de Cristo é único. Ele realiza e supera todos os sacrifícios. Ele é primeiro um dom do próprio Deus Pai: é o Pai que entrega seu Filho para reconciliar-nos consigo. É ao mesmo tempo oferenda do Filho de Deus feito homem, o qual, livremente e por amor, oferece sua vida a seu Pai pelo Espírito Santo, para reparar nossa desobediência. (Parágrafos Relacionados 529,1330,2100)
JESUS SUBSTITUI NOSSA DESOBEDIÊNCIA POR SUA OBEDIÊNCIA
615 Como pela desobediência de um só homem todos se tornaram pecadores, assim, pela obediência de um só, todos se tornarão justos" (Rm 5,19). Por sua obediência até a morte, Jesus realizou a substituição do Servo Sofredor que "oferece sua vida em sacrifício expiatório", "quando carregava o pecado das multidões", "que ele justifica levando sobre si o pecado de muitos". Jesus prestou reparação por nossas faltas e satisfez o Pai por nossos pecados. (Parágrafos Relacionados 1850,433,411)
NA CRUZ, JESUS CONSUMA SEU SACRIFÍCIO
616 É "o amor até o fim" que confere o Valor de redenção de reparação, de expiação e de satisfação ao sacrifício de Cristo. Ele nos conheceu a todos e amou na oferenda de sua vida. “A caridade de Cristo nos compele quando consideramos que um só morreu por todos e que, por conseguinte, todos morreram" (2 Cor 5,14). Nenhum homem, ainda que o mais santo, tinha condições de tomar sobre si os pecados de todos os homens e de se oferecer em sacrifício por todos. A existência em Cristo da Pessoa
Divina do Filho, que supera e, ao mesmo tempo, abraça todas as pessoas humanas, e que o constitui Cabeça de toda a humanidade, torna possível seu sacrifício redentor por todos. (Parágrafos Relacionados 478,468,519)
617 "Sua sanctissima passione in ligno crucis nobis iustificationem meruit - Por sua santíssima Paixão no madeiro da cruz mereceu-nos a justificação", ensina o Concílio de Trento, sublinhando o caráter único do sacrifício de Cristo como "princípio de salvação eterna". E a Igreja venera a Cruz, cantando: crux, ave, spes única - Salve, ó Cruz, única esperança". (Parágrafos Relacionados 1992,1235)
NOSSA PARTICIPAÇÃO NO SACRIFÍCIO DE CRISTO
618 A Cruz é o único sacrifício de Cristo, "único mediador entre Deus e os homens". Mas pelo fato de que, em sua Pessoa Divina encarnada, "de certo modo uniu a si mesmo todos os homens", "oferece a todos os homens, de uma forma que Deus conhece, a possibilidade de serem associados ao Mistério Pascal". Chama seus discípulos a "tomar sua cruz e a segui-lo", pois "sofreu por nós, deixou-nos um exemplo, a fim de que sigamos seus passos". Quer associar a seu sacrifício redentor aqueles mesmos que são os primeiros beneficiários dele. Isto realiza-se de maneira suprema em sua Mãe, associada mais intimamente do que qualquer outro ao mistério de seu sofrimento redentor: (Parágrafos Relacionados 1368,1460,307,2100,964)
Fora da Cruz não existe outra escada por onde subir ao céu.
RESUMINDO
619 "Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras" (1Cor 15,3).
620 Nossa salvação deriva da iniciativa de amor de Deus para conosco, pois “foi Ele quem nos amou e enviou seu Filho como vítima de expiação por nossos pecados" (1Jo 4,10). "Foi Deus que em Cristo reconciliou o mundo consigo" (2 Cor 5,19).
621 Jesus ofereceu-se livremente por nossa salvação. Este, dom, ele o significa e o realiza por antecipação durante a Última Ceia: "Isto é meu corpo, que será dado por vós" (Lc 22,19).
622 Nisto consiste a redenção de Cristo: ele "veio dar a sua vida em resgate por muitos" (Mt 20,28), isto é, "amar os seus até o fim" (Jo 13,1), para que sejais "libertados da vida fútil que herdastes de vossos pais".
623 Por sua obediência de amor ao Pai, "até a morte de cruz" (Fl 2,8), Jesus realizou sua missão expiadora do Servo Sofredor que “justificará a muitos e levar sobre si as suas transgressões".
PARÁGRAFO 3
JESUS CRISTO FOI SEPULTADO
624 "Pela graça de Deus, Ele provou a morte em favor de todos os homens" (Hb 2,9). Em seu projeto de salvação, Deus dispôs que seu Filho não somente "morresse por nossos pecados" (1Cor 15,3), mas também que "provasse a morte", isto é, conhecesse o estado de morte, o estado de separação entre sua alma e seu corpo, durante o tempo compreendido entre o momento em que expirou na cruz e o momento em que ressuscitou. Este estado do Cristo morto é o mistério do sepulcro e da descida aos Infernos. É o mistério do Sábado Santo, que o Cristo depositado no túmulo manifesta o grande descanso sabático de Deus depois da realização da salvação dos homens, que confere paz ao universo inteiro. (Parágrafos Relacionados 362,1005,345)
CRISTO COM SEU CORPO NA SEPULTURA
625 A permanência de Cristo no túmulo constitui o vínculo real entre o estado passível de Cristo antes da Páscoa e seu atual estado glorioso de Ressuscitado. E a mesma pessoa do "Vivente" que pode dizer: "Estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos" (Ap 1,18).
Deus [o Filho] não impediu a morte de separar a alma do corpo segundo a ordem necessária à natureza, mas os reuniu novamente um ao outro pela Ressurreição, a fim de ser ele mesmo em sua pessoa o ponto de encontro da morte e da vida, sustando nele a decomposição da natureza, produzida pela morte, e tomando-se ele mesmo princípio de reunião para as partes separadas.
626 Visto que o "Príncipe da vida" que mataram é o mesmo "Vivente que ressuscitou" é preciso que a Pessoa Divina do Filho de Deus tenha continuado a assumir sua alma e seu corpo separados entre si pela morte:
Pelo fato de que na morte de Cristo a alma tenha sido separada da carne, a única pessoa não foi dividida em duas pessoas, pois o corpo e a alma de Cristo existiram da mesma forma desde o início na pessoa do Verbo; e na Morte, embora separados um do outro, ficaram cada um com a mesma e única pessoa do Verbo. (Parágrafos Relacionados 470,650)
"NÃO DEIXARÁS TEU SANTO VER A CORRUPÇÃO"
627 A Morte de Cristo foi uma Morte verdadeira enquanto pôs fim à sua existência humana terrestre. Mas, devido à união que a pessoa do Filho manteve com o seu corpo, não estamos diante de um cadáver como os outros, porque "não era possível que a morte o retivesse em seu poder" (At 2,24) e porque "a virtude divina preservou o corpo de Cristo da corrupção". Sobre Cristo pode-se dizer ao mesmo tempo: "Ele foi eliminado da terra dos vivos" (Is 53,8) e "Minha carne repousará na esperança, porque não abandonarás minha alma no Hades, nem permitirás que teu Santo veja a corrupção" (At 2,26-27). A Ressurreição de Jesus "no terceiro dia" (1 Cor 15,4; Lc 24,46[a188] ) foi a prova disso, pois se pensava que a corrupção se manifestaria a partir do quarto dia. (Parágrafos Relacionados 1009,1683)
"SEPULTADOS COM CRISTO...
628 O Batismo, cujo sinal original e pleno é a imersão, significa eficazmente a descida ao túmulo do cristão que morre para o pecado com Cristo em vista de uma vida nova: "Pelo Batismo nós fomos sepultados com Cristo na morte, a fim de que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos vida nova" (Rm 6,4). (Parágrafos Relacionados 537,1215)
RESUMINDO
629 Em benefício de todo homem, Jesus experimentou a morte. Foi verdadeiramente o Filho de Deus feito homem que morreu e que foi sepultado.
630 Durante a permanência de Cristo no túmulo, sua Pessoa Divina continuou a assumir tanto a sua alma como o seu corpo, embora separados entre si pela morte. Por isso o corpo Cristo morto "não viu a corrupção" (At 2,27).
ARTIGO 5
"JESUS CRISTO DESCEU AOS INFERNOS, RESSUSCITOU DOS MORTOS NO TERCEIRO DIA"
631 "Jesus desceu às profundezas da terra. Aquele que desceu é também aquele que subiu" (Ef 4,9- 10). O Símbolo dos Apóstolos confessa em um mesmo artigo de fé a descida de Cristo aos Infernos e sua Ressurreição dos mortos no terceiro dia, porque em sua Páscoa é do fundo da morte que ele fez jorrar a vida:
Cristo, teu Filho,
que, retomado dos Infernos,
brilhou sereno para o gênero humano,
e vive e reina pelos séculos dos séculos. Amem.
PARÁGRAFO I
CRISTO DESCEU AOS INFERNOS
632 As freqüentes afirmações do Novo Testamento segundo as quais Jesus "ressuscitou dentre os mortos" (1Cor 15,20) pressupõem, anteriormente à ressurreição, que este tenha ficado na Morada dos Mortos. Este é o sentido primeiro que a pregação apostólica deu à descida de Jesus aos Infernos: Jesus conheceu a morte como todos os seres humanos e com sua alma esteve com eles na Morada dos Mortos. Mas para lá foi como Salvador, proclamando a boa notícia aos espíritos que ali estavam aprisionados.
633 A Escritura denomina a Morada dos Mortos, para a qual Cristo morto desceu, de os Infernos, o sheol ou o Hades, Visto que os que lá se encontram estão privados da visão de Deus. Este é, com efeito, o estado de todos os mortos, maus ou justos, à espera do Redentor que não significa que a sorte deles seja idêntica, como mostra Jesus na parábola do pobre Lázaro recebido no "seio de Abraão". "São precisamente essas almas santas, que esperavam seu Libertador no seio de Abraão, que Jesus libertou ao descer aos Infernos". Jesus não desceu aos Infernos para ali libertar os condenados nem para destruir o Inferno da condenação, mas para libertar os justos que o haviam precedido. (Parágrafo Relacionado 1033)
634 "A Boa Nova foi igualmente anunciada aos mortos..." (1Pd 4,6). A descida aos Infernos é o cumprimento, até sua plenitude, do anúncio evangélico da salvação. É a fase última da missão messiânica de Jesus, fase condensada no tempo, mas imensamente vasta em sua significação real de extensão da obra redentora a todos os homens de todos os tempos e de todos os lugares, pois todos os que são salvos se tomaram participantes da Redenção. (Parágrafo Relacionado 605)
635 Cristo desceu, portanto, no seio da terra, a fim de que "os mortos ouçam a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem vivam" (Jo 5,25). Jesus, "o Príncipe da vida", "destruiu pela morte o dominador da morte, isto é, O Diabo, e libertou os que passaram toda a vida em estado de servidão, pelo temor da morte" (Hb 2,5). A partir de agora, Cristo ressuscitado "detém a chave da morte e do Hades" (Ap 1,18), e "ao nome de Jesus todo joelho se dobra no Céu, na Terra e nos Infernos" (Fl 2,10).
Um grande silêncio reina hoje na terra, um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio porque o Rei dorme. A terra tremeu e acalmou-se porque Deus adormeceu na carne e foi acordar os que dormiam desde séculos... Ele vai procurar Adão, nosso primeiro Pai, a ovelha perdida. Quer ir visitar todos os que se assentaram nas trevas e à sombra da morte. Vai libertar de suas dores aqueles dos quais é filho e para os quais é Deus: Adão acorrentado e Eva com ele cativa. "Eu sou teu Deus, e por causa de ti me tornei teu filho. Levanta-te, tu que dormes, pois não te criei para que fiques prisioneiro do Inferno: Levanta-te dentre os mortos, eu sou a Vida dos mortos."
RESUMINDO
636 Na expressão "Jesus desceu à mansão dos mortos", o símbolo confessa que Jesus morreu realmente e que, por sua morte por nós, venceu a morte e o Diabo, "o dominador da morte. (Hb 2,14)
637 O Cristo morto, em sua alma unida à sua pessoa divina, desceu à Morada dos Mortos. Abriu as portas do Céu aos justos que o haviam precedido.
PARÁGRAFO 2
NO TERCEIRO DIA RESSUSCITOU DOS MORTOS
638 "Anunciamo-vos a Boa Nova: a promessa, feita a nossos pais, Deus a realizou plenamente para nós, seus filhos, ressuscitando Jesus" (At 13,32-33). A Ressurreição de Jesus é a verdade culminante de nossa fé em Cristo, crida e vivida como verdade central pela primeira comunidade cristã, transmitida como
fundamental pela Tradição, estabelecida pelos documentos do Novo Testamento, pregada, juntamente com a Cruz, como parte essencial do Mistério Pascal. (Parágrafos Relacionados 90,651,991)
Cristo ressuscitou dos mortos.
Por sua morte venceu a morte,
Aos mortos deu a vida[a16] .
I - O EVENTO HISTÓRICO E TRANSCENDENTE
639 O mistério da Ressurreição de Cristo é um acontecimento real que teve manifestações historicamente constatadas, como atesta o Novo Testamento. Já São Paulo escrevia aos Coríntios pelo ano de 56: "Eu vos transmiti... o que eu mesmo recebi: Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas, e depois aos Doze" (1Cor 15,3-4). O apóstolo fala aqui da viva tradição da Ressurreição, que ficou conhecendo após sua conversão às portas de Damasco.
O TÚMULO VAZIO
640 "Por que procurais entre os mortos Aquele que vive? Ele não esta aqui; ressuscitou" (Lc 24,5-6). No quadro dos acontecimentos da Páscoa, c primeiro elemento com que se depara é o sepulcro vazio. Ele não constitui em si uma prova direta. A ausência do corpo de Cristo no túmulo poderia explicar-se de outra forma. Apesar disso, o sepulcro vazio constitui para todos um sinal essencial. Sua descoberta pelos discípulos foi o primeiro passo para o reconhecimento do próprio fato da Ressurreição. Este é o caso das santas mulheres, em primeiro 1ugar, em seguida de Pedro. "O discípulo que Jesus amava" (Jo 20,2) afirma que, ao entrar no túmulo vazio e ao descobrir "os panos de linho no chão" (Jo 20,6), "viu e creu". Isto supõe que ele tenha constatado, pelo estado do sepulcro vazio, que a ausência do corpo de Jesus não poderia ser obra humana e que Jesus não havia simplesmente retomado a Vida terrestre, como tinha sido o caso de Lázaro. (Parágrafo Relacionado 999)
AS APARIÇÕES DO RESSUSCITADO
641 Maria de Mágdala e as santas mulheres, que Vinham terminar de embalsamar o corpo de Jesus, sepultado às pressas, devido à chegada do Sábado, na tarde da Sexta-feira Santa, foram as primeiras a encontrar o Ressuscitado. Assim, as mulheres foram as primeiras mensageiras da Ressurreição de Cristo para os próprios apóstolos. Foi a eles que Jesus apareceu em seguida, primeiro a Pedro, depois aos Doze. Pedro, chamado a confirmar a fé de seus irmãos, vê portanto, o Ressuscitado antes deles, e é baseada no testemunho dele que a comunidade exclama: "E verdade! O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão" (Lc 24,34). (Parágrafos Relacionados 553,448)
642 Tudo o que aconteceu nesses dias pascais convoca todos os apóstolos, de modo particular Pedro, para a construção da era nova que começou na manhã de Páscoa. Como testemunhas do Ressuscitado, são eles as pedras de fundação de sua Igreja. A fé da primeira comunidade dos crentes tem por fundamento o testemunho de homens concretos, conhecidos dos cristãos e, na maioria dos casos, vivendo ainda entre eles. Estas "testemunhas da Ressurreição de Cristo" são, antes de tudo, Pedro e os Doze, mas não somente eles: Paulo fala claramente de mais de quinhentas pessoas às quais Jesus apareceu de uma só vez, além de Tiago e de todos os apóstolos. (Parágrafos Relacionados 659,881,860)
643 Diante desses testemunhos é impossível interpretar a Ressurreição de Cristo fora da ordem física e não reconhecê-la como um fato histórico. Os fatos mostram que a fé dos discípulos foi submetida à prova radical da paixão e morte na cruz de seu Mestre, anunciada antecipadamente por Ele. O abalo provocado pela Paixão foi tão grande que os discípulos (pelo menos alguns deles) não creram de imediato na notícia da ressurreição. Longe de nos falar de uma comunidade tomada de exaltação mística, os Evangelhos nos apresentam discípulos abatidos, "com o rosto sombrio" (Lc 24,17) e assustados. Por isso não acreditaram nas santas mulheres que voltavam do sepulcro, e "as palavras delas pareceram-lhes desvario" (Lc 24,11[a34] ). Quando Jesus se manifesta aos onze na tarde da Páscoa, "censura-lhes a incredulidade e a dureza de coração, porque não haviam dado crédito aos que tinham visto o Ressuscitado" (Mc 16,14).
644 Mesmo confrontados com a realidade de Jesus ressuscitado, os discípulos ainda duvidam, a tal ponto que o fato lhes parece impossível: pensam estar vendo um espírito. "Por causa da alegria, não podiam acreditar ainda e permaneciam perplexos" (Lc 24,41). Tomé conhecerá a mesma provação da dúvida e quando da última aparição na Galiléia, contada por Mateus, "alguns, porém, duvidaram" (Mt 28,17). Por isso, a hipótese segundo a qual a ressurreição teria sido um "produto" da fé (ou da credulidade) dos apóstolos carece de consistência. Muito pelo contrário, a fé que tinham na Ressurreição nasceu - sob a ação da graça divina - da experiência direta da realidade de Jesus ressuscitado.
O ESTADO DA HUMANIDADE RESSUSCITADA DE CRISTO
645 Jesus ressuscitado estabelece com seus discípulos relações diretas, em que estes o apalpam e com Ele comem. Convida-os, com isso, a reconhecer que Ele não é um espírito, mas sobretudo a constatar que o corpo ressuscitado com o qual Ele se apresenta a eles é o mesmo que foi martirizado e crucificado, pois ainda traz as marcas de sua Paixão. Contudo, este corpo autêntico e real possui, ao mesmo tempo, as propriedades novas de um corpo glorioso: não está mais situado no espaço e no tempo, mas pode tornar-se presente a seu modo, onde e quando quiser, pois sua humanidade não pode mais ficar presa à terra, mas já pertence exclusivamente ao domínio divino do Pai. Por esta razão também Jesus ressuscitado é soberanamente livre de aparecer como quiser: sob a aparência de um jardineiro ou “de outra forma" (Mc 16,12), diferente das que eram familiares aos discípulos, e isto precisamente para suscitar-lhes a fé. (Parágrafo Relacionado 999)
646 A Ressurreição de Cristo não constituiu uma volta à vida terrestre, como foi o caso das ressurreições que Ele havia realizado antes da Páscoa: a filha de Jairo, o jovem de Naim e Lázaro. Tais fatos eram acontecimentos miraculosos, mas as pessoas contempladas pelos milagres voltavam simplesmente à vida terrestre "ordinária" pelo poder de Jesus. Em determinado momento, voltariam a morrer. A Ressurreição de Cristo é essencialmente diferente. Em seu corpo ressuscitado, Ele passa de um estado de morte para outra vida, para além do tempo e do espaço. Na Ressurreição, o corpo de Jesus é repleto do poder do Espírito Santo; participa da vida divina no estado de sua glória, de modo que Paulo pode chamar a Cristo de "o homem celeste". (Parágrafos Relacionados 934,549)
A RESSURREIÇÃO COMO ACONTECIMENTO TRANSCENDENTE
647 "Só tu, noite feliz "canta o Exsultet da Páscoa – “soubeste a hora em que Cristo da morte ressurgia." Com efeito ninguém foi testemunha ocular do próprio acontecimento da Ressurreição, e nenhum Evangelista o descreve. Ninguém foi capaz de dizer como ela se produziu fisicamente. Muito menos sua essência mais íntima, sua passagem a outra vida, foi perceptível aos sentidos. Como evento histórico constatável pelo sinal do sepulcro vazio e pela realidade dos encontros dos apóstolos com Cristo ressuscitado, a Ressurreição nem por isso deixa de estar no cerne do mistério da fé, no que ela transcende e supera a história. E por isso que Cristo ressuscitado não se manifesta ao mundo mas a seus discípulos, "aos que haviam subido com ele da Galiléia para Jerusalém, os quais são agora suas testemunhas diante do povo" (At 13,31). (Parágrafo Relacionado 1000)
II. A RESSURREIÇÃO - OBRA DA SANTÍSSIMA TRINDADE
648 A Ressurreição de Cristo é objeto de fé enquanto intervenção transcendente do próprio Deus na criação e na história. Nela, as três Pessoas Divinas agem ao mesmo tempo, juntas, e manifestam sua originalidade própria. Ela aconteceu pelo poder do Pai que "ressuscitou" (At 2,24) Cristo, seu Filho, e desta forma introduziu de modo perfeito sua humanidade - com seu corpo - na Trindade. Jesus é definitivamente revelado "Filho de Deus com poder por sua Ressurreição dos mortos segundo o Espírito de santidade" (Rm 1,4). São Paulo insiste na manifestação do poder de Deus pela obra do Espírito que vivificou a humanidade morta de Jesus e a chamou ao estado glorioso de Senhor. (Parágrafos Relacionados 258,989,663,445,272)
649 O Filho opera, por sua vez, a própria Ressurreição em virtude de seu poder divino. Jesus anuncia que o Filho do homem dever sofrer muito, morrer e, em seguida, ressuscitar (sentido ativo da palavra). Alhures, afirma explicitamente: "Eu dou a minha vida para retomá-la... Tenho poder de dá-la e poder para retomá-la" (Jo 10,17-18 "Nós cremos... que Jesus morreu, em seguida ressuscitou" (1Ts 4,14).
650 Os Padres da Igreja contemplam a Ressurreição a partir da Pessoa Divina de Cristo que ficou unida à sua alma e a seu corpo separados entre si pela morte: "Pela unidade da natureza divina, que permanece presente em cada uma das duas partes do homem, estas se unem novamente. Assim, a Morte se produz pela separação do composto humano, e a Ressurreição, pela união das duas partes separadas[a51] " (Parágrafos Relacionados 626,1005)
III. SENTIDO E ALCANCE SALVÍFICO DA RESSURREIÇÃO
651 "Se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia é também a vossa fé" (1Cor 15,14). A Ressurreição constitui antes de mais nada a confirmação de tudo o que o próprio Cristo fez e ensinou. Todas as Verdades, mesmo as mais inacessíveis ao espírito humano, encontram sua justificação se, ao ressuscitar, Cristo deu a prova definitiva, que havia prometido, de sua autoridade divina. (Parágrafos Relacionados 129,274)
652 A Ressurreição de Cristo é cumprimento das promessas do Antigo Testamento[a52] " e do próprio Jesus durante sua vida terrestre. A expressão "segundo as Escrituras" indica que a Ressurreição de Cristo realiza essas predições. (Parágrafos Relacionados 994,601)
653 A verdade da divindade de Jesus é confirmada por sua Ressurreição. Dissera Ele: "Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que EU SOU, (Jo 8,28). A Ressurreição do Crucificado demonstrou que ele era verdadeiramente "EU SOU", o Filho de Deus e Deus mesmo. São Paulo pôde declarar aos judeus: "A promessa feita a nossos pais, Deus a realizou plenamente para nós...; ressuscitou Jesus, como está escrito no Salmo segundo: 'Tu és o meu filho, eu hoje te gerei” (At 13,32-33). A Ressurreição de Cristo está estreitamente ligada ao mistério da Encarnação do Filho de Deus. E o cumprimento segundo o desígnio eterno de Deus.(Parágrafos Relacionados 445,422,461)
654 Há um duplo aspecto no Mistério Pascal: por sua morte Jesus nos liberta do pecado, por sua Ressurreição Ele nos abre as portas de uma nova vida. Esta é primeiramente a justificação que nos restitui a graça de Deus, "a fim de que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos vida nova" (Rm 6,4). Esta consiste na vitória sobre a morte do pecado e na nova participação na graça". Ela realiza a adoção filial, pois os homens se tornam irmãos de Cristo, como o próprio Jesus chama seus discípulos após a Ressurreição: “Ide anunciar a meus irmãos" (Mt 28,10). Irmãos não por natureza mas por dom da graça, visto que esta filiação adotiva proporciona uma participação real na vida do Filho Único, que se revelou plenamente em sua Ressurreição. (Parágrafos Relacionados 1987,1996)
655 Finalmente, a Ressurreição de Cristo - e o próprio Cristo ressuscitado - é princípio e fonte de nossa ressurreição futura: "Cristo ressuscitou dos mortos, primícias dos que adormeceram... assim como todos morrem em Adão, em Cristo todos receberão a vida" (1Cor 15,20-22). Na expectativa desta realização, Cristo ressuscitado vive no coração de seus fiéis. Nele, os cristãos "experimentaram... as forças do mundo que há de vir" (Hb 6,5) e sua vida é atraída por Cristo ao seio da vida divina" "a fim de que não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que morreu e ressuscitou por eles" (2Cor 5,15). (Parágrafos Relacionados 989,1002)
RESUMINDO
656 A fé na Ressurreição tem por objeto um acontecimento ao mesmo tempo historicamente atestado pelos discípulos que encontraram verdadeiramente o Ressuscitado e misteriosamente transcendente, enquanto entrada da humanidade de Cristo na glória de Deus.
657 O sepulcro vazio e os panos de linho no chão significam por si mesmos que o corpo de Cristo escapou às correntes da morte e da corrupção pelo poder de Deus. Eles preparam os discípulos para o reencontro com o Ressuscitado.
658 Cristo, "primogênito dentre os mortos" (Cl 1,18), é o princípio de nossa própria ressurreição, desde já pela justificação de nossa alma, mais tarde pela vivificação de nosso corpo".
ARTIGO 6
"JESUS SUBIU AOS CÉUS, ESTÁ SENTADO ·
DIREITA DE DEUS PAI TODO-PODEROSO"
659 "E o Senhor Jesus, depois de ter-lhes falado, foi arrebatado ao Céu e sentou-se à direita de Deus" (Mc 9). O corpo de Cristo foi glorificado desde o instante de sua Ressurreição, como provam as propriedades novas e sobrenaturais de que desfruta partir de agora seu corpo em caráter permanente". Mas, durante os quarenta dias em que vai comer e beber familiarmente com seus discípulos e instruí-los sobre o Reino sua glória permanece ainda velada sob os traços de uma humanidade comum. A última aparição de Jesus termina com a entrada irreversível de sua humanidade na glória divina, simbolizada pela nuvem e pelo céu onde já está desde agora sentado à direita de Deus. Só de modo totalmente excepcional e único Ele se mostrará a Paulo "como a um abortivo" (1 Cor 15,8) em uma última aparição que o constitui apóstolo.(Parágrafos Relacionados 645,66,697,642)
660 O caráter velado da glória do Ressuscitado durante esse tempo transparece em sua palavra misteriosa a Maria Madalena "Ainda não subi para o Pai. Mas vai aos meus irmãos e dizer-lhes Eu subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus (Jo 20,17). Isso indica uma diferença de manifestação entre a glória de Cristo ressuscitado e a de Cristo exaltado à direita do Pai. O acontecimento ao mesmo tempo histórico e transcendente da Ascensão marca a transição de uma para a outra.
661 Esta última etapa permanece intimamente unida à primeira, isto é, à descida do céu realizada na Encarnação. Só aquele que "saiu do Pai" pode "retomar ao Pai": Cristo[a70] . "Ninguém jamais subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem" (Jo 3,13). Entregue a suas forças naturais, a humanidade não tem acesso à "Casa do Pai" à vida e à felicidade de Deus. Só Cristo pôde abrir esta porta ao homem, "de sorte que nós, seus membros, tenhamos a esperança de encontrá-lo lá onde Ele, nossa cabeça e nosso princípio, nos precedeu". (Parágrafos Relacionados 461,792)
662 "E, quando eu for elevado da terra, atrairei todos os homens a mim" (Jo 12,32). A elevação na Cruz significa e anuncia a elevação da Ascensão ao céu. É o começo dela. Jesus Cristo, o Único Sacerdote da nova e eterna Aliança, não "entrou em um santuário feito por mão de homem... e sim no próprio céu, a fim de comparecer agora diante da face de Deus a nosso favor" (Hb 9,24). No céu, Cristo exerce em caráter permanente seu sacerdócio, "por isso é capaz de salvar totalmente aqueles que, por meio dele, se aproximam de Deus, visto que ele vive eternamente para interceder por eles" (Hb 7,25). Como "sumo sacerdote dos bens vindouros" (Hb 9,11) ele é o centro é o ator principal da liturgia que honra o Pai nos Céus. (Parágrafos Relacionados 1545,1137)
663 A partir de agora, Cristo está sentado à direita do Pai: "Por direita do Pai entendemos a glória e a honra da divindade, onde aquele que existia como Filho de Deus antes de todos os séculos como Deus e consubstancial ao Pai se sentou corporalmente depois de encarnar-se e de sua carne ser glorificada" (Parágrafo Relacionado 648)
664 O sentar-se à direita do Pai significa a inauguração do Reino do Messias, realização da visão do profeta Daniel no tocante ao Filho do Homem: "A Ele foram outorgados o império, a honra e o reino, e todos os povos, nações e línguas o serviram. Seu império é um império eterno que jamais passará, e seu reino jamais será destruído" (Dn 7,14). A partir desse momento, os apóstolos se tomaram as testemunhas do "Reino que não terá fim". (Parágrafo Relacionado 541)
RESUMINDO
665 A ascensão de Cristo assinala a entrada definitiva da humanidade de Jesus no domínio celeste de Deus, donde voltará, mas que até lá o esconde aos olhos dos homens.
666 Jesus Cristo, Cabeça da Igreja, nos precede no Reino glorioso do Pai para que nós, membros de seu Corpo, vivamos na esperança de estarmos um dia eternamente com Ele.
667 Tendo entrado uma vez por todas no santuário do céu, Jesus Cristo intercede sem cessar por nós como mediador que nos garante permanentemente a efusão do Espírito Santo
ARTIGO 7
“DONDE VIRÁ JULGAR OS VIVOS E OS MORTOS"
I. ELE VOLTARÁ NA GLÓRIA
CRISTO JÁ REINA PELA IGREJA...
668 "Cristo morreu e reviveu para ser o Senhor dos mortos e dos vivos" (Rm 14,9). A Ascensão de Cristo ao Céu significa sua participação, em sua humanidade, no poder e na autoridade do próprio Deus. Jesus Cristo é Senhor: possui todo poder nos céus e na terra. Está "acima de toda autoridade, poder, potentado e soberania", pois o Pai "tudo submeteu a seus pés (Ef 1,20-22). Cristo é o Senhor do cosmo e da história. Nele, a história do homem e mesmo toda a criação encontram sua "recapitulação"' sua consumação transcendente. (Parágrafos Relacionados 450,518)
669 Como Senhor, Cristo é também a cabeça da Igreja, que é seu Corpo. Elevado ao céu e glorificado, tendo assim cumprido plenamente sua missão, Ele permanece na terra em sua Igreja. A redenção é a fonte da autoridade que Cristo, em Virtude do Espírito Santo, exerce sobre a Igreja". O Reino de Cristo já está misteriosamente presente na Igreja", germe e início deste Reino na terra. (Parágrafos Relacionados 792,1088,541)
670 Desde a Ascensão, o desígnio de Deus entrou em sua consumação. Já estamos na "última hora" (1Jo 2,18)". “Portanto, a era final do mundo já chegou para nós, e a renovação do mundo está irrevogavelmente realizada e, de certo modo, já está antecipada nesta terra. Pois já na terra a Igreja se reveste de verdadeira santidade, embora imperfeita." O Reino de Cristo já manifesta sua presença pelos sinais milagrosos que acompanham seu anúncio pela Igreja". (Parágrafos Relacionados 1042,825,547)
À ESPERA DE QUE TUDO LHE SEJA SUBMETIDO
671 Já presente em sua Igreja, o Reino de Cristo ainda não está consumado "com poder e grande glória" (Lc 21, 17) pelo advento do Rei na terra. Esse Reino é ainda atacado pelos poderes maus, embora estes já tenham sido vencidos em suas bases pela Páscoa de Cristo. Enquanto tudo não for submetido a ele, "enquanto não houver novos céus e nova terra, nos quais habita a justiça, a Igreja peregrina leva consigo em seus sacramentos e em suas instituições, que pertencem à idade presente, a figura deste mundo que passa, e ela mesma vive entre as criaturas que gemem e sofrem como que dores de parto até o presente e aguardam a manifestação dos filhos de Deus" Por este motivo os cristãos oram, sobretudo na Eucaristia, para apressar a volta de Cristo, dizendo-lhe: "Vem, Senhor" (Ap 22,20). (Parágrafos Relacionados 1043,769,773,1043,2046,2817)
672 Cristo afirmou antes de sua Ascensão que ainda não chegara a hora do estabelecimento glorioso do Reino messiânico esperado por Israel, que deveria trazer a todos os homens, segundo os profetas a ordem definitiva da justiça, do amor e da paz. O tempo presente é, segundo o Senhor, o tempo do Espírito e do testemunho mas é também um tempo ainda marcado pela "tristeza" e pela provação do mal, que não poupa a Igreja e inaugura os combates dos últimos dias. E um tempo de expectativa e de vigília. (Parágrafos Relacionados 732,2612)
O ADVENTO GLORIOSO DE CRISTO, ESPERANÇA DE ISRAEL
673 A partir da Ascensão, o advento de Cristo na glória é iminente, embora não nos "caiba conhecer os tempos e os momentos que o Pai fixou com sua própria autoridade" (At1,7). Este acontecimento escatológico pode ocorrer a qualquer momento,ainda que estejam "retidos" tanto ele como a provação final que há de precedê-lo. (Parágrafos Relacionados 1040,1048)
674 A vinda do Messias glorioso depende a todo momento da história do reconhecimento dele por "todo Israel". Uma parte desse Israel se "endureceu" (Rm 5) na "incredulidade" (Rm 11,20) para com Jesus. São Pedro o afirma aos judeus de Jerusalém depois de Pentecostes: "Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, a fim de que sejam apagados os vossos pecados e deste modo venham da face do Senhor os tempos de
refrigério. Então enviará ele o Cristo que vos foi destinado, Jesus a quem o céu deve acolher até os tempos da restauração de todas as coisas, das quais Deus falou pela boca de seus santos profetas" (At 3,19-21). E
São Paulo lhe faz eco: "Se a rejeição deles resultou na reconciliação do mundo, O que será o acolhimento deles senão a vida que vem dos mortos?" A entrada da "plenitude dos judeus" na salvação messiânica, depois da "plenitude dos pagãos, dará ao Povo de Deus a possibilidade de "realizar a plenitude de Cristo" (Ef 4, 13), na qual "Deus ser tudo em todos" (1Cor 15,28). (Parágrafos Relacionados 840,58)
A PROVAÇÃO DERRADEIRA DA IGREJA
675 Antes do advento de Cristo, a Igreja deve passar por uma provação final que abalar a fé de muitos crentes. A perseguição que acompanha a peregrinação dela na terra" desvendará o "mistério de iniqüidade" sob a forma de uma impostura religiosa que há de trazer aos homens uma solução aparente a seus problemas, à custa da apostasia da verdade. A impostura religiosa suprema é a do Anticristo, isto é, a de um pseudo-messianismo em que o homem glorifica a si mesmo em lugar de Deus e de seu Messias que veio na carne.(Parágrafo Relacionado 769)
676 Esta impostura anticrística já se esboça no mundo toda vez que se pretende realizar na história a esperança messiânica que só pode realiza-se para além dela, por meio do juízo escatológico: mesmo em sua forma mitigada, a Igreja rejeitou esta falsificação do Reino vindouro sob o nome de milenarismo, sobretudo sob a forma política de um messianismo secularizado, "intrinsecamente perverso".(Parágrafo Relacionado 2425)
677 A Igreja só entrará na glória do Reino por meio desta derradeira Páscoa, em que seguirá seu Senhor em sua Morte e Ressurreição. Portanto, o Reino não se realizará por um triunfo histórico da Igreja segundo um progresso ascendente, mas por uma vitória de Deus sobre o desencadeamento último do mal, que fará sua Esposa descer do Céu. O triunfo de Deus sobre a revolta do mal assumirá a forma do Juízo Final depois do derradeiro abalo cósmico deste mundo que passa. (Parágrafos Relacionados 1340,2853)
II. PARA JULGAR OS VIVOS E OS MORTOS
678 Na linha dos profetas e de João Batista, Jesus anunciou em sua pregação o Juízo do último Dia. Então será revelada a conduta de cada um e o segredo dos corações. Será também condenada a incredulidade culpada que fez pouco caso da graça oferecida por Deus. A atitude em relação ao próximo revelará o acolhimento ou a recusa da graça e do amor divino Jesus dirá no último Dia: "Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes" (Mt 25,40). (Parágrafo Relacionado 1470)
679 Cristo é Senhor da Vida Eterna. O pleno direito de julgar definitivamente as obras e os corações dos homens pertence a Ele enquanto Redentor do mundo. Ele "adquiriu" este direito por sua Cruz. O Pai entregou "todo o julgamento ao Filho" (Jo 5,22). Ora, o Filho não veio para julgar, mas para salvar e para dar a vida que está nele. É pela recusa da graça nesta vida que cada um já se julga a si mesmo recebe de acordo com suas obras e pode até condenar-se para a eternidade ao recusar o Espírito de amor. (Parágrafo Relacionado 1021)
RESUMINDO
680 Cristo Senhor já reina pela Igreja, mas ainda não lhe estão submetidas todas as coisas deste mundo. O triunfo do Reino de Cristo não se dará sem uma última investida das potências do mal.
681 No dia do juízo, por ocasião do fim do mundo, Cristo virá na glória para realizar o triunfo definitivo do bem sobre o mal os quais, como o trigo e o joio, terão crescido juntos ao longo da história.
682 Ao vir no fim dos tempos para julgar os vivos e os mortos, Cristo glorioso revelará a disposição secreta dos corações e retribuirá a cada um segundo suas obras e segundo tiver acolhido ou rejeitado sua graça.
CREIO NO ESPÍRITO SANTO
683 "Ninguém pode dizer ‘Jesus é Senhor’ a não ser no Espírito Santo" (1Cor 12,3). "Deus enviou a nossos corações o Espírito de seu Filho que clama: Abbá, Pai!" (Gl 4,6). Este conhecimento de fé só é possível
no Espírito Santo Para estar em contato com Cristo, é preciso primeiro ter sido tocado pelo Espírito Santo É ele que nos precede e suscita em nós a fé. Por nosso Batismo, primeiro sacramento da fé, a Vida, que tem sua fonte no Pai e nos é oferecida no Filho, nos é comunicada intimamente e pessoalmente pelo Espírito Santo na Igreja: (Parágrafos Relacionados 424,2670,152)
O Batismo nos concede a graça do novo nascimento em Deus Pai por meio de seu Filho no Espírito Santo Pois os que têm o Espírito de Deus são conduzidos ao Verbo, isto é, ao Filho; mas o Filho os apresenta ao Pai, e o Pai lhes concede a incorruptibilidade. Portanto, sem o Espírito não é possível ver o Filho de Deus, e sem o Filho ninguém pode aproximar-se do Pai, pois o conhecimento do Pai é o Filho, e o conhecimento do Filho de Deus se faz pelo Espírito Santo. (Parágrafo Relacionado 236)
684 Espírito Santo, por sua graça, é primeiro no despertar de nossa fé e na vida nova que é "conhecer o Pai e aquele que Ele enviou, Jesus Cristo". Todavia, é último na revelação das Pessoas da Santíssima Trindade. São Gregório Nazianzeno, "o Teólogo", explica esta progressão pela pedagogia da "condescendência" divina: O Antigo Testamento proclamava manifestamente o Pai, mais obscuramente o Filho. O Novo manifestou o Filho, fez entrever a divindade do Espírito. Agora o Espírito tem direito de cidadania entre nós e nos concede uma visão mais clara de si mesmo. Com efeito, não era prudente, quando ainda não se confessava a divindade do Pai, proclamar abertamente o Filho e, quando a divindade do Filho ainda não era admitida, acrescentar o Espírito Santo como um peso suplementar, para usarmos uma expressão um tanto ousada... É por meio de avanços e de progressões "de glória em glória" que a luz da Trindade resplenderá em claridades mais brilhantes.
685 Crer no Espírito Santo é, pois, professar que o Espírito Santo é uma das Pessoas da Santíssima Trindade, consubstancial ao Pai e ao Filho, "e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado[a4] ". É por isso que se tratou do mistério divino do Espírito Santo na "teologia" trinitária. Aqui, portanto, só se tratará do Espírito Santo na "Economia" divina. (Parágrafo Relacionado 236)
686 O Espírito Santo está em ação com o Pai e o Filho do início até a consumação do Projeto de nossa salvação. Mas é nos “últimos tempos", inaugurados pela Encarnação redentora do Filho que ele é revelado e dado, reconhecido e acolhido como Pessoa. Então este Projeto Divino, realizado em Cristo, "Primogênito” e Cabeça da nova criação, poderá tomar corpo na humanidade pelo Espírito difundido: a Igreja, a comunhão dos santos, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne, a Vida Eterna. (Parágrafo Relacionado 258)
Artigo 8
"CREIO NO ESPÍRITO SANTO"
687 "O que está em Deus, ninguém o conhece senão o Espírito de Deus" (1 Cor 2,11). Ora, seu Espírito que o revela nos conhecer Cristo, seu Verbo, sua Palavra viva, mas não se revela a si mesmo. Aquele que "falou pelos profetas" faz-nos ouvir a Palavra do Pai. Mas, ele mesmo, nós não o ouvimos. Só o conhecemos no momento em que nos revela o Verbo e nos dispõe a acolhê-lo na fé. O Espírito de Verdade
que nos "desvenda o Cristo "não fala de si mesmo". Tal apagamento, propriamente divino, explica por que "o mundo não pode acolhê-lo, porque não o vê nem o conhece", enquanto os que crêem em Cristo o conhecem, porque ele permanece com eles (Jo 14,17). (Parágrafo Relacionado 243)
688 A Igreja, comunhão viva na fé dos apóstolos, que ela transmite, é o lugar de nosso conhecimento do Espírito Santo:
ü nas Escrituras que ele inspirou;
ü na Tradição, da qual os Padres da Igreja são as testemunhas sempre atuais;
ü no Magistério da Igreja, ao qual ele assiste;
ü na Liturgia sacramental, por meio de suas palavras e de seus símbolos, na qual o Espírito Santo nos coloca em Comunhão com Cristo;
ü na oração, na qual Ele intercede por nós;
ü nos carismas e nos ministérios, pelos quais a Igreja é edificada;
ü nos sinais de vida apostólica e missionária;
ü no testemunho dos santos, no qual ele manifesta sua santidade e continua a obra da salvação.
I. A MISSÃO CONJUNTA DO FILHO E DO ESPÍRITO
689 Aquele que o Pai enviou a nossos corações, o Espírito de seu Filho" é realmente Deus. Consubstancial ao Pai e ao Filho, ele é inseparável dos dois, tanto na Vida íntima da Trindade como em seu dom de amor pelo mundo. Mas ao adorar a Santíssima Trindade, vivificante, consubstancial e indivisível, a fé da Igreja professa também a distinção das Pessoas. Quando o Pai envia seu Verbo, envia sempre seu Sopro: missão conjunta em que o Filho e o Espírito Santo são distintos, mas inseparáveis. Sem dúvida, é Cristo que aparece, ele, a Imagem visível do Deus invisível; mas é o Espírito Santo que o revela. (Parágrafos Relacionados 24,254,485)
690 Jesus é Cristo, "ungido", porque o Espírito é a unção dele, e tudo o que advém a partir da Encarnação decorre desta plenitude. Quando finalmente Cristo é glorificado, pode, por sua vez, de junto do Pai, enviar o Espírito aos que crêem nele: comunica-lhes sua glória, isto é, o Espírito Santo que o glorifica. A missão conjunta se desdobrar então nos filhos adotados pelo Pai no Corpo de seu Filho: a missão do Espírito de adoção será uni-los a Cristo e fazê-los viver nele: (Parágrafos Relacionados 436,788)
A noção da unção sugere... que não existe nenhuma distância entre o Filho e o Espírito. Com efeito, da mesma forma que entre a superfície do corpo e a unção do óleo nem a razão nem os sentidos conhecem nenhum intermediário, assim é imediato o contato do Filho com o Espírito, tanto que, para aquele que vai tomar contato com o Filho pela fé é necessário encontrar primeiro o óleo pelo contato. Com efeito não há nenhuma parte que esteja privada do Espírito Santo Por isso a confissão do Senhorio do Filho se faz no Espírito Santo para os que a recebem, vindo o Espírito de todas as partes precedendo os que se aproximam pela fé. (Parágrafo Relacionado 448)
II. O NOME, AS DENOMINAÇÕES E OS SÍMBOLOS DO ESPÍRITO
O NOME PRÓPRIO DO ESPÍRITO SANTO
691 "Espírito Santo", este é o nome próprio daquele que adoramos e glorificamos com o Pai e o Filho. A Igreja o recebeu do Senhor e o professa no Batismo de seus novos filhos O termo “Espírito” traduz o termo hebraico "Ruah", o qual em seu sentido primeiro, significa sopro, ar, vento. Jesus utiliza justamente a imagem sensível do vento para sugerir a Nicodemos a nossa novidade transcendente daquele que é pessoalmente o Sopro de Deus, o Espírito divino. Por outro lado, Espírito e Santo são atributos divinos comuns às três Pessoas Divinas. Mas ao juntar os dois termos, a Escritura, a Liturgia e a linguagem teológica designam a Pessoa inefável do Espírito Santo, sem equívoco possível com os outros empregos dos termos "espírito" e "santo". (Parágrafo Relacionado 1433)
AS DENOMINAÇÕES DO ESPÍRITO SANTO
692 Ao anunciar e prometer a vinda do Espírito Santo, Jesus o denomina o "Paráclito", literalmente: aquele que é chamado para perto de, "advocatus" (Jo 14,16.26; 15,26; 16,7). “Paráclito” é habitualmente traduzido por "Consolador", sendo Jesus o primeiro consolador. O próprio Senhor chama o Espírito Santo". Espírito de Verdade. ".
693 Além de seu nome próprio, que é o mais empregado nos Atos dos Apóstolos e nas Epístolas, encontram-se em São Paulo as denominações: o Espírito da promessa (Gl 3,14; Ef 1,13), o Espírito de adoção (Rm 8,15; Gl 4,6), o Espírito de Cristo (Rm 8,11), o Espírito do Senhor (2Cor 3,17), o Espírito de Deus (Rm 8,9.14;15,19; 1Cor 6,11;7,40) e, em São Pedro, o Espírito de glória (1Pd 4,14).
OS SÍMBOLOS DO ESPÍRITO SANTO